29. Não, Não, Não. Nunca Pensei Que Isso Fosse Doer Tanto.

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Faz alguns minutos que León e eu colocamos tudo o que precisávamos dentro de nossas malas, depois as guardamos na carroceria e por fim partimos na caminhonete para longe de uma casa que nunca pertenceu à nós. Em parte, foi algo difícil de ser feito, mas por outro lado, sinto-me um tanto quanto livre. Livre do que? Das sombras onde mantive um segredo que só durou pouco tempo.

Através da janela, vejo as árvores formando um muro ao lado da estrada, a entrada para a mata. Logo, León gira o volante para a direita e entramos em uma trilha. Esse não é o caminho que percorremos na primeira vez que fui caçar junto com ele. A largura é um pouca mais extensa.

Na medida em que vamos seguindo à diante, vou captando o cântico dos pássaros. Vejo as copas cheias de folhas sendo fustigadas pelo vento. O cheiro cru da natureza alcança minhas narinas. Embora eu já tenha ido antes em uma floresta, sinto que a atmosfera está me dando boas-vindas, como se já soubesse que ficarei um longo e bom tempo por ali.

- A alguns anos atrás eu construí uma cabana por essas bandas. Houve longos tempos em que passei aqui. Esse é o meu lugar favorito do mundo inteiro - comenta León.

- Por que? - pergunto, embora com não muito ânimo como de costume para querer saber das coisas.

- Porque eu nunca contei sobre isso pra ninguém. Você é a primeira pessoa que eu trago aqui, Anthony. É seu lugar também agora - o jeito como ele me olha é de um homem que promete nunca me deixar cair, mesmo que eh perca tudo nessa vida.

- Nunca pensei em dizer isso, mas a melhor coisa que estamos fazendo é ficar um pouco longe da cidade - confesso, suspirando.

- Temos isso em comum - ele pega na minha mão, que de certa forma, traz um pouco de conforto.

O sol desce até que brota um melancólico crepúsculo no céu acima das árvores. A cabana se revela mais à frente. León estaciona o veículo um pouco próximo da varanda. Desço e os solados do meu par de tênis entram em contato com a terra preta. De ante do que eu vejo, percebo que León tem um bom gosto pra arquitetura, pois a cabana de madeira é simplesmente encantadora desde as esquinas ao telhado de duas águas.

- O que achou? - pergunta ele, parando ao meu lado.

- Acho que nunca mais vou querer sair daqui - não estou mentindo, pois se tem um lugar que deve valer à pena viver nele com paz e tranquilidade, creio que seja esse.

Ajudo ele a tirar nossas malas da carroceria. Em seguida, entramos na cabana após ele tirar uma chave prateada do bolso do casaco, usando-a para destrancar a porta. Dentro, o espaço fechado, a sala de estar, cozinha, escada, piso de tábuas. Tudo coberto de poeira.

- Vai me ajudar à dar uma geral na limpeza? - pergunta ele, prestes à subir com a mala dele os degraus da escada que leva ao primeiro andar.

- É claro - assinto e sigo ele carregando a minha bagagem.

- Que bom. Tem mofo pra tudo quanto é canto. Faz quatro meses desde a minha última passada por aqui - comenta ele, abrindo uma das duas portas existentes no andar de cima.

Dentro do cômodo, há uma cama de casal, alguns móveis e uma cabeça empalhada de um lobo cinzento pendurada um pouco próximo da janela.

- Só tem um quarto. É o meu. Como nós dormimos juntos, a cama também é sua - diz ele pra mim.

- Obrigado - agradeço.

Ele entra e encosta a mala no guarda-roupa. Faço o mesmo com a minha logo depois. León observa as partes do quarto mais um pouco até que o olhos dele se prendem num instrumento musical abandonado num canto das paredes: um violão comum. Um leve sorriso se molda nos lábios dele assim que ele suspende o objeto pelo braço.

- Eu também vinha pra cá pra aprender à tocar - conta ele, sentando-se na beirada da cama empoeirada. - Escuta só.

Ao apoiar o instrumento numa das pernas, com uma mão ele arranca uma palheta guardada à baixo de uma das cordas. Então, ele leva os dedos a velejarem com doce delicadeza, despertando as primeiras notas de uma melodia que logo se revela familiar para os meus ouvidos. Não pode ser. Será que ele está tocando...?

- I'm taking a ride with my best friend.

Meu corpo congela e meu coração acelera. Fecho os olhos e lembro de estar deitado com as cobertas estendidas até o meu pescoço. A mulher sentada na beira da minha cama, cantarolando a mesma canção acariciando minhas bochechas e afagando o meu cabelo. Ela sempre cantava essa faixa do Depeche Mode porque eu pedia, pois é a música a qual usei a letra para sempre lembrar dela: Minha mãe.

Embora eu creio que nunca reviverei minhas lembranças de criança, e muito menos ouvirei canta-la outra vez, contento-me com o rouco tom galante e sereno do meu padrasto. Sempre enxerguei minha mãe como a melhor amiga da canção, que me levaria à passar por lugares que fariam parte de nossas vidas e eu jamais esqueceria. Mas com a recente e grande virada, León me parece ser agora o sujeito, o melhor amigo, tendo em vista que ele não quer me deixar cair.

No entanto, estou caindo. Enquanto ele canta para mim, minhas estruturas vão pesando. Meus lábios vão ficando trêmulos. E meus olhos vão sendo inundados por uma incontrolável torrente de lágrimas.

- Never let me down, never let me down, never let me down.

Tudo o que eu esperava sentir, aquele choro que não veio mais cedo, é a emoção mais devastadora que me arrebata nesse momento. Não dá para enterrar os soluços no fundo da minha garganta, são mais fortes e impulsivos do que eu. Caralho. Eu nunca chorei desse jeito antes. Mesmo que ninguém tenha morrido, é como se eu tivesse cruelmente perdido alguém, e meu medo é de que realmente seja para sempre.

A música para. Os braços fortes dele me enroscam contra o peito dele. Estou acabado, derrotado, ouvindo as sussurradas palavras de consolo dele e em seguida o retorno do cantarolar. No início pensei, ele só tá piorando. Porém, ele tá me ajudando à por tudo pra fora, até que eu esgote-me.

Meu Padrasto Irresistível (Romance Gay) - Agora No KINDLEWhere stories live. Discover now