Pessoas quebradas magoam pessoas incríveis

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Acho que eu deveria começar isso tudo me apresentando. Oi, eu sou a "vilã" dessa história. Meu nome é Zaya, e estou prestes a contar uma história que aconteceu na véspera de Natal, uma época que depois do que houve nunca mais foi a mesma para mim, nem para Evelyn. Vocês vão a conhecer, mas indo direto ao ponto. Vou lhes contar o ocorrido, afinal, eu sou a culpada de tudo isso.

Evelyn, tudo na verdade começou com ela. Ela e seus cabelos negros que pareciam um mar com aqueles cachos maravilhosos e aqueles olhos castanhos que sempre revistavam as salas quando entrava. Evelyn e seu sorriso, que brilhava como se Apolo em pessoa a tivesse abençoado com aquele brilho. Evelyn não era o sol, ou a lua, era ela um eclipse. Um perfeito eclipse. E ela me encontrou quando eu mais precisava de alguém, de uma companheira, de uma amiga. Mas tudo isso se tornou maior do que nós duas, se tornou algo lindo, que eu "destruí". 
Nos encontramos pela primeira vez em um dia chuvoso, final de Setembro, ainda estávamos no meio do 3° bimestre escolar. Estava em uma pracinha próxima da minha casa quando a vi passando com alguns papéis no braço e segurando um guarda chuva verde musgo. Quando ela me olhou eu desviei o olhar, não gosto de admitir, mas eu tenho uma mania de encarar pessoas. Mas com ela, parecia mais um hábito se transformando em  vício do que uma mania inofensiva. Evelyn se aproximou e perguntou:
-O que está fazendo sozinha na praça?
-Lendo.-aponto para meu livro que estava na mesa junto com a minha mochila desgastada.
-Ah! A chuva te pegou de surpresa?-ela pergunta me olhando tentando encontrar meu olhar.
-Uhum.-olho para os sapatos dela.
Desde sempre ela foi bem descolada, mas usar um All Star no 7° ano, ela era a mais popular por ter esse estilo, por mais que ela não fosse especial por isso. Eles estavam molhados, o que deixava o amarelo com um tom mais morto, e a barra do jeans estava suja de terra.
-Quer uma ajuda? Eu te levo pra casa se quiser.
-Não precisa...-mas quando vejo ela está guardando meu livro na minha mochila.
-Precisa sim, eu não me incomodo, vamos!-ela me entrega a bolsa.
-Ok...-pego a minha mochila e me levanto.
Ela estava, como sempre, linda. Por mais que seus jeans estivessem sujos, seu all star estivesse molhado, e que sua blusa colorida não combinasse nada com o look, ela estava linda e confiante. 
Nós caminhamos até a minha casa, conversamos um pouco sobre a próxima semana de provas até que chegamos na minha casa. 
-Bem, aqui estamos. Entregue, sem nenhum arranhão.-ela sorri para mim.
-Não precisava se incomodar.
-Tudo bem, eu também moro aqui perto.-ela diz dando de ombros.
Ficamos em silêncio um tempo. E novamente, eu a observo. Seus cabelos estavam secos, os cachos bem definidos  atrás da orelha dela me deixavam com vontade de ver como ela os definia. Falo sério, aquele cabelo é insano de tão bonito. 
-Não vai entrar?
-Ah! Vou, desculpa é só que...-fico nervosa, não achei que ela fosse perceber que a encarava.
-Quer ser minha amiga?-ela pergunta de repente.
-Huh?-a encaro e percebo que ela está tremendo um pouco-Hum, claro.-ver ela nervosa me deixa nervosa. 
Evelyn é a garota que faz apresentações em público sem tremer, sem gaguejar, sem se confundir. Como ela pode estar nervosa sobre algo? E por que estaria nervosa?
-Ótimo!-ela diz parecendo segurar o ânimo-Hum, te vejo amanhã?
-Óbvio.-digo e seguro o meu sorriso.
-Ok, tchau, Zay.-ela sai correndo para a esquina e logo vira a mesma, provavelmente indo para casa.
Passo pela porta da minha casa e me desabo no chão. Minhas pernas tremendo. Eu tinha finalmente conversado com ela. Finalmente eu conversei com ela. Finalmente eu não sou só uma pessoa que ela conhecia.
Suspirei naquele momento amando cada segundo daquilo. Me lembrando  da voz dela, de cada detalhe daquela cena. Até que:
-ZAYA RIBEIRO!-ouço a voz da minha mãe vinda da cozinha-ONDE VOCÊ ESTAVA!-ela pergunta se aproximando de mim.
Me levanto na hora e olho para o chão.
-Eu estava... eu... eu tava na praça mãe, só fui ler, mas ai começou a chover e...
Antes de eu completar a frase ela segura o meu pulso. Muito forte.
-Já te disse para não sair de casa sem me avisar!-ela me encara apertando mais meu pulso.
-Eu sei mãe...
-Então por que me desobedeceu? Depois se pergunta porquê nunca te peço para fazer as coisas!-ela me solta me jogando para o chão-Talvez realmente sua irmã esteja certa, você não deveria ficar sozinha em casa mais.
Depois que ela volta para a cozinha eu me levanto e subo as escadas, indo direto para o quarto ao lado do banheiro: O quarto da minha querida irmã Lissa.
Abro a porta e na mesma hora ela larga o celular.
-Olha quem chegou.
-O que você disse pra mãe?-pergunto irritada.
-O que é verdade, que você não presta pra ficar em casa sozinha. Não tem responsabilidade como eu tenho!
-Não é verdade.-digo por mais que eu não ache isso verdade.
-Oh, é mesmo? Você levou a Mimi para vacinar?
-Não, mas ninguém me disse para onde levar ela, não tem veterinário aqui perto, como eu...
-Isso não é desculpa!-ela me interrompe-E você por acaso está com boas notas?
-Não, mas...-me afasto um pouco indo para a porta.
-E você tem as chaves da casa como eu tenho?-ela pergunta se aproximando.
-Não...-olho para o chão novamente.
-Viu? Como sempre eu sou melhor do que você.-ela fecha a porta na minha cara.
Suspiro e fecho os olhos, até que sinto algo fofinho na minha perna.
-Oi Mimi!-me abaixo e faço carinho na cabeça dela.
Mimi era a nossa cadela. Achei ela na rua, toda suja e com uma patinha inchada por um machucado antigo. Graças aos veterinários que a levamos, ela estava bem melhor e limpinha. Então seu pelo era branquinho como a neve, e ela é uma linda cachorrinha idosa.
Depois de um tempo no corredor vou para o meu quarto e me deito na cama, ainda me lembrando dela. Evelyn.
Por mais que meu dia tenha sido ruim, estava feliz por ela ter avançado sobre nós. Aquele dia foi o início de tudo.

Vindo para mais longe. Estávamos em 2012, vamos agora para 2016. Quatro anos no futuro do meu passado. Sim fiou confuso, mas espero que tenham entendido.
No 2° ano do ensino médio, eu já tinha feito umas 10 tentativas de esquecer Evelyn. Namorei umas três garotas, com nenhuma deu certo (também por minha culpa). E fiquei com várias outras. Enquanto Evelyn estava namorando Thomas, um cara aleatório que atentava a professora de educação físicas para o pessoal ir jogar basquete. Porra, ele tem o que? Síndrome de americano? Acorda, tamo no Brasil, cala a boca e joga futebol. Caso não tenham percebido, eu odiava o cara.
Até que, em uma sexta feira de Outubro. Eu estava em cima do palco que ficava no meio da escola, e ela se aproxima. 
-Oi, Zay.-cacete como eu amava esse apelido-Como você tá?
-Ótima, e você? Fiquei sabendo que vai sair com o Tom hoje.
-É, ele me chamou para ver "Doutor Estranho".-ela comenta olhando para o outro lado. 
O que faz com que alguns cachos dela caírem para frente de seu rosto.
- Sei, dizem que é bom, mas Marvel nunca é ruim não é mesmo?
-Sim.-ela dá uma risada-Mas, você não que ir com a gente? Você que gosta de musicais e tal...
-Ah,-admito que fiquei meio nervosa-mas eu vou ficar de vela.
-Leva alguma peguete sua, ou não, não precisa ir, mas eu queria que você fosse.
Eu não perguntei o motivo na hora, eu só aceitei. 
Queria fazer a garota que eu gostava sorrir, não é errado isso é?
Naquela noite eu marque com uma ex minha de ir comigo, ela e eu tínhamos uma ótima relação, então achei que daria certo ela ir. O nome dela era Nery, uma garota negra bem bem bem gata. Ela é uma mistura de Valquiria com a Shuri. Maravilhosa em todos os sentidos, eu e ela mantemos uma amizade até hoje. Ela é uma daquelas garotas gamers e faz streams também, hoje em dia ela é bem famosa. Mas antes ela estava começando na Twitch.
Lá no cinema, eu estava esperando alguém chegar, até que a vejo:
-Zay!-Evelyn me chama e automaticamente olho para ela.
Evelyn estava deslumbrante com seu jeans e sapatilhas. Tudo isso com uma blusa rosa bebê com a estampa dos ursinhos carinhosos. Seus cachos como sempre estavam em destaque e bem definidos. Ela sempre que quisesse poderia ser o centro das atenções. Seus pulsos estavam escondidos atrás de pulseiras, e em seu pescoço estava o cordão de coração que ganhará da mãe nos seus quinze anos.
-Oi, Eve.-a cumprimento olhando para seus olhos-Cadê o...
Antes de eu completar a frase um garoto de cabelo platinado a abraça por trás e eu reviro os olhos.
-Oi, docinho!-ele beija o pescoço dela.
-Tom!-ela se afasta dele-Estamos em público.
-Eu percebi.-ele me encara-Como vai sapatop!
-Tom!-ela chama a atenção dele.
Sim, todo mundo sabe que eu sou lésbica. Não que eu faça muito esforço para esconder já que depois que eu me mudei para a casa do meu pai, eu sou muito bem aceita.
-Relaxa, Eve. E boa noite, justin biber junior.-o olho de cima a baixo-Hum! Eu convidei a Nery, algum problema?
-Nenhum!-Evelyn responde parecendo sem graça-Eu e o Tom vamos comprar os ingressos.-ela diz o puxando para dentro do cinema.
Fico lá fora esperando  a Nery.
Eu sabia que tinha ido para ser a vela da situação, mas não sem ao menos uma pessoa pra me fazer companhia. E alguns segundos depois ela chega.
Nery estava com o cabelo inteiramente trançado e com um jeans rasgado e uma bota como se ela estivesse pronta para matar qualquer um com aqueles sapatos. Uma jaqueta por cima de uma blusa roxo vibrante e voi lá, uma feminista contra racismo bissexual em carne e osso. Quando ela me avista eu aceno sorrindo para ela, que se aproxima.
-Nem esconde que é sapata né Zayzay!-ela me dá um soquinho no braço-Como vai você?
-Bem, só indo ser vela, com a sua companhia.-sorrio para ela.
-Zaya...
-Te pago um McDonalds, não me deixa aqui.-peço olhando em seus olhos.
-Ok.-ela suspira e revira os olhos-De quem você vai ser vela?
-ZAY!-Evelyn me grita e eu olho para trás.
-Dela? Sério?-Nery sussurra.
-Me ajuda nessa.-sussurro de volta enquanto Evelyn se aproxima.
-Ei, Nery!-Evelyn a cumprimenta.
-Oi, Evelyn.-ela cumprimenta de volta.
-Enfim, Zay, já compramos os ingressos, vamos entrar? 
-Claro.-digo indo logo atrás dela e Nery vem junto.

No meio do filme, eu estava focada no enredo e em ver como a Rachel McAdams estava incrível no papel, sem contar de como o Benedict não é bom só como Sherlock. Até que Nery me cutuca.
-Certeza que tá bem?-ela me pergunta baixinho.
-Por que não estaria?-pergunto no mesmo tom.
-Você tá sendo vela da menina que você é apaixonada desde o sétimo ano.-ela me explica como se eu não soubesse.
-E?
-E você tinha que tomar iniciativa, ou esquecer dela.
Me calo. Ela tem razão. Eu não deveria ficar parada se a desejo tanto. Mas e se ela não sentir o mesmo? Se me achar menos? Eu sou sim menos, mas ainda assim. Tenho tanto medo de começar algo. Medo de decepcionar e de ela não amar. E ela tá comprometida, isso é errado, não posso fazer isso.

Depois do filme eu e Nery saímos primeiro, e esperamos eles na porta da sala.
-O que vai fazer?-ela me pergunta.
-Não sei...
Alguns segundos de silêncio, até que as portas se abrem com brutalidade.
-Aquela puta.-ele murmura.
-O quê?-pergunto apertando o punho.
-Zaya...
-Aquela puta! Ela terminou comigo! Do nada!-ele me encara puto.
-Tom, do nada é muito forte.-Nery cruza os braços enquanto eu tento não quebrar a cara dele.
-Verdade, acho que ela quer a sapatop ai.-ele me encara-Vocês tão ficando a quanto tempo?
Nisso eu não aguento e bato nele. Quando Thomas cai no chão eu fico em cima dele e continuo batendo nele. 
-ZAYA!-Nery me puxa pra  longe  dele-Se eu fosse você vazava, parceiro.
-VOCÊ É LOUCA SAPATOP!-ele diz saindo do cinema.
Algumas pessoas estão nos encarando mas eu não me importo.
Meu cabelo ruivo está todo bagunçado, e minha jaqueta amaçada. Mas eu só me importo de entrar naquela sala de novo e ver onde ela está.
-Tenho que ver a Evelyn.-me solto das mãos de Nery e entro na sala de cinema.
-Zaya!-ela me chama mas não vem atrás de mim.
A sala de cinema. É uma sala de cinema. Tem cheiro de pipoca e é muito grande, mas assim que entro meus olhos avistam ela.
-Evelyn...-me aproximo dela.
Ela está no mesmo lugar encolhida olhando para o lado.
-Zay, oi.-ela me olha.
-Você tá bem?
-Indo, mas eu queria falar com você.
Ela segura a minha mão, mas eu não tremo.
-Diga...
-Eu, terminei com o Tom.
-Fiquei sabendo.
-Mas isso não é o principal.-ela olha em meus olhos-Zay, eu... eu escondi isso por um tempo, mas eu acho que sou bi.
Meu coração começa a bater mais forte.
-Você acha? Por quê?
-Porque... eu gosto de você.
-De mim?
-De você.-ela dá uma risada fraca-E eu queria... queria que você e eu ficássemos juntas.
-ah... Eve, eu...-ela segura o meu rosto.
-A gente se conhece a um bom tempo, e eu queria tentar. Se você quiser também, não quero que pense que é forçada a fazer isso, mas...
Eu seguro a mão dela que está em meu rosto.
-Eu quero... Evelyn, se você soubesse a quanto tempo eu quero fazer a gente acontecer.
-Então, você quer ser minha namorada?
Meu coração quer sair pela minha boca.
Eu não mereço isso,  não mereço ela, mas aceito.
Me aproximo mais de seu rosto e a beijo.

A partir daquele momento nos tornamos inseparáveis. Nos formamos juntas, sempre saíamos juntas. Tivemos umas sete alianças de namoro, nós éramos inseparáveis. Fomos fazer faculdade juntas em São Paulo. Até que chegou a pandemia. E com aquele bosta no poder, tudo o que estava ruim piorava.
Em 2021, para ser mais específica, foi o início da tragédia.
Tudo estava melhorando no início. Vacinas, estávamos podendo sair. Nossos amigos já estavam até marcando para irmos a um rodízio de sushi. Mas ela desde o início estava estranha, e eu tinha que ter cortado desde quando vi os sinais iniciais.
No início, ela só parecia estar numa ligação muito longa com a mãe. Dona Aline é uma boa mãe, quando Evelyn saiu do armário ela aceitou de boa, foi a mãe que comprou a bandeira bissexual pra filha depois de uns meses. Ela me adora também, então não tenho muito o que reclamar dela, nem a Evelyn pelo que eu sei. Mas ela ter ficado uma hora e meia em ligação com a mãe foi suspeito.
-Ei,-me aproximo dela que estava deitada no sofá-ela tava brigando com você?
-Ahn? Não, não, é só que... tava contando do meu emprego novo.-eu não sabia na época, mas era mentira.
-Conto que ê Alison te ajudo?
-Minha mãe é evoluída, mas não o bastante pra entender o que é não binário.-ela ri e me dá um selinho.
O bastante para eu esquecer do assunto inicial.
-Hum, a gente vai sair com o pessoal na quinta?-ela pergunta ainda próxima do meu rosto.
-Óbvio que sim, tudo o que você quiser.-respondo e dou um beijo em seu pescoço enquanto ela ri.

Depois daquele dia, eu ainda suspeitava de algo, mas não perguntei. Achei que podia soar mal então eu só fingi que nada ocorreu. "Fiz a egípcia" como diz o Fred.
Naquela noite, a ideia de irmos a um rodízio de sushi foi para "vamos na nova boate gay que abriu". E eu aceitei, não nego uma chance de enfiar a cara no gim sem motivo.
Todos os que nos acompanharam são amigos mútuos, entre eles: ê Allison (não binário e gay), a Duda (pan e tá com a Nery agora), o Fred (bi golden retriever que vocês meninas amam) e Nery (bi também como vocês sabem e namora a Duda). Apenas um desses ficou do meu lado no final.
Eu estava vestida pronta para a boate. Coturno no pé, jeans, um top como se eu fosse uma das panteras. Tudo perfeito, até meu cabelo ruivo caiu bem naquela noite. 
Estava na porta do nosso apartamento escrevendo no celular. Depois de estudar cinema comecei a preparar um roteiro, e a procurar produtoras.
-Eve, já tá pronta?-pergunto guardando o rascunho do roteiro no celular.
Me viro para a porta do quarto e a vejo sair com um all star preto e jeans boca de sino. Sem comentar aquele top amarelo incrível. Ela estava com os nossos anéis de namoro na mão, e umas pulseiras que ela ganhou na outra.
-O que achou?
-Vai encontrar alguém na boate?-dou uma risada enquanto ela se aproxima.
-Não, você já vai comigo.-ela observa meus lábios e eu abraço sua cintura.
-Então vamos?
-Uhum.-ela beija minha bochecha.
Descemos e pegamos o uber juntas.
Depois de chegarmos, encontramos Fred e Allison juntos na porta.
-Oi pessoas!-Evelyn os cumprimenta.
-Evelyn!-Fred a abraça.
-Oiê!-Allison me cumprimenta.
-Heyo, Al, como você tá?-me aproximo delu que aceita o meu "toca aqui".
-Heya, como tá Zaya? Eu vou bem, valeu perguntar.
Elu tem uma vibe meio Sans. Sim, esse mesmo de Undertale. Mas muito mais estiloso, como um Fresh misturado com Geno, Allison sempre foi elegante. 
-Bem, acha que essa boate gay vai ser legal?
-Elu tava doido pra vazar, eu que segurei a pessoa ai.-Fred diz se aproximando de nós dois.
Evelyn está do meu lado sorrindo. Ela sempre sorri, mas eu devia ter percebido que não era feliz por ver seus amigos e eu nos dando bem.
-Calado, golden.-Allison diz se afastando de Fred-Bora?
-Uhum!-Eve diz enquanto me puxa para a entrada.
-Ei me esperem!-Fred grita atrás de nós.
Quando entramos parecia uma boate normal. Se você retirasse as coisas gays. Como pôsteres retros de filmes como "Me chame pelo seu nome", "Azul é a cor mais quente", "Luisa e Marcela", "Com amor, Simon", "A garota dinamarquesa", "Hoje eu quero voltar sozinho", "O segredo de Brokeback Mountain" e vários outros. Ah, você ia ter que tirar também o cardápio do bar com drinques baseados em sexualidades e personagens ou pessoas históricas LGBTQIPA+, e tirar também a bandeira do orgulho do palco, onde uma banda chamada "Vicky e as caminhoneiras" tocavam um cover de "Meninos e Meninas" do Jão.
-MINHA MÚSICA!_Fred grita e puxa Allison para a pista-Anda Al!
-NÃO ME PUXA ASSIM, GOLDEN!-elu grita mas vai mesmo assim.
Evelyn está rindo da situação enquanto eu estou olhando para ela.
As luzes do palco deixam tudo aqui mais bonito e romântico. Parecia proposital, por mais que fizesse obviamente parte do show.
-O que?-ela me pergunta jogando o cabelo pro lado.
-Nada.-dou uma risada fraca-Quer dançar? Ou vamos procurar a Nery e a Duda?
-Vamos procurar, já perdemos dois membros, não vamos perder mais gente né?-ela segura minha mão e me puxa pela boate.
Na época ela estava com o cabelo cortado, nos ombros, mas os cachos fizeram parecer um pouco menos, mas ela estava linda, como sempre esteve e foi. E eu entrei na brincadeira, meu cabelo estava a baixo do ombro.
Quando achamos Nery e Duda, ambas estavam bebendo. Uma bebida rosa com um guarda chuvinha vermelho e um canudinho com a bandeira lésbica estampada.
-Ei meninas!-Eve grita as duas.
-Oi pombinhas.-Nery cumprimenta a gente.
-Eve! Zay!-Duda acena.
-Qual o nome da bebida?
-Girl in red.-Nery responde bebendo um gole do drink-Limão, gim, licor de cereja, e esses enfeites. 
-Azedo...-reclamo me sentando em um banquinho perto delas.
-Como as músicas dela.-Duda diz dando uma risada e virando a bebida-Argh!
-Não bebe rápido!-Nery chama a atenção dela.
-Tá bom, mãe.-Duda diz revirando os olhos.
-Melhor ouvir ela, em.-Evelyn diz-Ela é mais pé de cana do que a gente.
-Não sou pé de cana.-Nery diz ainda tomando o drink.
-Ok ok-Evelyn diz e levanta as mãos pro alto.
E é minha vez de rir.
-Onde tá o resto do pessoal?-Duda pergunta.
-Fred puxou Al pra dançar.-Resumo e pego o cardápio para ver o que tem de bom. 
E quase tenho um ataque ao ver que o cardápio tem a estética de "Heartstopper". As folinhas ao redor e as cores pastéis ficaram incríveis. Mas a vibe de "Heartstopper " não combina com bebidas. Enfim, boa tentativa bar.
-Esses dois...-Nery revira os olhos.
-Eu sei.
-Hum, Duda, elas tão aceitando pedidos?-Evelyn pergunta.
-Acho que sim.
-Já volto, então!-ela diz indo até o palco.
-O que vai pedir?-Duda pergunta se aproximando de Nery.
-Não sei ainda, talvez um Ruby Rose.-dou de ombros.
-Parece gostoso, assim como a real cof cof-Nery brinca e recebe um soquinho no ombro como resposta de Duda.
-Vaca!-Duda diz meio irritada.
-Sua vaca.-Nery responde acariciando o queixo da namorada.
-Ew, eu não to com a minha aqui, paro.-brinco e nós três rimos.
Nisso, Evelyn volta e começo a ouvir "Caminhada" de Clarissa.
A música que eu e Evelyn escolhemos como nossa música. 
-Eve...-olho para ela contendo um sorriso.
-Me concede essa dança?
-Óbvio.-pego a mão dela e a puxo para a pista de dança.
Quando chegamos, ela coloca suas mãos ao redor do meu pescoço, e coloco as minhas na cintura dela. Ela coloca sua cabeça em meu ombro e eu suspiro. Estou feliz, e calma. E sei que não mereço isso, mas aproveito o momento.
-Zay...
Eu já disse que amava quando ela me chamava assim? Essa voz dengosa, e ela já é fofa, então eu surtava.
-Oi, denguinho.
-Eu queria te perguntar uma coisa.
-Sobre?-passo minha mão em meu pescoço e pego uma de suas mãos, como se fossemos dançar uma valsa.
-Nosso futuro.
-Se for sobre o novo apartamento, eu achei um incrível, perto do seu trabalho e...-eu fiquei meio nervosa, mas tentei continuar falando.
-Não é isso.-ela dá uma risada e me corta.
-É sobre eu estar sem trabalho? Olha eu arrumo uns bicos, mas...-mais nervosismo.
Eu sei que não é bom ficar sem trabalho, mas não quero ficar num lugar que eu odeio, principalmente porquê meu roteiro tá bom. Eu acho.
-Não, não é sobre nada disso, Zaya.-ela olha no fundo dos meus olhos.
Eu estava tremendo. 
-Então...-solto a mão dela-É sobre?
-Hum...-ela parece nervosa.
Eu sei que soltar a mão dela não foi o ideal, mas... Argh! Parabéns Zaya, você começou a fazer tudo dar errado.
-Eu vou no banheiro.
Corro para o que eu achava que era o banheiro. Para descobrir que além de uma boate, esse lugar tem quartinhos de pegação. Sai na mesma hora e só fui pro lado de fora respirar.
Naquela noite eu não perguntei o que era, e ela pareceu entender que eu estava nervosa, já que não insistiu nisso também. Mas depois do que houve, preferia ela ter insistido, melhor do que... tudo aquilo.

Naquele dia, naquele dia 12 de Novembro. Sábado. Na verdade, não faz tanto tempo. Talvez por isso doa tanto.
Eu estava em casa, escrevendo mais do meu roteiro. Tinha umas 19 mil palavras eu acho. A história não estava arrastada até então, e estava encaminhada para um final realista e feliz o suficiente. Estava perfeito. Como eu achei que seria meu final de ano.
Nos meus fones de ouvido, tocava o bom e velho Kamaitachi e em seguida viria uma música do Jão e logo viria Conan Gray. Passavam a vibe da minha história, então aumentava mais minha produtividade. O título também era interessante "O Lado Complicado de Amar seu inimigo". 
Tudo calmo e feliz, até que meu celular toca. Eu tinha uma música especial para ela, no caso a nossa música.
-Oi amor!-pauso a música e saio da frente do Notebook.
-Oi! Ei, pode me buscar no metrô?-ela pergunta parecendo ansiosa.
-Hum...-vejo as horas pelo relógio da parede do nosso quarto-Claro.
Eram umas 20:36, então ainda dava para andar de carro sem problema.
-Beleza, to te esperando.-ela desliga.
-Tchau...-guardo meu celular e pego as chaves do carro.
E sim, eu cheguei a me perguntar: por que ela não usou o Chevy antigo do pai ao invés de ir ao metrô?
Mas lembrei que ela só usa ele para emergências. Talvez aquilo fosse uma, mas pelo visto ela queria que eu usasse o carro.
E o carro é especial não só para ela, mas para mim também. Foi a primeira vez que ela e eu andamos de carro junto, Evelyn abriu a porta para mim naquele dia. E comemos pizza no caminho para São Paulo. Foi um sonho para nós duas, principalmente para mim.
Chegando no metrô eu entrei na estação a procura dela. Até que um trem para e a vejo lá dentro, ao me aproximar ela me puxa para dentro e as portas se fecham.
-EVE!-grito assustada e olho ao redor.
Não tinha ninguém no metrô.
-Se acalma, eu reservei o trem pra gente! Não é você que reclama que o metrô vive cheio? 
-Pera, reservou? Pra que?-fico confusa e me afasto um pouco dela.
-Lembra da boate? Eu queria te falar uma coisa lá...-ela tira uma caixinha pequena do bolso.
-E o que seria?-sinto o trem andar em círculos.
Parece que ele está rápido, um pouco mais do que o normal, mas logo deve ter uma saída para a próxima estação se meus cálculos de alguém que viveu no metrô na época da faculdade estiverem certos.
Ela estava com uma blusa branca, jeans normais e um tênis que ela nunca usa. Um nike branco, que eu iria roubar para caminhar, mas ela sempre mudava o esconderijo dele. "Vou usar só em momentos especiais", e aquilo foi especial. Mas também foi um desastre.
-Tá frio aqui...-murmuro sentindo um vento esquisito.
-Aqui...-ela tira a blusa xadrez dela e me entrega.
A blusa de flanela dela sempre foi um dos meus itens favoritos para roubar de vez em quando.
-Valeu.-observo ela.
Evelyn se senta em um dos bancos do metrô e faz sinal para eu me aproximar. Me sento ao lado dela, e ela começa seu discurso com uma pergunta.
-Lembra de quando você escolheu seu dormitório?-Evelyn pergunta dando risada.
-Ah! Lembro, eles me contaram que todo o prédio tinha sido um hospício e meu quarto tinha sido a solitária!-começo a dar risada-Ai eu disse "então foi feito pra mim! Trás as caixas Eve!"-rio mais ainda.
Como eles falam? Piadas tem um fundo de verdade ás vezes. Bem, essa era 100% real.
Ela ri e nossas mãos se encontram. 
De novo eu estava com suspeitas, mas guardei para mim. Ela não poderia me pedir em casamento lá e agora certo? Poxa, seria romântico já que nós duas brincamos que "A Última Parada" da Casey McQuinston era o nosso livro, mas, sei lá, ela não pode ser tão previsível né?
Evelyn aperta minha mão e eu a encaro.
-Você sempre foi uma pessoa incrível para mim. Com todos os seus defeitos, com toda sua teimosia, com toda sua ansiedade.-ela passa a mão no meu cabelo, colocando uma mecha atrás da minha orelha-Você é perfeita para mim, Zaya. Eu amo você.
-Eu também, Evelyn.-digo e começo a tremer.
-E a pergunta que eu queria te fazer,-ela se levanta-pode afetar o nosso futuro juntas, pode melhorar nossas vidas.
-O que quer dizer?-pergunto vendo ela se levantar e ficar na minha frente.
Não, Evelyn, não. Não faz isso.
-Zaya, namoramos a muito tempo, te conheço melhor do que ninguém, e posso garantir que você vai ser feliz comigo...
Ela reservou o trem por um motivo. Pra depois disso, ela e eu termos nosso momento como no nosso livro, para podermos ter certeza de aquilo é real, sem mais ninguém ver. Só eu e ela. Mas no final, ela ficará sentada no banco com a dor da minha resposta. Observando multidões em silêncio e movimentadas pela estação. Ela não vai ter certeza do que é pior, isso ou minha reação.
-Mas, eu já sou feliz com você.
-Podemos deixar isso melhor, você só tem que responder pra mim uma pergunta.-ela se ajoelha.
-Qual, perguntta?
-Zaya, você daria a honra de ser a minha companheira pelo resto da vida?-ela estende a aliança da mãe dela.
O coração dela, ela me avisou antes de começarmos a morarmos juntas, era feito de viro. E eu juro, em todos esses anos de namoro tomei cuidado para não deixar cair, mas... Minhas opções, são minhas opções. Escolhas tem consequências e como consequência, eu deixei seu coração de vidro cair Evelyn.
-Não...
O trem para. E eu corro para saída. Deixando apenas a chave do carro dela no banco.
Você tinha um discurso, Evelyn, agora você está sem palavras. Por minha culpa. O amor escorregou além de seu alcance, e eu não poderia dar uma razão que você aceitasse. Ainda me lembro de sua expressão de pavor e dúvida. "Acabou? Justo agora?", você deveria estar se perguntando. E sim, acabou, dessa forma, porque isso foi demais para nós, não é?

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