Eu Não Existia Antes de Você

Eu sei que parece, no mínimo, uma extravagância dramática, alguém dizer que não existia antes de uma determinada pessoa, mas, assim como (quase) tudo, se bem contextualizado, pode fazer mais sentido. Além disso, tenho a filosofia a meu favor nesta sentença, já que várias correntes filosóficas falam sobre o fato do ser humano ser um animal social e precisar do outro para se reconhecer como indivíduo.

Claro, a ideia de alguém existir apenas enquanto está com outra pessoa, romanticamente falando, é absurda e equivocada. Por outro lado, existe um porém muito importante e para o qual quero chamar a atenção. O "eu" que existe hoje não existia antes de estar ligado a outra pessoa.

Por exemplo, meu "eu marido" não existia antes de me casar, assim como meu "eu namorado" inexistia enquanto solteiro e livre. Da mesma forma, meu "eu pai" só passou a existir depois da paternidade.

E embora isso pareça óbvio, não chega a ser tão claro assim. Algumas nuances são detalhes que passam despercebidos, por vezes. Eu seria fã de Alanis, cantora que pouco me atraía, se não tivesse me relacionado com uma pessoa que a admirava tanto? E eu teria ainda um entendimento muito menos profundo da história do Guns 'n Roses, não fosse um amigo ser fã da banda. Ou, ainda, obviamente, eu conheceria muito menos do setor de construção e imobiliário americano e canadense não fosse um assunto tão presente nos programas que rondam minha televisão - nunca por iniciativa minha.

Enfim, de forma prática e resumida, é nos relacionamentos com os outros que somos capazes de aprender, evoluir e, por quê não, nos reconhecermos verdadeiramente como seres humanos.

E esse reconhecimento vai muito além de simples questões musicais ou gostos aleatórios. Está ligado a encontrar um sentido diferente no que fazemos por aqui. Em identificar sentidos diferentes na vida e que vão além de nossos objetivos egoístas e mesquinhos. A felicidade pela conquista alheia, a satisfação pela alegria de alguém querido, esse tipo de coisa é capaz de mudar um dia ruim e transformar uma situação efêmera em um acontecimento excepcional, como encontrar um bom amigo para tomar um café e conversar sem pressa, sem tempo, sem correria e sem compromissos urgentes. Apenas compartilhar nossa humanidade, sorrir e enxergar-se refletido nos olhos do outro.

E, claro, o amor que vai além da amizade é ainda mais capaz de criar "borboletas no estômago" e transformar um encontro ocasional em um evento arrebatador. A troca de olhares, os beijos, os afagos, o despir-se de aparências e permitir-se vulnerável e sem máscaras, de verdade, sincera e honestamente.

Encontrar alguém, nessa quase infinidade de seres diferentes e tão distintos, em quem se permita confiar, e se reconhecer nessa experiência humana tão única e divina, é, sem a menor sombra de dúvida, o que nos torna realmente humanos. Mesmo que dure apenas alguns instantes.