Capítulo 1 - Veneno

182 33 105
                                    


Um leve bater na porta fez-me acordar.

Abri os olhos para ver Elianne entrar com uma bandeja de prata nas mãos, e sentei-me na cama.

- Bom dia - disse ela com um sorriso e beijou-me a testa.

- Bom dia - retribui. Olhei para a bandeja. Para o pequeno-almoço que ambas comeríamos, há muitos anos que já não se surpreendia com a diferença entre as duas porções.

Elianne tinha para ela o habitual, chá matinal com quatro torradas acompanhadas de compotas, amoras e doce. Por outro lado, eu tinha o meu habitual, o que "eu" sempre pedia, uma caneca de leite branco com duas fatias de pão com manteiga.

Senti o estômago rugir de fome enquanto me arrastava da maciez e do calor da cama.

O frio do chão sob os dedos dos meus pés fez me estremecer.

Com um pensamento os meus chinelos de forro de pele branca encostados à mesinha de cabeceira flutuaram levemente para dentro dos meus pés.

Bocejei enquanto ia até à casa de banho na porta à esquerda da larga cama.

Lavei a cara com água gelada que estava numa bacia e sequei-a com uma toalha de algodão.

Quando voltei a bandeja de comida já estava sobre a mesa-redonda de mármore próxima de uma das janelas. Elianne moveu uma mão e levemente o dedo indicador e o anelar, e os cortinados dessa janela, assim como de todas as restantes que percorriam toda a parede ocidental dos meus aposentos, abriram-se e as cordas douradas prenderam o tecido azul-escuro dos cortinados nas extremidades de cada janela. Um cheiro leve, metálico e doce da magia encheu-me as narinas, era isso que fazia de nós faes, um dom próprio, um pequeno toque de magia, força e agilidade aprimoradas, e uma beleza sobrenatural.

As janelas abertas revelaram o céu azul-noite da madrugada a tingir-se de dourado.

Os primeiros raios de sol de mais um longo dia.

Sentei-me numa das quatro cadeiras de carvalho branco dispostas à volta da mesa.

O meu estômago rugiu devido ao cheiro que sentia da comida à minha frente, e senti-me nervosa ao olhar para a comida de Elianne, mesmo que estivesse sempre tudo bem porque Aria nunca sentira sintomas depois de comer a comida que devia ser de Elianne. Ainda.

- Está tudo bem, eles nunca põem na minha comida. - assegurou-me, estendendo-me uma torrada antes de abrir um dos cómodos cor de marfim, dos vários que adornavam as paredes do meu quarto. À primeira vista estava vazio, até que ela passou a mão aberta sobre ele e um pequeno cheiro metálico e doce de magia voltou a preencher o ar, e no interior da cómoda apareceu um prato cheio de bolinhos de limão e canela, e uma jarra de vidro com água pura.

Elianne enfeitiçou a cómoda para que ninguém visse o que tem no interior ou conseguisse tocar. Eu não pude deixar de sorriu ao ver os meus bolos favoritos, que Elianne me deixava naquela cómoda todas as manhãs em segredo, muito antes de qualquer pessoa acordar, quando o palácio estava completamente silencioso e ela podia facilmente passar pelos guardas ao encobertar-se nas sombras da noite.

Elianne trouxe o prato e a jarra para a mesa. Aquela comida era segura, já que não estava destinada a mim, não como o meu fraco pequeno-almoço que vinha da cozinha para mim todas as manhãs e que as cozinheiras preparavam sob as ordens da sua tia. Mas Aria temia o dia em que a tia descobrisse o que Aria fazia, temia um dia comer a comida de Elianne só para perceber que estava envenenada.

Porque ter de ingerir aquilo cada vez que comia e bebia estava a deixar o seu corpo de rastos.

Elianne pegou no pequeno-almoço que devia ser para mim e como sempre foi até à janela mais próxima, abriu-a e deixo-o no parapeito.

A Herdeira Limitada (DEGUSTAÇÃO) Onde histórias criam vida. Descubra agora