Carta ao vulto que me persegue

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Tu me amaldiçoas, é só o que pode ser, só o que resta. Já sou incapaz de conceber outras possibilidades. Maldito seja, fantasma, vulto inequívoco. Por que me assombras? Peço, imploro: por quê?

És tão cruel, e eu tão fraco. Torno-me incapaz perante a tua fome, que é insaciável, é voraz. Parece que quanto mais busco esquecer-te, distanciar-me de ti, mais tu me assombras. Sinto tuas mãos frias, teus dedos pequeninhos, tuas unhas sempre bem cortadas envoltas em meu pescoço, fechando-se apenas um pouco mais a cada minuto, trazendo a morte, ainda que devagar.

Hoje caiu sobre mim outros desses encontros assustadores com os quais não cesso de embarcar-me. É sempre uma surpresa encontrar-te por aí, vagando por meus convívios. Garanto a você, e te entrego essa verdade sem pudor, sem medo e sem arrogância: eu continuo apaixonado; tanto quanto estive no primeiro dia.

Sinto como se meu espírito não tivesse movido um só músculo. É o mesmo, e segue caminhando junto do coração, que bate por você.

Sei que você não está nada interessada em saber o que aconteceu, mas o destino - a providência - compele-me a contar tudo, sem deixar faltar nem mesmo o mais bobo dos detalhes.

Brincando no Instagram, estive eu descendo a infinita ladeira dos reels, indo, de quinze em quinze segundos, a uma nova aventura da atenção. E tudo progredia bem. Até que, sem poder compreender muito como ali cheguei, estava num perfil daqueles que apelidamos "bookgram", caminhando, sem pressa, por todos os vídeos que estavam lá. Encontrei-me, de repente, apaixonado por aquela que falava; automaticamente encantado por um sorriso engrandecedor.

Mas havia algo errado. Perpassava por mim um curioso sentimento de familiaridade. Então eu soube: era você. Era você que eu via nela, eram seus olhos que eu conhecia nos dela. Era o teu sorriso que se abria naqueles lábios vermelhos. Era o teu encanto que brilhava naquela risada. Só havia uma razão para o meu espanto: as tuas feições estavam estampadas na minha tela, ainda que tu estivesses longe. Lembravam-me constantemente de você; e era realmente grande a semelhança. Assustadora, arrematadora, e agora, é pensar nisso que me assombra. E é assim que escrevo.

Carta ao vulto que me persegueOnde histórias criam vida. Descubra agora