Conto

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(3345 palavras)


Quando Sinclair se deu conta, já haviam se passado 137 anos.

E, na entrada de sua cápsula gélida, havia um humano.

O ozônio, a hidrazina e outros compostos químicos que o mantinham desacordado e inibiam sua corrosão vazavam pela abertura como uma geladeira industrial — e não muito diferente disso, estava ele: pendurado por ganchos, como um abate descartado pelo açougue no pós-venda.

Urgh — gemeu uma voz jovem, em desgosto —, que cheiro é esse?

— Amônia — Sinclair respondeu, testando as articulações de sua mão. Seus ossos artificiais estalavam após tanto tempo congelados em uma única posição. Bocejou. — Recomendo não respirá-la, é altamente tóxica.

O humano deu um passo para trás, voando uma mão ao rosto. Bom que levou o alerta em consideração, o último não teve tanta chance. Quanto foi? 2 minutos?

"2 e 44 segundos", lembrou-se vagamente.

— V-você está vivo? — A voz gaguejou perplexa. Pela posição em que Sinclair estava, e pelo estado dos circuitos lerdos de suas orbes oculares, ele dificilmente conseguia distinguir a mancha de pele rosada à sua frente.

Se era homem, certamente era um rapaz muito franzino. E se era mulher, soava viril demais. Mas se era ambos... de certo tinha boas histórias para contar.

— Desde que aboliram o teleférico à manivela, sim. — Fechou um dedo de cada vez até a palma e soou satisfeito, conseguindo recobrar o controle de todos.

O humano recuou alguns passos, saindo da frente de Sinclair e abrindo espaço para a irradiação solar que adentrava a cápsula. O brilho incidiu sob suas íris fotovoltaicas e, depois de 137 anos, sua lente — outrora branca como a neve — finalmente piscou, carregando como ondas de rádio.

Sua visão borrada foi melhorando aos poucos, e, conforme avançava, via com mais nitidez os detalhes da sua aconchegante prisão gelada: Os tubos de ferro cobertos de gotículas condensadas e estalagmites que certamente não eram de água, além de enormes sacos de areia. Por algum motivo que não recordava, havia vários espalhados por lá. Empilhados e até mesmo abertos. Ele aproveitou para estalar as juntas de seu pescoço.

— Onde está o android Quantum 1.3? — Perguntou aquela mesma voz jovem, vinda de algum lugar de fora da cápsula.

Sinclair encarou o vazio da porta aberta e inclinou a cabeça para o lado.

— Quem? — E seu corpo despencou.

Caiu no chão estatelado como uma marionete, seus olhos apagaram todo e qualquer brilho, se tornando um com a decoração inerte daquele lugar. Ao seu lado, ganchos e correntes também jaziam caídos — inclusive as que o mantinha permanentemente a 90 centímetros do piso.

O silêncio reinou por um breve momento, até os sinais de rádio aparecerem mais uma vez em sua íris branca, tornando-a um amarelo límpido. Sinclair acordou. Pisco. Duas, três vezes. E enfim reclamou:

— ... Ouch. — Suas terminações nervosas não eram das melhores, mas queria passar o recado.

O humano apareceu na porta, usando uma máscara no rosto e guardando uma chave de fenda retrátil no bolso de trás. Entrou e começou a encarar os arredores, ignorando Sinclair caído no chão.

— Android Quantum 1.3 — repetiu o humano, ao perceber que não havia outro android no recinto sem ser aquela carcaça desatualizada —, onde está?

ANTIQUADODonde viven las historias. Descúbrelo ahora