Prologue

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   A goteira estava aberta, a chuva do lado de fora adentrava a casa pelo buraco e batia no balde já quase transbordando. Gabriela olhou enjoado para o local e tossiu. Seu prato estava cheio de massa de macarrão, ela mexia com nojo, sem fome; A goteira fazia barulho e o garfo que segurava contribuía para a falta de silêncio no local. Aidan, seu pai a ignorou, e ela a olhou pela primeira vez desde que o jantar havia começado.

Os olhos de Gabriela finalmente desistem, o bolo em sua garganta parece mais firme, comprime sua voz e seu respirar, seus lábios comprimem, e uma lágrima cai por seu rosto. Seu olhar volta para seu pai que a encara tentando tirar parte da culpa de suas costas, seus olhos o desistem, ele olha para seu prato e  enrola o macarrão no garfo. Gabriela continua o implorando com seus olhos, ele vira o rosto, bate a mão na mesa e aponta para ela quase se rendendo ao choro.

— Você vai desligar os aparelhos... - Sua voz falha, se não fosse tão orgulhosa estaria aos prantos implorando aos pés de seu pai para que não fizesse isso com ela. Não na véspera de seu aniversário. Aidan da os ombros, limpa a boca com o guardanapo e tosse negando com a cabeça.

- Não há outro jeito, não quero te dar esperanças, ela está morta. - Seu tom frio gela seu próprio corpo, mas corrói Gabriela por dentro. Ele bate na mesa com a mão fechada, os talheres pulam e Gabriela fecha os olhos. - Você tem que parar de ser criança, ela está morta porra! - Ele passa as mãos por dentro dos próprios cabelos inspirando fundo.

- Ela não está morta - Sua voz falha novamente e Gabriela passa a mão no rosto. O sentimento inexplicavelmente inexplicável, e a única coisa que poderia fazer é ficar calada, se não quisesse levar um tapa, Aidan a encarou e puxou seu rosto, apertou suas bochechas e a olhou nos olhos.

— Sua mãe está morta porra! Aceita de uma vez! Eu não quero saber de suas imaginações bobas, não vão te levar a lugar nenhum, cresce Gabriela! - Ele solta seu rosto com mais força do que ela imaginava. - Se eu pudesse escolher Gabriela, acha que eu não teria escolhido ficar no lugar da sua mãe? É claro que eu escolheria! - Seu olhar é desperado ele caminha em passos firmes até a cozinha e pega a garrafa de cerveja em cima da mesa e joga no chão com o máximo de força possível, Gabriela chora e Aidan joga suas coisas no chão. - EU ESCOLHERIA PORRA!

- Eu preferiria que tivesse mesmo ficado no lugar dela - Sua voz sai como um sussurro, seus ombros comprimidos como se estivesse com medo. Seus olhos baixo se voltaram para seu pai, estava parado em frente a cozinha, a figura de um homem completamente desiludido, sua barba mal feita, as olheiras em baixo dos olhos, sua boca mais ressecada que o normal, sua mão esquerda segurando uma garrafa de cerveja quebrada ao meio. Apesar de frequentar a academia todos os dias ainda sim com os músculos nos braços, tinha a aparência de um homem fraco, de um homem sem força alguma.

Aidan olha para sua filha e concorda limpando a lágrima que cai no chão, ele caminha até o prato de goteira o chuta antes de deitar no sofá. E de lá, Gabriela só consegue escutar o choro incessante de seu pai, ela caminha até seu pai e deita ao seu lado, abraça suas costas e chora em seu cangote.

- Desculpa filha, eu sou um péssimo pai - Aidan disse aos prantos. - Eu sou um péssimo pai. - Gabriela não responde, passa a mão por seu cabelo e nega com a cabeça.

— Depois de perder duas filhas e uma esposa, eu acho que você está lidando muito bem com o peso - Ela mente, e se levanta, se senta no chão e suspira. - Depois de um perder duas irmãs e uma mãe, não tenho conseguido carregar o peso - Confessa e abraça os joelhos, enfiando a cabeça entre seus braços.

Seu pai não a responde.

- Por que você não pode me amar de novo pai? O que eu fiz de tão ruim que você não pode me amar?

Quando anoitece a lua cai sobre a janela do hospital, Aidan encara perplexo para sua mulher que possui os olhos fechados, seus lábios ressecados, cicatrizes sobre o corpo. Gabriela segura a mão de sua mãe e ora por alguns minutos. Aidan ignora as palavras da menina e segura com força o lenço umedecido. Senta sobre a poltrona e pressionar o indicador e o polegar sobre os cantos dos olhos. Seu coração parece explodir, sua cabeça dói, seu corpo parece ranger e doer só por se mover, apenas pelo seu respirar doloroso, que agora deveras solitário.

- Ela nunca faria isso com você - Gabriela disse aos prantos. Aidan desabou, permaneceu calado; Um  conhecido,  pelos os dois, médico, entrou na sala. Cole se aproximou e encostou no ombro de Aidan, sorriu para Gabriela e se aproximou da locação de BIPAP e esperou por longos minutos. Aidan concordou com a cabeça para ele e Cole desligou o aparelho. Gabriela chorou, e Aidan saiu da sala. - Desculpa mãe.

Aidan esbarrou em uma mulher e se desculpou, ele olhou para a mulher vestida de médica e ergueu o olhar para ela, ela tinha um sorriso fraco e uma prancheta na mão, em seu corpo vestia um jaleco branco e um macacão simples. Aidan engoliu seco e se esforçou para formar corretamente as palavras, seu coração desacelerava, pedia para parar de bater e sua cabeça parecia bater com força.

- Com licença, você trabalha aqui? - Sua voz falhou, sua falta de ar se transformou presente e seu rosto ficou pálido. A mulher colocou uma mão em seu ombro e franziu a sobrancelha. Aidan se afastou e caminhou com rapidez até o bebedouro, procurou um copo de plástico e se irritou. - Isso é a porra de um hospital particular e não tem o caralho de um copo?! - A mesma mulher que antes ele havia se afastado apareceu com um copo de plástico vazio, ele encheu o copo e o virou.

— O senhor está bem, precisa de ajuda?

- Eu perdi duas filhas - Ele confessa e a mulher concorda com a cabeça parecendo impactada pela notícia - E minha mulher. - A médica coloca a mão em seu ombro e Aidan respira fundo.

- Você é o homem... Da mulher em coma? - Ela responde sua própria pergunta e sorri forçadamente - Meus sentimentos senhor. Tenho certeza que pensou no melhor para ela.

— Para minha filha, eu pensei o melhor para minha filha! Ela... Ela acha que a mãe irá acordar e porra, qual é o problema dela? Ela já é uma adolescente! Por que ela não consegue aceitar que ela se foi? Está morta, como sempre esteve, minha mulher morreu a dois anos atrás. A única coisa que resta dela e seu corpo vazio. Minha filha é ingênua demais para perceber.

- Talvez o senhor só necessite ter mais paciência, perder duas irmãs e uma mãe deve ser difícil para uma  adolescente... Para qualquer uma - Aidan olhar para os olhos da mulher que o apontam dedo, ele nega com a cabeça, se firmando está completamente bem. - Seria até estranho não estar mal.

- Não importa, já me confirmei com a morte dela a um tempo... - A mulher concorda e acaricia seu ombro. - minha filha em que é sentimental demais ela... Ela amava muito a mãe dela.

— Eu entendo... - A mulher tira a mão do ombro de Aidan que finalmente olha para a mulher, parece querer dizer algo, mas se contem, prefere analisar o homem totalmente destruído em sua frente.

- O que? Deve estar me achando um babaca não é? Eu sou mesmo - Ele da os ombros enche o copo novamente. - Um homem que perde duas filhas e uma mulher e não entende sua filha adolescente que é solitária e está em profundo luto por sua perda, está triste por perder sua mãe e não tem um pai bom o suficiente para poder desabar.

— Para mim, você parece a compreender muito bem. - Ela semicerra os olhos, o olha de cima abaixo e para em seus olhos. - Só não parece nem o suficiente para querer fazer algo a respeito, eu compreendo. Talvez vocês dois precisem se ajudar... - Alguém parece a chamar e ela esquece o que iria falar. - Meus pêsames senhor. - Ela se afasta do mesmo e caminha até outra médica. Aidan suspira e ajeita sua coluna. Seus olhos passam

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⏰ Last updated: Dec 28, 2023 ⏰

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