Plano A Plano B

1. Esses não são os meus peitos!

Às vezes a gente sonha umas paradas esquisitas.

E quando acorda, com o corpo cansado, sente que aquilo era quase real. Essa noite, sonhei que eu estava... Crescendo? Encolhendo? Não sei dizer ao certo. Mas sabia que tinha alguma coisa estranha quando sai da cama, botei o pé no chão e peguei nos meus peitos e...

Eles estavam duros. Durinhos.

Porque aqueles peitos não eram meus. Os meus peitos não são duros assim. Na verdade, eles são bem caídos.

Aqueles peitos eram da vaca da Jéssica Audrey.

A alta, de seios e quadril perfeitos, cabelo preto longo impecável, rosto invejável, lábios carnudos, olhos amendoados e uma odiosa franjinha que vendia a fachada de garota santinha e tranquila, Jéssica Audrey.

Por um minuto ou quase dois fiquei parada tentando entender o que tava rolando até que me virei pra estante e vi, no espelho, a coisa mais assustadora que eu poderia ao acordar: A cara de sono de Jéssica, a garota mais bonita, mais popular e mais desejada de toda Next Level High School.

Sabe, quando você não é nada dessas coisas (bonita, desejada) e de repente... Nossa. Se todo mundo soubesse era óbvio que eu não estaria contando... Mas, naquele momento, eu olhei praquela odiosa estante rosa cheio de cremes e maquiagem  e vi a última pessoa da face da terra que eu imaginaria... E por mais que seja triste admitir, diferente de mim mesma, ela era sim, bonita. Não só bonita.

Bonita e gostosa.

E, sabe, não adianta 

Não adianta as pessoas dizerem que o que importa é a beleza interior e todas as baboseiras que você cresce ouvindo quando você sabe que está fadada a ser sempre o último lugar. Quando você sabe que o garoto mais bonito não vai te chamar pro baile.

Ou quando você se olha no espelho, vê quem você é de verdade e não consegue pensar em outra coisa como "se eu mesma não gosto dessa porcaria, quem é que vai gostar???"

E não ajuda nada ter pais narcisistas. Que te põem pra baixo quando podem porque são tão lindos e perfeitos, como se fosse um crime você ter saído deles e não ter nada deles, diferente do seu irmão, bonito e perfeito...

Essas coisas me cansaram durante toda minha vida mas com o tempo, você se acostuma com o lugar de bosta que tem no mundo, e que está sempre fadada a perder...

O que é péssimo, estranho e inesperado quando de repente você simplesmente só começa...

A ganhar. 

Mas onde é que eu tava?

Ah, sim. O quarto da Jéssica.

Meu Deus, como tudo é rosa por aqui.

Olhei aí redor e fiquei impressionada como somos tão diferentes. Os enfeites, o abajur, os adesivos nas paredes, toda a decoração de menina rica enjoada me fez ter ânsia de vômito, bem diferente da caverna que eu chamo de quarto onde eu me escondo, fria, solitária e trevosa.

Então, me dei conta de uma coisa: óbvio que era um sonho e óbvio que eu ainda estava dormindo. Esfreguei os olhos e dei uns tapinhas no meu rosto macio ou melhor, no rosto da Jéssica:

- Acorda garota, acorda, acorda!

Mas tudo o que eu ouvi foi alguém batendo na porta.

(Continua)