Na lua

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- Droga.
Sinto o sangue escorrer do corte na minha mão, mais profundo do que os outros dessa vez.
Continuei subindo, só faltavam 2 metros para chegar no topo do monte, eu não podia desistir agora por causa de um corte na mão.
Encaixei o pé na pedra e dei um último impulso e me segurei no topo com a mão ferida e sentindo a pior dor de todas que já tinha sentido, mas pelo menos tinha chegado no topo.
Quando alcancei a base plana me joguei para trás sem fôlego com a mochila amortecendo minhas costas. Levantei a mão e olhei a ferida, ainda sangrava muito mesmo estando coberta de terra.
- Isso vai dar uma bela cicatriz.
Peguei meu cantil e derramei um pouco de água para limpar a ferida, tinha esquecido meu kit de primeiros socorros então rasguei uma camisa que estava na mochila e peguei o retalho para amarrar minha mão. Dei uma volta e apertei bem, doeu muito, mas menos do que da última vez, então atei um nó; isso ia segurar o sangramento até eu descer e ir em um hospital.
Levantei com a mão que estava boa e aproveitei para olhar a vista e procurar um bom lugar para colocar meu saco de dormir, achei um espaço com grama e próximo de onde as pedras formavam algo parecido com uma mesa. Estendi meu saco de dormir ali e me sentei nos bancos de pedra que pareciam ter sido esculpidos bruscamente para momentos rápidos.
Finalmente pude fazer o que queria, olhar as estrelas, o céu brilhava como a silhueta de uma cidade brilha em meio a escuridão, os astrônomos diziam que seria o momento onde a lua estaria mais próxima da terra em todo o ano, e ela estava lá, majestosa e radiante em seu brilho que inundava a noite e trazia pertencimento para os seres noturnos.
Estava inundado com a beleza do céu, completamente indefeso até ouvir um barulho de folhas farfalhando e alguns passos leves; levanto e pego o canivete que sempre levo no bolso.
- Quem está aí? - falo apontando para o lado de onde o barulho veio.
Uma garota sai de trás de uma pedra grande.
- Olá. - ela diz olhando fixamente nos meus olhos.
Abaixo a mão com o canivete, mesmo que ela tentasse não teria como fazer algo antes que eu pudesse derruba-lá.
- Olá. - ela repete.
- Oi, quem é você?
- Eu sou a Luna. - ela fala caminhando em minha direção.
Ficamos em silêncio enquanto ela passava por mim, não estava caminhando na minha direção, só precisava passar por mim.
- Não vai perguntar quem eu sou?
- Não, era você quem queria saber quem eu era, eu não preciso saber quem você é. - ela fala se sentando na beira da queda e balançando seus pés.
Me sento de volta na pedra e fico observando ela de longe, ela era pequena mas possuía uma presença inegável, era aquele tipo de pessoa que entra em uma sala e todos percebem que ela está ali. Seu cabelo era branco como a lua e sua pele era a mais clara que eu já tinha visto.
- Quem é você? - ela pergunta sem olhar para trás.
- Me chamo Apolo.
- Tenho um velho amigo com esse nome. Mas não o vejo faz tempo.
Fico a observando aproveitar a brisa que o vento oferecia no topo daquele monte.
- É perigoso chegar aqui em cima, como chegou sendo tão pequena e tão nova?
- Não sou tão nova quanto você acha...
- Quantos anos você tem?
- Um pouco mais do que você imagina.
Fiquei inerte, pela primeira vez alguém não respondia como eu esperava e me deixava completamente sem argumentos.
- E você?
- Vinte e um. - falo tirando algumas coisas da mochila.
- Parece ser mais velho.
- É a barba, todos falam isso. - digo pegando meu cantil com água quente.
Começo a preparar um pouco de macarrão instantâneo para comer e passar a noite.
- O que é isso? - ela fala olhando para trás.
- Macarrão, quer?
- Nunca provei. É bom?
- Impossível nunca ter provado, mas é bom sim, vem, eu tenho outro pote.
Ela se levantou e veio caminhando lentamente até a mesa de pedra e se sentou ao meu lado. Dei a ela o que já estava pronto e um garfo.
Ela tentava encaixar nas mãos o talher e achar uma forma fácil de comer.
- Tenta assim. - peguei a mão dela e ensinei como usar o garfo.
- Obrigada.
Ela comeu desajeitadamente, fazendo bastante barulho como uma criança aprendendo a comer.
- Isso é bom.
- É mesmo, eu como sempre. - falei sorrindo ao ver ela comer.
Comecei a comer também e ficamos em silêncio por alguns minutos enquanto comíamos.
- Luna, posso te perguntar algo?
- Acho que sim.
- Você veio sozinha? Seus pais ou irmãos não se preocupam?
Ela permaneceu calada.
- Falei alguma coisa errada?
- Não, é só que eu não tenho pais ou irmãos, só meu coelho, e acho que um coelho não fique preocupado comigo quando sumo por algumas horas.
Ela era mais misteriosa do que aparentava ser, normalmente consigo ler as pessoas rápido, mas ela era diferente.
- Como você chegou aqui? - perguntei para ela, suas roupas não estavam sujas então era impossível ela ter escalado.
- Pela trilha atrás dessa pedra, é bem tranquila e limpa.
Eu não sabia dessa trilha, e meu irmão não tinha dito nada sobre ela.
Fiquei vermelho.
- Por que você está vermelho? - ela perguntou terminando de comer.
- Eu só estou com um pouco de vergonha de não saber dessa trilha e ter escalado essa subida inteira.
Ela parou para pensar me olhando.
- Tudo bem, ninguém conhece essa trilha e ela nem está nos mapas, só eu descobri ela.
Como uma garota tão nova descobriu uma trilha tão escondida assim? Era um pouco estranho demais para mim.
- Obrigada, Apolo. - ela disse se levantando.
- Você já vai?
- Sim, chegou o meu horário, preciso ir.
Me levantei também e fiquei na frente dela.
- Você mora onde? - falei com uma certa esperança de ela morar perto da minha casa.
Ela riu.
- Eu moro bem longe, mas se quiser pode me ver de novo na próxima lua cheia.
- Onde?
- Aqui.
Ela caminha em direção a trilha e ela acena se despedindo, e de repente some.
Eu não sabia como reagir, eu só sabia que alguma coisa tinha mudado em mim, eu não sentia aquela sensação fazia muito tempo.
Voltei para a mesa e guardei os talheres e meu saco de dormir, achei que talvez seria melhor passar a noite em casa.
Olhei para trás da pedra onde ela tinha falado e realmente existia uma trilha aberta e curta para o pé do monte onde eu tinha deixado meu carro; desci por aquele caminho e voltei para casa, só deu tempo de chegar no quarto e me jogar na cama.
No dia seguinte acordei com o sol alto no céu e meus olhos ardendo, talvez eu tenha sonhado com tudo aquilo que aconteceu ontem, o cansaço poderia ter me feito delirar.
Tomei um banho para me limpar e fui me arrumar, quando tirei o pedaço de tecido ensanguentado da minha mão pensando que precisaria ir dar alguns pontos mas não tinha ferida, só uma pequena cicatriz em formato de meia lua.
Coloquei uma roupa que estava no quarto e desci rápido as escadas para a cozinha.
- Bom dia. - falei entrando e pegando o leite que estava na bancada.
- Bom dia, pensei que fosse dormir na montanha. - disse Lucas comendo cereal e me olhando estranho.
Pensei se deveria contar para ele o que aconteceu ontem ou se seria melhor guardar até ter certeza de que era verdade.
- Pois é, mas achei melhor voltar.
Ele me encarou como se visse alguém burro o bastante para fazer todo o esforço para algo e depois desistir, eu também olharia ele assim.
- Ah, e tem uma trilha atrás do monte, é bem tranquila.
- Não, não tem.
- Tem sim, eu desci por ela.
- Apolo, fazem 10 anos que eu subo naquele monte todo ano, e não existe nenhuma trilha, - ele fala pausadamente - se tivesse eu saberia.
Será que eu tinha sonhado com tudo aquilo?
Voltei para o quarto e abri a mochila, os dois garfos ainda estavam lá, minha mão também continuava com a cicatriz.

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