Capítulo Único.

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Passara toda sua infância e adolescência olhando para baixo, para o chão, para a cruel realidade que o assombrava e o perseguia. Não podemos fugir de quem nós somos.

Igor Gonçalves nunca fora daquelas crianças esperançosas que vivem no "mundo da lua", admirando as nuvens e desejando poder comê-las como algodões doces que derretem na boca.

As crianças em sua escola o excluíam porque tudo em sua aparência exclamava "esquisito" e ouvia apelidos maldosos que faziam com que o garoto se encolhesse em cima da privada pequenina nos banheiros do colégio na hora do intervalo. Parecia que não existia um espaço para si em todo o mundo, tudo era pequeno demais, apertado demais, doloroso demais... Porém, quando chegava em casa e encontrava seu avô adormecido, Igor se refugiava dentro do armário de madeira de cerejeira de seu único familiar vivo, e passava horas e mais horas lendo livros que diziam palavras doces e contavam histórias inspiradoras.

O homem extremamente alto possuía uma pequena corcunda, o que fazia que as pessoas não tivessem uma impressão elegante de si, não o enxergavam e viam um potencial bailarino, de forma alguma; todos o enxergavam como um coitado, e talvez, Igor fosse um.

Entretanto, isso não o impedia de ser alguém prestativo e cuidador; o que era curioso já que Igor não conhecera a gentileza alheia, tudo o que sabia sobre o amor, sobre a humanidade e solidariedade aprendeu através de livros, filmes e mangás.

Os autores contavam sobre a paciência, lealdade, coragem, afeto, carinho, esperança e Igor encontrou naquelas páginas o conforto.

Era tudo muito silencioso, mas o menininho com as orelhas de abano podia ouvir um: "Não se transforme no que te destruiu, Igor. Seja bom" e ele assentia, com lágrimas em seus olhos ao que abraçava os livros emprestados da biblioteca da escola.

Em seu trabalho, seus 'colegas' e chefe abusavam de sua vontade de ajudar.

Igor não tivera a oportunidade de conhecer o equilíbrio em sua vida.

Durante sua infância, as pessoas não o enxergavam, o ignoravam como se o pequeno não devesse ao menos estar ali e ao que crescera, parecia que todos enxergavam somente a si, mas somente quando precisavam de algo.

Ele poderia dizer "não", ele poderia dizer que estava exausto, que suas mãos doíam quando carregava caixas e mais caixas por estar fazendo o trabalho que deveria ser para três pessoas... Entretanto, Igor apenas se calava, assentia com a cabeça e trabalhava.

Às vezes Igor desejava que o mundo parasse por algumas horas. Que tudo se congelasse, e ele pudesse desacelerar um pouco para respirar fundo e só então, retomar suas atividades.

Por que sua vida não era como a de um personagem do Studio Ghibli? Por que ela parecia diferente, um diferente abominável? Uma peça de um quebra cabeça que não se encaixa em lugar algum?

Nos filmes e animações sempre aparecia alguém que enxergava o protagonista, que o entendia, que o ajudava, só que Igor jamais conhecera um amigo como o Haku em A Viagem de Chihiro ou alguém doce como o príncipe Kit de Cinderela, nunca!

O homem deu um sorrisinho triste - uma característica sua que ninguém reparara - e ajeitou o boné do uniforme da lojinha de conveniência em que trabalhava. No momento se encontrava cobrindo seu turno da madrugada e surpreendentemente era uma madrugada muito quente apesar do horário.

O estabelecimento pequeno e abafado possuía um ventilador barulhento na maior velocidade possível; o objeto não era inútil mas também não fazia um trabalho bem feito visto que Igor suava como um porco mesmo tendo um leque balançando freneticamente para lá e para cá, fazendo com que sua franja platinada se mexesse só um pouco pois o boné e o suor impediam maior movimentação.

O Primeiro AmanhecerWhere stories live. Discover now