Prólogo

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Porto Alegre

Era final do verão, o céu estava cinzento, mas o ar quente, cerca de trinta e poucos graus, e o mundo decaía em pingos refrescantes. Em frente ao parque farroupilha, uma lotação parou, saindo dela uma garota ruiva. Rafaela.

Pelo entusiasmo do momento, não percebera que quando foi pular do ônibus, logo sob tinha uma poça d'água na qual encharcou seus coturnos, entrando para dentro do sapato e molhando seus pés e meias.

— Merda!

Exclamou, mas sem muito tempo de fazer alguma coisa já que tentava abrir seu guarda chuva para se proteger do fim do mundo. Quando notou que não ia abrir tão facilmente, correu até uma floricultura que tinha logo à frente.

Protegida, encontrou um lugar pra sentar, tirou os sapatos e torceu as meias.

"Respira fundo, 1 2 3. Tudo vai ficar bem".

Forçou um sorriso, ajeitou os cabelos e comprou uma flor para a garota que ansiava ver.

Correu mais um pouco e parou em frente ao "Café Prosa". Uma cafeteria que existia desde os anos 50 e fora reinventada várias vezes. Do que era um ponto de conversa para os velhinhos, virou um ótimo lugar para encontros, perfeito para Rafaela que estava tentando impressionar uma paixão de verão.

Mas o vento esfriou, a chuva caiu e a flor murchou, e a garota ainda não chegou.

Ao pegar o celular pela notificação recebida com um último fio de esperança, se deparou com as mensagens da amada.

"Eu acho que estamos indo rápido demais".

"Eu só estava querendo experimentar algo diferente, sabe?"

"Melhor a gente não se ver mais..."

Rafaela respirou fundo. Ficou paralisada, encarando a estrada molhada e os faróis que passavam como um risco sob seu olhar.

Em sua mente, vozes a condenaram num desespero odioso de que tudo era exclusivamente culpa dela e se referia apenas sobre ter algo muito de errado com ela.

"Eu sou um lixo".

Toda pessoa que ela tinha um pingo de esperança de ser alguém diferente, ou a tratava como uma vadia de peitos grandes, ou se aproveitavam dos seus sentimentos fortes. Caras se aproveitando, garotas a iludindo. Um inferno amoroso.

Numa raiva que subia os ossos, jogou no chão a flor e a terminou de desmanchar com uma pisada. Adentrou a cafeteria com raiva, tentando segurar o choro enquanto mordia o lábio.

O lugar era lindo, tinha cheiro de café torrado com baunilha e um aroma extra de jasmim. Todas as mesas rústicas eram feitas de madeira pinus, agraciado com toalha de mesas de renda e vasos com flores.

Jogou sua bolsa bruscamente sobre o banco almofadado, logo sentando-se e enterrando seu rosto nos braços cruzados em cima da mesa. Soltou um grunhido, frustrada, antes de virar o rosto e voltar a encarar aquelas mensagens. Notou que tinha sido bloqueada pela garota.

O suspiro de Rafaela saiu desequilibrado, seus olhos arderam pela vontade de chorar na mesma intensidade que mordia o lábio inferior para evitar tal ato, mas acabou por se dar de vencida e deixou as primeiras lágrimas rolarem. Largou o celular e voltou a esconder o rosto, se deixando chorar.

A chuva se intensificava lá fora, como se seus sentimentos fossem demonstrados pelo clima: Um fervor melancólico. Na cafeteria que só se encontrava ela debruçada chorando, ecoava seus grunhidos manhosos, até que sons de passos foram ouvidos.

— Com licença... — uma voz serena foi soada.

Interrompendo seu choro por alguns segundos, ergueu o rosto vermelho, olhando para cima com um ar de culpa.

"Oh não, me pegaram numa situação delicada".

Até se deparar com um sujeito que parecia ser o garçom do lugar. Um rapaz preto, beirando os trinta anos, de barba feita e cabelo feito em tranças. Alto, de ombros largos e vestia um avental escuro.

Por um segundo o coração de Rafaela fora confortado com tal vista. O homem era lindo. Mas ao ver que ele a observava com pena, se sentiu envergonhada, virando o rosto e limpando o nariz que escorria.

Ele se curvou em sua frente, largando sobre a mesa uma xícara de porcelana. Dela vinha o doce aroma de leite quente com camomila e baunilha.

— Ajuda a relaxar — murmurou ele. — É por conta da casa.

Rafaela observou a xícara com surpresa, tirando os cotovelos da mesa e voltando a encarar o rapaz com mais segurança.

— Desculpa te incomodar com isso — disse ela, secando as bochechas com o dorso da mão. — Aqui é um lugar tão tranquilo e eu... Fazendo barulho... — revirou os olhos, envergonhada.

— Que isso, em momentos assim, a gente só agradece — seus lábios se esticaram em um gentil sorriso. — Todos temos dias ruins, não se culpe por causa disso.

E Rafaela conseguiu algo para afugentar todos seus pensamentos terríveis: Alguém dizendo que não é a culpa dela. Uma xícara de uma bebida quente e um sorriso carinhoso. Isso tudo foi o suficiente para acalentar seu coração e acalmar as vozes que a perturbam, a fazendo apenas se afogar num sentimento de gratidão e timidez.

— Obrigada — murmurou, com o rosto quente.

O garçom sorriu novamente, assentindo com a cabeça e dando um tapinha no ombro dela, em forma de apoio. Logo após, virou-se, voltando para sua cozinha e para seu trabalho.

Rafaela apenas o observou, paralisada e com sentimentos conflitantes. De repente, viu que ficaria obcecada. 

Doce Como Café PretoOnde histórias criam vida. Descubra agora