O Soldado e o Estranho

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A chuva caía em torrentes, implacável, como se quisesse apagar a lua que lutava em vão contra as nuvens carregadas. Em uma praça cercada por uma pequena mata, um velho soldado, em seu uniforme já desbotado pelo tempo, se encontrava perdido em pensamentos sombrios. A fotografia em suas mãos, já gasta e úmida como suas roupas, era a única companhia que lhe restava naquela noite fria.

Um senhor, abrigado por um grande guarda-chuva, cruzou seu caminho. Ao notar o velho soldado encolhido no frio, não pôde deixar de se compadecer. "Está tudo bem, senhor?", perguntou com voz gentil. O velho ergueu a cabeça, seus olhos marejados de tristeza, e respondeu em tom baixo: "Não se preocupe, meu bom homem, apenas descansando." O senhor, sem saber o que mais dizer, seguiu seu caminho, o guarda-chuva protegendo-o da chuva implacável.

Ao Leste da cidade, envolta em um manto de árvores centenárias, a praça da Liberdade ostentava um ar melancólico. Raramente frequentada, especialmente à noite quando a escuridão tomava conta, o local era dominado por um silêncio sepulcral, apenas quebrado pelo farfalhar das folhas secas ao vento.
As árvores, outrora símbolos de vida e força, agora se erguiam como esqueletos, seus galhos nus se entrelaçando em uma teia macabra. A pouca iluminação lançava sombras fantasmagóricas que dançavam pelo chão, intensificando a atmosfera sinistra que pairava no ar.
As casas, como que tomadas pelo medo, se distanciavam da praça, criando um vazio ainda mais opressor. Murmúrios de lendas macabras ecoavam entre os moradores mais antigos, sussurrando sobre um passado obscuro que assombrava o local. Histórias de um antigo cemitério indígena, onde almas penadas vagavam em busca de paz, alimentavam o folclore local e lançavam um véu de mistério sobre a praça

O velho soldado permaneceu ali, por um tempo que parecia eterno, a solidão e o frio o consumindo. De repente, uma voz cortou o silêncio da noite: "Boa noite", disse um homem surgindo das sombras atrás dele. O velho se virou lentamente, seus olhos fixos no estranho recém-chegado. A cena era tensa, o ar carregado de expectativa.

O homem, com um semblante de raiva e tristeza, ficou em pé diante do velho. "Eu vou tirar de você aquilo que você tirou de muitas pessoas," proferiu, visivelmente nervoso. O velho soldado olhou para ele e respondeu com voz cansada, "Eu sou livre, e tenho a consciência limpa."

O homem, então, retirou uma faca do casaco. O velho soldado, sem se abalar, disse: "Você vai me fazer um favor." A chuva começou a cessar, o local deserto devido às pessoas se abrigando por conta da chuva. O homem parecia tremer, mas se lançou sobre o velho, desferindo golpes repetidos enquanto chorava. O velho gritava, mas o homem diante dele observou em silêncio enquanto a vida se esvaía lentamente do corpo do velho.

"Isso foi pela minha mãe," murmurou o homem enquanto o velho agonizava. Nos últimos momentos, o velho estendeu uma mão em uma tentativa de tocar o agressor. Contudo, já fraco, ele se despediu dessa vida.

O homem observa o céu, testemunhando as nuvens se afastando e a lua gradualmente reaparecendo. Os chuviscos persistem enquanto ele caminha em direção a uma pequena mata próxima à praça. Suas botas pesadas enfrentam a dificuldade da lama deixada pela chuva, e ele demonstra cansaço, apoiando-se em uma árvore por um instante. Ao olhar para trás, depara-se novamente com o corpo do velho caído próximo ao banco onde estivera sentado.

"Como Deus pode permitir que alguém como ele viva tanto tempo... e a minha mãe, tão pouco," murmura ele consigo mesmo. Então, decide adentrar as árvores, seguindo seu caminho entre a sombra e a quietude da noite.

Sob o vento frio da noite, o homem se deixa cair no chão, lágrimas começam a escorrer de seus olhos. "Ele mereceu! Ele mereceu," repete ele várias vezes enquanto permanece de joelhos no solo molhado. Com dificuldade, levanta-se e prossegue com sua caminhada, carregando o peso emocional daquilo que acabara de fazer.

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