41. Consequências Desenfreadas

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Since I Don't Have You. Essa é a tal música que, segundo o meu padrasto, é capaz de desenterrar a pior lembrança da psique do pai dele. Mais que isso, deve ser perturbadora, levando Fred à berrar, chorar e se contorcer, batalhando contra a amarra. Jeffrey e Quinn apenas assistem a tortura. É um tipo de cena aterradora que lembrarei pelo resto dos dias.

Penso no quão irracional é o ser humano na hora de tomar decisões estúpidas. O Sr.Pascal bateu na esposa. Os filhos mais novos ficaram sabendo assim que a viram. Saíram do Texas para irem contar ao irmão mais velho. León, cujo o espírito é imparável, recorreu à vingança, caçando e capturando o pai. Se Fred tivesse repensado as próprias escolhas, ele não estaria pagando com a própria agonia.

León pede para que eu o siga. Saímos do quarto 5 e andamos até ficarmos um pouco afastados do local. Ainda dá para escutar os gritos, e isso já está me incomodando. Cruzo os braços e me atento à ele, notando que ele tem algo à me dizer.

- Já ouviu essa música antes? Since I Don't Have You? É muito antiga. Final dos anos 50.

- Nunca ouvi, mesmo eu tendo uma avó que já cheguei a ouvi-la cantar algumas canções dessa época. Eu teria reconhecido - conhecendo a vovó Blanca, ela curti mais Lesley Gore do que qualquer outro cantor.

- Meu avô paterno amava essa música. Ele tinha até o disco de vinil dos The Skyliners. Era só o que ele adorava ouvir, e ouvia em volume máximo enquanto o filho dele, meu pai, cumpria o castigo.

- Que castigo?

Antigamente, pelo o que eu saiba, os pais tinham um leque de opções para ensinar lições aos filhos através de métodos levemente dolorosos, ou não. Qual seria o que o Fred passava? Alguma coisa fora do comum? Isso não está me cheirando bem.

- Sempre que meu pai acabava não sendo um bom menino, meu avô não hesitava em tranca-lo dentro de um armário. O que tinha dentro do lugar traumatizou ele até as raízes da alma. Havia uma fantasia de palhaço pendurada na parede. A máscara era aterrorizante. O detalhe mais marcante eram os olhos. Arregalados e quase reais. Ele podia jurar que não era o único ali e gritava tanto para sair, tão alto, que meu avô colocava Since I Don't Have You para abafar.

A informação me deixa boquiaberto. Fred ainda era uma criança quando passou por isso. Foi injusto e cruel. O avô de León com certeza não era boa pessoa e acho que me recusaria à conhece-lo se ele ainda fosse vivo.

- E a mãe do Fred? - pergunto, inquieto. - Ela não sabia? O que ela fez?

- Ela morreu quando ele nasceu - responde ele.

- León... - sou interrompido, escutando Fred clamando por misericórdia. - Tem certeza de que está fazendo a coisa certa?

- Como assim?

- Eu não sei. É que... Usar o trauma dele contra ele não me parece...

- Justo? - ele dá um riso irônico. - Anthony, pensa bem no que tá falando. Ninguém aqui é inocente. Ele cometeu um grave erro e precisa pagar. Ou você queria que a punição fosse de outra forma?

- Nenhuma outra supera essa.

- Exatamente.

- Eu ia sugerir que você comesse o Anthony na frente do papai - Quinn surge atrás de nós com um ar de perverso. - Não era ele que queria uma festinha do sexo? Então, ele teria, só que muito mais memorável.

- Ou a gente pegaria um daqueles amiguinhos velhos dele e botaria os dois pra transarem sob a mira do calibre - diz León, surpreendendo com o sadismo dele.

- Que nojo. Acho que ver o papai transando deve ser mais horripilante do que beijar um macaco. Enfim. Quanto tempo vai durar essa tortura?

- Trinta minutos.

- Não acha muito exagerado?

- É o suficiente - dito isso, ninguém fala mais nada.

Após uns 15 minutos, Fred desiste e se rende por completo à um estado derrotado e humilhante de si mesmo. Ele ainda treme. É o medo vindo de dentro dele, junto com mais lágrimas, escorrendo pelos olhos vermelhos.

- Como descobriu sobre esse trauma dele? - questiono ao meu padrasto.

- Uma vez, ele tava bêbado e falando sozinho. Foi assim que ele soltou o relato na frente da lareira de casa. Como se o fogo fosse dar conta de queimar aquelas palavras - conta León, tomando um gole de água de uma garrafa do frigobar.

Mais 15 minutos depois, fim da sessão. León remove os fones cuidadosamente dos ouvidos de Fred em profundo estupor. Ele desfaz o nó da corda e a desenrola do corpo do pai. Permaneço em meu canto, observando o Sr. Pascal, como se ele tivesse sido abduzido pelo subconsciente. Engulo em seco, ansioso por conta do destino dele ainda ser desconhecido. Poderia ser eu no lugar dele. Ou um dos filhos. Tudo isso valeu mesmo à pena?

Aos poucos, Fred mexe os olhos, olhando em volta. Ele fita León, Quinn, Jeffrey e eu. O abajur sobre a cômoda entra em foco. Em seguida as cortinas amareladas. O teto mofado. O chão sujo. A cama bagunçada. A porta. Logo ele se levanta lentamente e sai andando, saindo do quarto, perturbado.

- Pra onde acham que ele vai? - indaga Jeffrey, receoso.

- Quem se importa? - Quinn dá de ombros.

- Ele ainda é o nosso pai. Não um animal. Não devemos ser desumanos.

- Quer levar ele pra cabana? Cuidar dele? A escolha é sua, mas no final, quem decide se ele vai pra lá ou não é León.

- Qual o seu veredito, mano? - Jeffrey se vira para o mais velho.

León medita em silêncio por alguns segundos.

- Jeffrey tá certo. Temos que leva-lo com a gente. Ele aprendeu a lição.

Quinn não se conforma e abre alas para uma discussão com os dois irmãos. Nesse momento, não presto a mínima atenção, pois tenho a impressão de que o Sr. Pascal já está um pouco longe na caminhada. Não! Ele vai em direção ao centro da rua e lá fica parado. Uma buzina soa alto, um carro passa de raspão.

Arranco meus pés do lugar em que estou, disparando em velocidade máxima para fora do motel. Meu coração não para de queimar sob o peito. Quase lá, outro carro surge, pronto para colidir com o pai de León. Acelero o mais rápido que posso. A batida será violenta e culpa pesada me consumirá se eu não conseguir salva-lo.

Faltando pouco para atingi-lo, estendo os braços e o empurro para fora da pista. O baque é intenso em mim. Rolo sobre o capo e desabo no asfalto.

A realidade inteira se desmancha para os meus olhos.

Meu Padrasto Irresistível (Romance Gay) - Agora No KINDLEWhere stories live. Discover now