Pedaço de papel

Papel

Gojo não está acostumado a ter crianças em casa.

Não, de jeito nenhum.

Os brinquedos de Tsumiki estão guardados em uma caixa no canto da sala e a cadeira rosa, onde a mochila da mesma cor está, permanecem no meio do cômodo. Tsumiki é enérgica e praticamente implorou para ir para a casa da amiga durante a manhã, mas agora ele se arrepende de não ter levado a mochila e pedir para que ela organizasse o material abandonado sobre a mesa de plástico.

Mas, mesmo que ele pise em peças minúsculas -O infinito é uma maravilha nesses momentos- e tropece em bichinhos de pelúcia, ainda é bom ter alguém além dele no enorme apartamento. As paredes estão riscadas e ele não tem coragem de pintar novamente com uma tinta normal.

Tsumiki é, sem dúvida, uma menina hiperativa e um raio de sol na vida de Satoru, com uma mente tão diabólica quanto a dele.

Megumi, por outro lado, é o completo oposto da irmã mais velha. Se ela é o sol, ele é a lua.

Gojo nunca conheceu ninguém tão quieto, ou tão irritado com o mundo quanto Megumi. O pequeno ouriço negro parece não se divertir em ter Satoru por perto, muitas vezes parecendo suporta-lo apenas porque Gojo é seu provedor e os alimenta. Satoru imagina que se não fosse por tal fato, ele já teria sido chutado para fora do próprio apartamento.

Deus, Megumi é um enigma que ele não consegue resolver. Que criança é tão teimosa a ponto de se recusar a rir?

"Ele só precisa de tempo" Tsumiki disse para ele uma vez "Ele tem medo, apenas isso."

Medo tem Satoru de morrer sufocado durante o sono.

Ele arruma a casa o suficiente para que possa caminhar sem dar de cara no chão sempre que andar e aguarda a chegada de Megumi da escola com as pernas jogadas para cima no sofá. Felizmente, não demora muito e ele é agraciado com a chegada do ouriço rabugento dez minutos depois.

Megumi parece estranhamente nervoso quando passa pela porta.

"Oi, Megumi!" Gojo sorri, recebendo apenas um aceno de cabeça como resposta, mas o que verdadeiramente chama a atenção dele é a vermelhidão nas bochechas de Megumi "Tudo em cima?"

"Hm."

"Sabe, podemos sair para comer hoje, sua irmã vai passar a noite fora e podemos ir comer naquele restaurante que você gosta."

"Pode ser."

Megumi ainda não se moveu, olhando para Satoru e depois para o chão como se pensasse em algo muito complexo. Deus, ele tem seis anos, o que de complexo poderia existir em sua vida?

Ele é um futuro feiticeiro, mas até agora a única coisa desse mundo que ele conhece são dois filhotes de cachorro que comem mais do que um exército, mesmo que não precisem comer.

Então, qual seria o motivo de tanta hesitação?

Megumi, muito mais quieto do que o normal, apenas levanta a cabeça e pega algo no bolso da calça escura. Gojo o espera com impaciência e observa o menino retirar um pedaço de papel branco, segurando-o com cuidado.

Há pequenas manchas coloridas no papel e Gojo luta para não espiar com os Seis Olhos, curioso e sinceramente, muito surpreso por Megumi demonstrar algo além de raiva e aborrecimento. O menino relutantemente estica a mão com o papel e espera que Satoru o pegue.

O xamã aceita com olhos estreitos, desdobrando o pedaço de papel com cuidado e, arregalando os olhos, lendo.

Há um pequeno texto com uma caligrafia muito boa para uma criança da idade de Megumi, escrita com uma tinta azul muito clara, talvez para parecer propositalmente com os olhos do homem que lê o papel.

Feliz Dia dos Pais. Obrigado por cuidar de mim e da minha irmã, desculpe por ser grosso com você.

Obrigado por não ter ido embora.

Obrigado por ter ficado.

Logo abaixo, um desenho.

É infantil, é colorido demais e são apenas três bonequinhos feitos por uma criança. Mas esses três bonequinhos, com um Gojo no meio, Megumi a direita e Tsumiki a esquerda, são a coisa mais maravilhosa que ele já recebeu.

As mãozinhas de Megumi, muito menores que as dele, estão manchadas com as cores no papel. A prova de seu esforço e dedicação está bem ali. Satoru larga o desenho sobre o sofá e o puxa para um abraço apertado, ignorando os gritinhos indignados.

"Megumi-chan me ama!!!"

"Cale a boca, seu esquisito! Me solte!"

"Não! Vou guardar esse desenho pelo resto da minha vida!"

"Não seja ridículo! Me solte!"

"Vou mostrar para todo mundo!"

"Gojo Satoru!"

.

Em defesa de Gojo, ele realmente não pensou muito quando acidentalmente deixou a carteira cair.

Era um dia quente, ele estava usando e talvez o sol seja a única coisa que pode realmente machuca-lo de verdade - pálido desde a infância, ele nunca lidou bem com o calor. Então quando Nobara pediu para que ele comprasse sorvete, ele não estava pensando direito.

Foi só quando Yuji, com boas intenções, pegou a carteira do chão e se deparou com o velho desenho escondido dentro dela. Ele foi rápido em em desdobrar o papel velho e delicado, sorrindo como um louco quando leu.

Megumi, pobre Megumi, arregala os olhos quando vê o desenho e para a infelicidade dele, Nobara é mais rápida e agarra o papel como se fosse a vida dela. O sorriso diabólico que brota em seus lábios faz com que arrepios percorram a espinha de Fushiguro.

Gojo, agora muito atento, observa a cabeça de Megumi se virar lentamente para ele como um boneco de filme de terror. Ele recua um passo, sorrindo com malícia, mas também um pouco nervoso.

"Nobara, Yuji" Ele abraça os dois pelos ombros, o sorriso se tornando mais tenso quando Megumi avança um passo. Ele jamais usaria o infinito para se proteger, não contra Megumi, então é meio difícil não temer a ira do rapaz "Corram."

E o mais rápido que pode, Satoru corre com os outros dois logo atrás dele. Não adianta muito, pois Megumi deixa um belo galo na cabeça dos três assim que consegue e faz Gojo jurar que guardará o maldito papel em um lugar seguro.

"E que lugar seguro seria esse, Megumi-chan?" Ele provoca "Você não acha que devo mostrar ao mundo que meu filho me ama."

"Enfia esse papel no seu-"

"Ok, eu entendi!"