Como ervas daninhas

CAPÍTULO 01

JACK 

 O dia estava agradável, então resolvemos sair pra um passeio na chácara de Lauro, um primo do papai. Almoçamos com todos sentados em uma imensa mesa de madeira, e comemos um pudim de pão na sobremesa. Inquieta como sempre foi Janice, minha irmãzinha de 7 anos correu atrás das galinhas e nossa cadela Sissi, uma vira lata de uns 5 anos latia animada pela liberdade que raramente podemos aproveitar. Papai e mamãe conversavam com o dono da casa, e ouvi ele reclamando de estar ficando velho e solteiro, e que continuaria assim, pois já não conseguia aproveitar os agitos da cidade e preferia ficar na chácara da mãe, que havia falecido alguns anos atrás. 

 Tudo isso eu ouvia enquanto estava quase cochilando na sala, ajuntando a letargia de barriga cheia, o calor de novembro e os barulhos característicos de fazenda. Quando ouvi meu pai me chamando pra ir pra casa, percebi que caí no sono pesado, ao ponto de babar no sofá. Sorrimos do meu constrangimento, nos despedimos e voltamos pra casa a tempo de nos arrumar pra missa. No caminho, berramos algumas músicas antigas, as preferidas dos meus pais, e como eles costumavam cantar elas em altura máxima sempre que surgia oportunidade, todos acabamos aprendendo. Mesmo Janice com seus 7 anos já sabia as letras até mesmo as em inglês. 

 O carro tinha o cheiro do cigarro da mamãe, um cheiro que me acalmava, e o balanço causado pela estrada esburacada fez Jane adormecer no meu ombro. Papai pediu pra mamãe assumir o volante pra ele descansar um pouco, e por isso paramos no acostamento. Começou a chuviscar, e o cheiro de terra molhada me fez coçar o nariz. Mamãe me disse que podia dormir um pouco, pois ainda faltava uns quarenta minutos até chegarmos em casa, mas eu recusei por já ter dormido durante a tarde. 

 Me lembro de todas essas coisas com uma assustadora riqueza de detalhes, porque foi a ultima vez que eu estive com eles. Depois disso, vi apenas um clarão, e em alguns lampejos de consciência, me lembro de muito barulho, luzes piscando e algumas pessoas desfocadas falando muito alto. Quando acordei novamente, estava em um lugar muito claro e com um cheiro forte de material de limpeza. Ao tentar me mover, percebi tubos nos meus braços, e fiquei tonto com algumas memórias indesejáveis. Tentei me levantar, mas perdi o equilíbrio ao ver que minha perna esquerda existia apenas até o joelho, mas a parte de baixo não estava onde deveria estar. 

 Uma imagem assustadora voltou com força na minha mente, me fazendo gemer alto: Uma explosão no lugar onde devia estar o carro, com a minha família dentro, e os bombeiros gritando algo sobre paramédicos e alguns outros termos que eu não entendi. Meu gemido chamou a atenção de uma enfermeira que passava por ali, e ela veio até minha cama com um olhar doce, característico de quem costuma lidar com crianças. 

 A enfermeira chamou uma médica e conversamos sobre a amputação em termos leigos, e ela me explicou que foi a única saída pra me tirar do carro a tempo. Perguntei notícias da minha família, e seu semblante assumiu um tom nublado enquanto me explicava que quando o socorro chegou, eu era o único sobrevivente, os demais morreram com o impacto, e que sentia muito pela minha perda. A partir desse momento, tudo se passou em um borrão. Não consegui raciocinar direito enquanto me ajudaram a me banhar, me vestir, e um enfermeiro me levou até o lugar onde estava acontecendo o velório. Todos acharam um milagre eu ter acordado a tempo de me despedir, e mesmo que com o caixão fechado eu sabia exatamente onde eles estavam. Fiquei sentado por horas, até que me levaram de volta ao hospital, pois alguém percebeu que eu estava com febre. 

 Quando eu acordei de novo, alguém havia colocado uma pequena árvore de natal no canto perto da cama e alguns pisca piscas pelo quarto. Lauro chegou pouco depois, com uma face cansada e um copo de café. Quando me viu acordado, me deu um sorriso exausto e me abraçou suavemente, enquanto as lágrimas começaram a cair, e eu não sabia mais quais eram as minhas ou as dele. Ficamos assim por um tempo, até que ele puxou assunto: