Presente I

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Presente: Heidi Woodward

O ar frio da rua não a impede de sair de casa naquela noite. Heidi olha para o céu limpo e estrelado e inspira, decidida daquilo que quer fazer. Nunca foi muito decidida, na verdade, mas nos últimos tempos Heidi parece querer remediar toda a sua vida, e algo nela acredita que avançar com a sua ideia para a noite a vai ajudar.

Assim que a porta se fecha atrás de si Heidi sabe que não há volta a dar. Se pelo menos tudo pudesse ser diferente... Parece até estúpido, Heidi pensa enquanto desce os degraus da sua portada, fazer uma coisa destas por causa de um homem. O problema é que não era um homem qualquer, e não era por causa dele, mas si por causa dela.

Heidi Woodward opta por caminhar até ao seu destino, após se aperceber que se levar o carro só causará ainda mais transtorno à sua família ou a quem quer que fosse tratar do problema. Andar dá-lhe mais alguns minutos para pensar na vida e no que resta dela, em todas as pessoas incríveis à sua volta, aquilo que conquistou ao longo dos anos e, mais importante, o que a levou até ali.

Passo a passo, Heidi chega à praia, propositadamente ziguezagueando no meio da estrada vazia. Não era normal aquela estrada ter tão pouco movimento, costumava haver sempre um carro ou outro, mas aquela noite parecia ser diferente para toda a gente. O coração de Heidi bate vai mais rápido do que nunca, e Woodward apercebe-se que, apesar disso, se sente bem e aliviada, porque dali a alguns minutos vai deixar de sentir a dor que tem instalada no peito. Por momentos, isso assusta-a. Está mais do que ciente das consequências que vai trazer para os seus amigos e família, e não quer que a odeiem, mas também já está farta de se sentir como uma coitadinha de quem todos têm pena.

E está destruída.

A praia não é longe da cidade, ou da casa dela, na verdade, começando apenas alguns quilómetros depois do fim de Los Angeles. Heidi apercebe-se que não escolheu aquela praia aleatoriamente, escolheu-a porque é especial, guarda todo o tipo de memórias, dias sem fim e noites de festas, partilhados com aqueles que ela sabia serem os melhores amigos que alguém poderia ter tido. E era no meio desses amigos que ele estava.

Quando se conheceram Colson era especial. Atencioso. Amável. Obediente. Romântico, sensato, divertido, charmoso. Ele era a melhor pessoa que ela tinha conhecido nos últimos anos, e disse-lhe que ficaria ao seu lado para sempre. E tentou. Infelizmente, a culpa disto era toda dela.

Para Heidi, ela não para de indivíduo que já não acredita no amor verdadeiro ou em almas gémeas, um corpo que não sente amor, alegria ou até empatia. Heidi já se sente morta muito antes de se atirar para o mar.

Assim que pisa a areia, Woodward deixa-se cair no chão, perdendo toda a força que poderia ter tido antes. A estrela de Hollywood sente-se vazia, como se a dor lhe tivesse arrancado tudo o que restava de si, um desespero que mal a deixa respirar ou pensar. Os seus olhos vêm as ondas rebentar à sua frente, e Heidi sente uma pinga de água salgada na sua cara. Pergunta-se se é uma lágrima. Chorou tanto durante horas, até dias, e está cansada de chorar, ao ponto de achar que não o conseguia fazer mais. Heidi respira fundo.

Podia ter sido diferente, sussurra.

Heidi Woodward tem razão. Podia ter sido diferente, se ela não tivesse fugido dele naquele dia, se ele a tivesse ido atrás dela. Mas ambos cometeram erros. A fama entrou nas suas vidas muito antes de se conhecerem e tirou-lhes pedaços de si próprios antes que eles mesmo percebessem o que estava a acontecer. Chegar ao topo tão depressa fez com que fossem as pessoas mais felizes do mundo, ter tudo o que sempre desejaram foi incrível, mas quando as coisas más começaram a acontecer, como os paparazzi, a mudança súbita das suas tarefas diárias, o terrível acidente e as acusações horríveis, as suas carreiras desmoronaram-se e, com elas, o namoro.

Heidi olha em volta mais uma vez antes de se pôr de pé, à espera de ver alguém passar, mas não há ninguém na praia. A estrela de Hollywood já não está em si, está desesperada, arrependida, e se a única maneira de parar de se sentir tão cinzenta parece ser acabar com a sua vida, então está bem.

Sozinha na praia, Heidi dirigir-se para o mar. Sempre pensou que o oceano era fantástico. A água transparente com o reflexo azul do céu sempre foi algo que a fascinou, a forma como a luz do sol faz o seu caminho através das ondas e o brilho da espuma A praia sempre foi um sítio que a fez sentir-se entusiasmada e com vida. À noite, porém, a escuridão, o som das ondas e o reflexo da lua no oceano, davam-lhe uma sensação de calma. Talvez seja por isso que está lá, pronta para entrar no mar. De alguma forma, Heidi sempre se sentiu como se pertencesse ao mundo, à natureza, ao oceano, e por isso sentia que mesmo que tudo aquilo acabasse, ela haveria que continua por aí, nas pétalas das flores, no chilrear dos pássaros, nas folhas levadas pelo vento.

Ele nunca me procurou, pensa, enquanto molha os pés, a culpa é tua. A culpa é toda tua.

Heidi nunca teve uma opinião muito forte sobre Deus, ou sobre o que acontece a alguém depois da morte. A maioria das pessoas ou acreditava que Deus era real, e que iam para o céu, ou que os humanos eram apenas corpos vivos que nascem, vivem, e morrem – sem antes ou depois da vida. No entanto, esse pensamento tinha-se apoderado dela nas últimas semanas. Qual era a pior coisa que podia acontecer? Se Deus fosse real, iria ela para o céu ou para o inferno? Heidi gostava de acreditar que o seu lugar era ao lado dos anjinhos, mas e se estivesse errada? E se não houvesse nada depois da morte? E se ficasse presa? Pior, e se fosse para o inferno? Esta pergunta perseguiu-a por uns tempos, depois do que tinha feito não ficaria surpreendida se fosse para ao inferno. Heidi acabou por descartar esta ideia. Quase matara alguém, sim, mas isso não significa que tenha de sofrer para o resto da eternidade. Tinha sido um acidente.

Heidi deixou cair outra lágrima e olhou em volta. Lembrava-se dos dias fantásticos que tinha passado com Colson. Lembrava-se de como se tinham conhecido, das festas, do iate, dos aniversários, das passadeiras vermelhas, das sessões fotográficas, tudo. Pensa na família e nos amigos, em todos os que está prestes a deixar para trás.

Desculpem, sussurra ao pensar nos pais, e sente mais lágrimas a escorrer-lhe pelas bochechas. É egoísta da parte dela tentar acabar com a sua vida quando há pessoas à sua volta que têm piores, percebe. Não está doente, não tem dívidas, não tem ninguém à sua volta que a trate mal... Talvez ela fosse apenas mais uma celebridade parva à procura de atenção, pode ser o que as pessoas vão dizer quando encontrarem o seu corpo. Mas não se importa, já lhe tinham chamado coisas bem piores, e tinha-as merecido.

Heidi fecha os olhos e respira fundo, ganhado finalmente coragem. Despe o casaco e deixa-o cair na areia, não se apercebendo que quanto menos roupa tiver mais rápida será a transição. Se tivesse pensado nisso, talvez tivesse tirado o resto da roupa. Se a água nos pulmões não a matasse, o frio de certo que o faria.

Heidi entra finalmente no mar, disposta a esquecer tudo o que fizeram um ao outro. Dá alguns passos em frente e arrepia-se quando a água chega à cintura. E para. Algo lhe diz para parar. Woodward não está muito longe da costa, as águas naquele sítio afundam depressa, por isso não precisa de andar ou nadar muito até não conseguir alcançar o fundo. Heidi tira os pés da areia e nada cerca de dois metros até não ter pé. Deixa-se ficar a olhar para o horizonte. Já não chorava.

A atriz expirou todo o ar que tinha nos pulmões e deixou-se afundar no mar.

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⏰ Última atualização: Mar 10, 2022 ⏰

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