1. Entrevista

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O motoqueiro acelerava entre as longas fileiras de carros engarrafados no trânsito de Bangkok e, por onde passava, deixava buzinas e gritos de motoristas desesperados com a sua movimentação repentina e perigosa. Infelizmente, não havia nada que ele pudesse fazer a esse respeito se quisesse chegar a tempo da sua entrevista de emprego.

Olhando rapidamente à frente, identificou o cruzamento mais perigoso da capital. Todos os dias ali aconteciam vários acidentes, alguns com vítimas fatais. Por isso mesmo, ele decidiu ser prudente e desacelerar. Para a sua absoluta falta de sorte, o motorista que vinha na direção contrária não teve a mesma diligência.

Por alguns segundos, o mundo pareceu silenciar e só o que se ouviu foi o barulho da freada brusca. Em seguida, um homem alto e vestido em um terno de aparência cara saiu do seu automóvel de luxo e se aproximou do motoqueiro que ainda se recuperava do susto.

O carro havia invadido a preferência do motoqueiro e numa manobra claramente indevida, colocou ambos em risco. Por sorte, ninguém havia se ferido e nem os veículos danificados. Por outro lado, a constatação desse fato não diminuiu a fúria do homem bem vestido.

Enquanto o engravatado gritava alguma coisa e gesticulava muito tentando dar credibilidade aos seus argumentos, o motoqueiro vagarosamente recuperava o controle sobre seus sentidos. Ele conseguiu então, ainda que brevemente, perceber que o sujeito tinha uma voz grossa assustadora que era intensificada pela carranca que ele carregava no rosto por conta do quase acidente recente. O motoqueiro então percebeu que o motorista pedia a sua participação no que havia sido um monólogo até então.

"Você pode, pelo menos, tirar esse capacete ridículo para me ouvir falar?", o homem exigiu.

O motoqueiro sorriu por baixo da proteção e fez como solicitado. Para a absoluta surpresa do motorista, o capacete ao ser removido deixou serem vistas as mechas do cabelo castanho-quase-dourado do motoqueiro. Ele parecia ser muito jovem, não mais que 20 anos, com certeza, e este fato somado ao cabelo muito comprido faziam criar uma dúvida se ele era desleixado ou se isto era apenas parte do seu estilo despreocupado.

Ao terminar de remover a peça, o motoqueiro deixou aparecer no seu rosto um sorriso largo que ele sabia ser o ponto fraco de muita gente com quem interagia. Somando seu olhar ensaiado de piedade, ele percebeu a rápida mudança de expressão no rosto do homem que segundos atrás parecia estar encomendando a sua prisão numa masmorra alta e úmida.

O motorista se sentiu como o náufrago que vê um navio à vista pela primeira vez em muitos meses. A visão do motoqueiro à sua frente parecia uma mistura de fantasia com realidade. Ele era bonito demais para não pertencer a um conto de fadas ou coisa assim. Dominado por tal visão, o homem de terno se viu engasgando até enfim perder a voz e parar de reclamar.

"Ei, vocês! Saiam da frente!", um motorista gritou.

"É! Se vocês já resolveram o problema, liberem a pista!", um caminhoneiro adicionou descansando a mão na buzina para ser mais persuasivo.

"B-bom e-eu acho que… já que não houve dano, podemos ir embora…", o motorista falou, enfim.

"O que você disse?", o motoqueiro perguntou ao duvidar ainda ter a audição intacta depois da sinfonia de buzinas que havia se iniciado entre aqueles que esperavam a liberação do caminho para seguirem ao seus destinos.

"Não foi nada! Se cuida!", o motorista disse apenas antes de entrar no seu carro e continuar o trajeto que fora interrompido.

O homem de terno demorou a se tranquilizar, mas dirigir era algo que sempre o relaxava e isso facilitou as coisas. Ainda assim, a imagem do pequeno elfo motoqueiro aparecia dentro das suas pálpebras todas as vezes em que fechava os olhos.

Meu adorável motoristaWhere stories live. Discover now