Capítulo 2

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Há dois anos, eu não esperava que a minha vida invejável de solteiro despreocupado fosse despencar e que eu seria imerso no mundo dos negócios só porque eu devo.

Continuo solteiro, calma lá, mas não posso ser mais despreocupado. Meus pais me atentaram sobre eu precisar começar a trabalhar ou não teriam um substituto digno nas empresas que levam nosso nome depois que morressem.

Um exagero, porque eles estão com tudo em cima. São saudáveis e ativos . Amam dinheiro, aliás. Minha mãe é dona de clínicas de estética, o que a fez esticar muito o rosto e ser bem perceptível. É esquisito, mas se acostuma com o tempo.

Nessa parte, eu não mexo. Pelo menos, não por enquanto. As clínicas são dela e ela toma conta.

A parte chata e miserável é quando preciso me tornar presente na empresa principal do meu pai e todo dia me faz parecer um idiota burro por não saber lidar de imediato com o que acontece.

Por exemplo, hoje, eu tinha que me encontrar com a filha do advogado que está representando um antigo funcionário de meu pai. O cara o está acusando de ter alterado seus direitos no que diz respeito a demissão. Não é verdade, claro, e eu precisava fazer vê-lo sem que diretamente meu pai mostrasse.

Então fui ao encontro da filha do advogado e conversamos em minha sala antes de eu mostrar as provas não alteradas. Ela quase foi irredutível até concordar que a defesa de seu pai não daria em nada, pois o cliente é um ambicioso filho da mãe mentiroso e mau caráter que quer mais do que tem direito.

Não preciso dizer a merda que daria se meu pai fosse acusado injustamente. E daria tanta merda porque o velho é só o maior investidor, economista e empresário da atualidade. Ele consegue entender os números de forma que surpreende.

Não tenho a sorte de me conectar com o ramo como ele conseguiu, mas estou tentando diariamente. Cada longo dia. Melhorando em uns pontos, errando em outros, mas sempre aprendendo.

Porque o lance é não desistir de tentar, e foi que meus pais me disseram quando me chamaram pra uma conversa e avisaram que estava na hora de eu aprender como é o mundo dos adultos.

Achei uma sacanagem, mas não dava para fugir. Todos os meus amigos tinham aceitado a realidade e entendido que a hora de viver na boa tinha acabado. As responsabilidades bateram na nossa porta e precisávamos abrir. Foi o que fizemos.

Foi o que eu fiz, apesar de ter adiado o máximo que pude.

Então, espero ter tido êxito hoje, que também tenha amanhã e nos dias vindouros. Tenho 26 anos, muita coisa pra aprender e é nisso que estou pensando enquanto me esforço a deixar o trabalho no seu lugar, que é o escritório.

Mas tenho tido a terrível mania de levar trabalho pra casa. O que também implica em estresse e afastamento dos meus amigos. Preciso me policiar nisso. Até mesmo com a minha dieta estou furando.

O Douglas de seis meses atrás não estaria em uma lanchonete esperando pra comer um hambúrguer triplo!

Que mancada.

— Aqui está — a garçonete chega por trás de mim e põe a bandeja na mesa. Dá pra ver quando o recipiente vermelho balança, dedurando o tremor na mão da garota. — Faça bom apetite.

— Faça bom apetite? — dou um sorriso, levantando o olhar para seu rosto. Mas imediatamente paro de sorrir quando a vejo parecer embrulhada, como se algo não estivesse certo. — Você está bem?

— Eu... Eu... — ela desiste de falar e praticamente se joga ao meu lado no assento, me forçando chegar para lá e abrir espaço, puxando a bandeja de antemão junto comigo.

Fico observando, meio atordoado. Seus braços se cruzam na mesa e fazem apoio para seu rosto deitar sobre eles. Pelo movimento do seu corpo, percebo sua respiração fluir funda e ritmada, e ainda assim de maneira errada.

Estou preocupado. Quem do nada faz uma coisa dessas? Acho que ninguém. Não sem motivos.

— Esther? — toco seu braço e aproximo um pouco meu corpo do seu, para averiguar se ela ainda está em si. Será ressacada ou consumo de substâncias pesadas?— Tá tudo bem?

Não tenho uma resposta e já começo a olhar para o balcão em busca de ajuda, mas ela levanta a cabeça, estreitando os olhos para mim, como tendo dificuldade pra me enxergar.

— Estou bem — diz, fechando os olhos e apertando-os por um instante. Então os abre novamente, fazendo careta ao me encarar. — Foi só um mal estar e... — ela se vira abruptamente, procurando algo. Quando não encontra, volta a mim. — Alguém viu?

— Alguém viu o quê? — rebato, ainda entendendo o que aconteceu.

— Eu caindo.

— Você não caiu, se jogou aqui no banco — dou um riso atravessado. — Mas não, ninguém viu. Nem deu tempo. Foi coisa de segundos.

Esther encolhe os ombros, em uma tristeza tocante.

— Droga — ela chia e começa a passar as mãos na testa, local que começa a suar copiosamente.

— Você tem certeza que tá bem? — insisto, porque ninguém começa a suar a testa tão do nada estando bem. A menos que se esteja em uma faxina pesada ou construindo uma casa, seu corpo não vai reagir assim.

— Tudo bem — ela dá um sorriso forçado, nem me olhando mais. Sua vista parece ser o foco agora, porque seus dedos limpam os olhos como se eles estivessem sujos. — Foi só uma fraqueza por não ter comido hoje.

Ela diz isso em um modo tão sem ânimo, que é impossível não me manifestar.

— Olha, não quero me meter na sua vida, mas, você tá fazendo uso desses lanches daqui como se fossem refeições? —

Não espero uma resposta, porque o que vi já me mostrou o suficiente. — Não dá pra ser. Tem que comer certinho. Carnes, legumes frescos, carboidratos que fortalecem e não só pães.

Seu olhar se volta ao meu e, apesar de parecer que ela está tendo mais dificuldade que minha avó para me enxergar, ainda assim fica me observando.

E eu sei que a garota está passando mal, afetada ou sei lá o que, mas sou muito seduzido pelos seus lábios quando sua língua os umedece. Ela não está me seduzindo de propósito, óbvio que não, mas mesmo assim sou atraído pelo movimento.

Se não estivéssemos em seu local de trabalho e ela não tivesse nessa situação, quem sabe a gente não ficaria? Ela não é exatamente o tipo que eu puxaria numa balada pra trocar uma ideia, mas não estamos em uma mesmo.

Só que não vou por esse lado, e escolho dar um sorriso para sua cara pálida quando pareço ser o alvo do seu olhar por tempo demais.

— Não que você deve deixar de comer pão, se gosta muito — adianto. — Mas podia optar por pão integral. Eu sei a marca de alguns que são integrais mesmo, não só de nome.

A garota me olha com estranheza, como se eu não tivesse dito nada com muito sentido.

Até decidir se levantar, tendo a agilidade no movimento mas, quando em pé, demorando alguns segundos para cair em si.

— Obrigada — agradece, gesticulando. — Pelos conselhos. Eu vou... Para a cozinha. Bom apetite e volte sempre.

Eu a sigo com os olhos, um passo hesitante até ela sumir de vista depois do balcão.

Não tem a ver comigo, concluo. É problema do chefe e dela. Uma funcionária doente não deve trabalhar. E eu não vou me meter nisso.







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Se mete simmmm

Não só na situação... 🤭

Boa noite, meus amores! 🧡

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