Recuerdame...

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  Ele nunca havia passado por nada mais aterrorizante em toda a sua vida. Até ele ter o outro homem em seus braços, perdendo sangue cada vez mais rápido, perdendo a cor de seu rosto cada vez mais rápido e começando a ficar gelado. Ele tentava estancar as feridas profundas com as próprias mãos, sem saber o que fazer, perdido, apenas sujando as próprias mãos com o sangue daquele que amava, o qual respirava com extrema dificuldade.

— Guapito, você me escuta? Guapito! Guapito?! Não fecha os olhos, por favor, não fecha os olhos, me escuta. — O Assassino disse, dando tapinhas de leve no rosto de seu marido, que parecia estar com extremo sono. — Guapito! Fica comigo, você vai voltar, não vai? Não vai?!

— Gatinho…?

— SIM! gatinho! Sou eu! Gatinho! — qCellbit fala, quase chorando ao ouvir a voz do marido. Suas mãos tremiam involuntariamente. Ele estava tão, tão assustado. qCellbit segurou a mão do marido, que estava ficando gelada. — Você vai ficar comigo? não é?

  qRoier tossiu sangue, antes de responder o marido, o mexicano levantou a sua destra, tirando os fios de cabelos que um dia, antes de serem sujos por lama e sangue, eram loiros, colocando-os atrás da orelha e esboçando um sorriso para qCellbit, gemendo de dor:

— Eres tan hermoso…

— Guapito… Você… Não é… Esquece. Continua falando comigo. — qCellbit diz, dando um micro sorriso para o marido, fazendo carinho nos cabelos dele, enquanto suas lágrimas caíam no rosto manchado de qRoier. — O que mais você quer me falar hein? eu estou te ouvindo, amor. Fale o quanto você quiser, mas não dorme, guapito, não dorme.

— yo te amo.

— Eu também te amo.

—  y me encanta cantar.…. — qRoier tinha dificuldades para falar.

— Eu amo ouvir você cantar. — qCellbit diz, fazendo carinho no rosto do marido, tentando controlar suas lágrimas.

— yo amo… — Mais uma tosse sangrenta, e qCellbit levantou um pouco a coluna de qRoier para que o mesmo não se esgasgasse com o próprio sangue. — Me encanta... cuando cantas conmigo.

—  Então vamos cantar, amor. Que música você quer cantar? Você quer alguma da legião urbana? Ou do Ozuna ou- — O brasileiro buscava em sua cabeça artistas que o mexicano gostava, mas foi interrompido pelo mesmo, que colocou seu dedo na boca dele.

—  No, canta esa conmigo, de esa película que vimos con Richarlyson… Recuérdame
Hoy me tengo que ir, mi amor…

— Guapito, por favor. — O loiro disse, soluços sofridos começando a sair de sua garganta. Ele sabia o que era aquilo. Ele sabia o que a canção significava.

Aquilo era uma despedida.

— Recuérdame. No llores, por favor. — Os dois fizeram um momento de silêncio, apenas a batalha que acontecia podia ser ouvida, e o choro estridente de qCellbit, que não podia evitar chorar que nem uma criança pequena diante da situação. — Dijiste que te encantaba cantar conmigo.

Um minuto de silêncio se fez presente, e então, o loiro continuou:

—  Te llevo en mi corazón, Y cerca me tendrás. — Ele fez uma pausa, tentando se lembrar da letra da canção daquele filme idiota que tinha assistido apenas para agradar ambos (filho e marido) mas só conseguia se lembrar dos momentos que havia passsdo com eles e os sorrisos, choros e opiniões que haviam compartilhados juntos durante as horas e minutos que nem viu passar do filme. — A solas yo te cantaré
Soñando en regresar.

  qRoier sorriu fraco, meio sentado deixou-se abraçar pelo companheiro, e levantou sua mão, para fazer carinho nos fios que se alinhavam em seus dedos, que em outra ocasião, ele faria piada sobre a higiene pessoal do outro, mas agora, devido às condições de vida, ele só tinha a
sentir pena de seu gatinho moribundo.

Recuérdame
Aunque tenga que emigrar
Recuérdame
Si mi guitarra oyes llorar
Ella con su triste canto te acompañará
Hasta que en mis brazos estés
Recuérdame

  Os maridos então cantavam, em uma melodia desajeitada, e cheia de pausas, que tornavam a melodia irreconhecível. Mas eles dois não se importavam, se importavam apenas em ouvir a voz um do outro naquele momento e nada mais.

Recuérdame
Hoy me tengo que ir, mi amor
Recuérdame
No llores, por favor

  qCellbit sabia que além da música, qRoier estava lhe dizendo isso. qRoier queria isso. Mas como ele poderia cumprir esse desejo do marido, se cada vez mais ele perde? se cada vez mais, ele fica sozinho? se ele não tem mais ninguém que ele ame de verdade ao lado dele? se tudo o que resta para ele é a indanidade e ficar sempre sozinho, no escuro, na escuridão, sem esperanças de ver a luz do sol. Ele já não tinha mais nada, e iam tirar dele o pouco que ele tinha, não era justo.

Só simplesmente não era justo.

Ele era um monstro tão ruim assim para ter que sofrer desse jeito?

Te llevo en mi corazón
Y cerca me tendrás
A solas yo te cantaré
Soñando en regresar

  As mortes eram algo que ele aprendeu a conviver com o tempo. Ele sempre voltava, de algum jeito, então, elas se tornaram coisas banais, mas ainda assim, dói morrer. Doí como o inferno morrer. E dói mais quando você morre por uma pessoa que você amava. Só que dói mais ainda morrer nos braços de uma pessoa que você ama.

qRoier, sempre foi morto por aqueles que ele amava. Ele nunca teve alguém que lutasse por ele, que o aceitasse como ele era, e que visse nele muito além de um cara engraçado e que gosta de Shakira, alguém que o vingasse, alguém que não o traísse, alguém que fosse verdadeiro com ele, até que um dia, parecendo que algum ser místico havia ouvido suas preces, apareceu qCellbit, mudando toda a sua vida para sempre (para melhor) e então, ele teve alguém que lutasse por ele, que o levantasse quando caísse machucado no campo de batalha, alguém que visse mais nele do que ele mostrava a todos da ilha, alguém que o vingasse, não o traísse, alguém que fosse verdadeiro com ele, mesmo quando não queria.

Então, assim,  todas as feridas de seu coração foram curadas e ele finalmente foi feliz ao lado de uma pessoa que o amava como era. Ele estava completamente satisfeito, e seu coração, estava cheio de um sentimento reconfortante e quente que aquecia seu peito mais do que qualquer moletom que já havia usado.

Morrer,não doía tanto mais quanto ficar sem seu amado. Quanto ver seu amado morrer. Quanto ver seu amado chorar.

Quanto ver seu amado chorar por ele.

Então, se ele pudesse pedir alguma coisa para seu marido, depois de morrer, ele pediria aquilo que cantava.

Recuérdame
Aunque tenga que emigrar
Recuérdame
Si mi guitarra oyes llorar

As voltas após as mortes, todos apenas nomeavam como sorte. Eram simplesmente imortais, e ninguém contestava isso. Não se importavam o suficiente com suas vidas, e isso havia se tornado um problema. qRoier apenas deveria ser muito azarado, pois a entendidade havia retirado essa sua pequena sorte e agora, ele sabia que era a última vez.

Era a última vez que ouviria aquela voz rouca , e veria aqueles belos olhos azuis. A última vez que admirava o rosto de seu amado, e teria o prazer de ter seu toque. Era a última vez das últimas vezes, e em meio de toda aquela dor física que sentia, ele sorria para o marido tentando confortá-lo.

— Ella con su triste canto te acompañará… — qRoier deu um suspiro, enquanto qCellbit colocou sua testa junto com a do outro, de olhos fechado.  — Hasta que en mis brazos estés… Recuérdame… — A voz de qRoier diminuiu gradualmente, até o ar se esgotar dos pulmões do mexicano, e ele fechar seus olhos por uma última vez.

O mundo na cabeça de qCellbit ficou em silêncio.

E tudo o que ele pode fazer foi esconder sua cabeça no ombro do corpo gelado do marido, sem forças para gritar, apenas chorando no mudo, enquanto seus ombros tremiam violentamente.

Ele havia perdido seu guapito, seu  marido, seu companheiro, sua alma gêmea, e agora, seu mundo, perdeu a cor.

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⏰ Last updated: Nov 28, 2023 ⏰

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