SILÊNCIOS (ou um poema sobre as palavras que eu não sei dizer)

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ás vezes, no meio da noite
eu penso no que poderíamos ter sido
e as palavras que eu nunca te disse

criam forma e arranham meu peito

querendo sair
mas eu as seguro e engulo de novo
e as escondo, bem lá no fundo
onde eu não possa ouvir seus gritos
nem sentí-las se debatendo aqui dentro

vez por outra, deixo-as sair um pouquinho
como quem abre uma fresta da janela
e deixa o ar entrar, bem de mansinho
e então, nesses pequenos momentos
nossos abraços duram

alguns segundos a mais
e nesses milésimos de segundo extras com você,

sinto como se vivesse eternidades
e eu me aconchego no seu peito e imagino
finjo que ainda podemos ser algo, um dia
eu fixo a sua imagem na minha mente

quase como se batesse uma foto sua
para te guardar como um lembrete
uma lembrança nítida para quem

te olha de lado e te enxerga

como o universo que você é
e que enxerga a beleza mesmo

nas suas falhas, nas suas imperfeições
mesmo nos pedaços de você que você ignora,
que você despreza
pedaços que você finge que não existem

mas que estão lá
e eu os enxergo, tão vividos e brilhantes
mas o momento passa, desaparece no tempo
e a janela se fecha de novo com um estrondo
e eu coloco várias trincas, uma grade e um cadeado
e verifico se está bem trancada
para que essas palavras não escapem
para que elas não fujam de mim

enquanto eu durmo
e te encontrem em alguma esquina, em algum lugar
para que elas não te contem o que eu escondo
um dia, sei que elas irão embora
para te procurar, ou me deixar
mas mesmo assim, tento domesticá-las
tento amansá-las, embalando-as na noite
e dizendo baixinho que elas não podem

te fazer ficar
porque a gente não escolhe onde

o nosso olhar pousa
ele é pássaro e voa, sem rota, sem destino
as vezes cruza com alguém que olha de volta

na mesma intensidade
outras vezes nossos olhares se perdem

na multidão
somos observadores e observados
nem sempre no mesmo tempo, no mesmo espaço
olhamos errado, ou não olhamos de fato
ou olhamos e não vemos, nem veremos nunca
porque não escolhemos nossas emoções,
elas é que nos escolhem
e assim, eu te amo em silêncio, em ausências
te amo fingindo que não amo, fingindo que te esqueço
e te guardo como quem guarda um segredo
e então continuo a te assistir procurar amor

em todos os cantos
quando o amor, de certa forma, já te encontrou.

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⏰ Last updated: Feb 06, 2022 ⏰

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