You & I

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Seis anos se passaram desde sua última vez ali.

Ele não sentia saudades daquele lugar, nem daquele povo. Muito diferente do que ele era e almejava para si. Mas ele tinha assuntos mal resolvidos ali. 

Um assunto mal resolvido, para ser mais específico. 

A lua cheia já estava alta no céu quando ele estacionou próximo ao bar mais decente daquela cidade. A placa na parede externa indicava que nada havia mudado. Se o nome era o mesmo, os donos também seriam. E pela quantidade de pessoas na porta, a qualidade do lugar continuava a mesma. 

Sua chegada chamou a atenção de alguns poucos frequentadores do local. Eles não estavam acostumados a uma presença como a dele. Ele tirou o capacete e desfez o coque que prendia seus cabelos. Sua cabeça começava a latejar, mas a noite estava apenas começando. 

Ele não sairia de lá de mãos vazias. 

Com os longos cabelos negros refletindo as luzes do letreiro e do luar, ele acendeu um cigarro antes de entrar. Sem paciência para terminá-lo, ele jogou o que restava no chão e apagou a brasa com o salto da bota. 

Ele pouco tinha mudado ao longo dos anos que esteve fora da cidade. Ele ainda carregava o mesmo ar de quando foi embora e alguns poucos presentes o reconheceram de imediato. Sua figura, sua postura, seu jeito de andar. Tudo era muito diferente do padrão da cidade. 

O segurança na porta ainda era o mesmo. Corpulento, alto, de feições fortes e intimidadoras. Eles trocaram olhares. O segurança ameaçou acionar o microfone do rádio escondido dentro do paletó, mas com um gesto do recém-chegado, ele desistiu. O segurança sabia quem ele era e sabia os motivos dele estar ali - ou, pelo menos, imaginava. De nada adiantaria criar um escarcéu por causa da presença daquele homem. 

O interior do lugar também era o mesmo. As mesmas luzes, os mesmos ambientes, o mesmo tipo de música. Ele olhou ao redor e encontrou o que procurava. A música alta abafava os comentários dos que o reconheciam durante seu curto trajeto até o bar. 

Pouco mais de 5 ou 6 passos o separavam de seu destino quando ele reconheceu quem estava trabalhando ali naquela noite. Ele sentiu a garganta secar. Mais do que nunca, ele desejou ter um copo em suas mãos. 

A iluminação do local favorecia a fácil localização do bar pelo clientes, mas dificultava a visibilidade de quem estivesse trabalhando nele. Era impossível distinguir os frequentadores até que eles chegassem bem perto do balcão.  

Seis anos desde a última vez em que ele tinha visto aqueles cabelos tão negros quanto os seus. O tempo tinha sido generoso com eles. Se não fossem as músicas que saíam das caixas de som, ele poderia jurar que estava revivendo seu último dia ali. 

Ele não se orgulhava do que tinha acontecido em sua última visita àquele lugar. Palavras desnecessárias foram ditas no calor de um momento que ele reviveu inúmeras vezes ao longo dos últimos anos. 

Desta vez seria diferente. Ele estava mais maduro, mais consciente dos seus sentimentos e dos erros que havia cometido. Ele tinha um objetivo em mente e lutaria por ele, mas sabia que, se não houvesse abertura, era hora de se retirar. Para sempre.

Arrumando sua jaqueta, ele cruzou a pequena distância. As pessoas ao seu redor gritavam seus pedidos para os atendentes. Ele esperou, numa mistura de paciência e ansiedade, até o momento certo de chamar a atenção para si. 

Ele aproveitou para saborear um pouco mais do que via. Os dedos ágeis manuseavam garrafas e copos com uma naturalidade que beirava o desinteresse. Eram anos de prática. 

Entre um pedido e outro, ele podia ouvir também as cantadas sutis e os convites pouco discretos. Um encontro depois do expediente, um guardanapo com um telefone. Um elogio sincero vindo de uma voz embriagada. Todos rejeitados com um olhar sem expressão.

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⏰ Last updated: Jul 01, 2022 ⏰

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