Flores e Trevas

Prólogo

Poucos momentos haviam sido tão marcantes como aquela quarta-feira à noite. O e-mail havia chegado há duas horas, mas eu aguardava ansiosamente meu pai chegar do trabalho para conseguir abri-lo. Se aquele resultado significava algo para mim... bem, para ele significava muito mais.

Tentei empurrar a esperança para o fundo do peito, torcendo para não criar expectativas, o que era improvável. Sequei as palmas das mãos no suéter vermelho que eu usava, me sentindo mais nervosa do que nunca ao ver os faróis do Chevette do meu pai apontarem no fim da estrada de terra.

Eu sabia que, independente daquele resultado, nossa relação seguiria sendo maravilhosa, como sempre foi. No entanto, também entendia a importância de ter um diploma do B&B. Por centenas de anos, a família Miller se inscreveu para o colégio de magia mais renomado da história, mas meu sobrenome nunca alcançou tal prestígio.

Minhas chances eram baixas, quase mínimas, mas inscrever-se aos dezoito anos era a única opção, decretada pela família real há mais de quinhentos anos. Dessa forma, os seres mais poderosos poderiam ser recrutados para o B&B a fim de aprenderem a controlar seus poderes e, sem dificuldades, conseguiriam empregos e estabilidade para suas famílias.

O Chevette azul-bebê de meu pai se aproximou. Estabilidade financeira era um sonho almejado pelos Miller há décadas. Era difícil viver entre os humanos com nossas habilidades, mas sem o reconhecimento da família real e sem ingressar no B&B era impossível conseguir emprego e moradia no mundo mágico.

Por isso o resultado no e-mail era tão importante. Eu queria dar uma vida melhor para meu pai, queria proporcionar uma qualidade de vida para ele, porque ele merecia muito mais do que eu poderia lhe dar algum dia. Minhas mãos tremeram quando o carro antigo fez um barulho esquisito e estacionou na garagem abarrotada de caixas de papelão.

— Ei, garota! — Ouvi a voz rouca de meu pai, seguida do baque da porta do carro. Eu estava sentada nas escadinhas da varanda de casa. O cheiro da madeira úmida estava quase insuportável agora por causa das chuvas do verão, mas era reconfortante porque era o cheiro de casa. — O que faz aí?

— Estava te esperando. — Ofereci-lhe um sorriso nervoso e o rosto do meu pai surgiu, iluminado pela lamparina pendurada na lateral da casa. Ele estudou meu rosto em silêncio, um vinco de preocupação aparecendo entre suas sobrancelhas grossas. Robert Miller coçou a barba longa e assentiu.

— Vamos, entre logo. Está esfriando. — Ele balançou o queixo na direção da porta às minhas costas. Um vento gelado soprou meus cabelos para trás e eu percebi que, como sempre, ele tinha razão. Meu pai ergueu as mãos, mostrando as sacolas de supermercado que carregava. — Aposto que não consegue adivinhar o que isso significa.

Eu soprei um sorriso, sentindo-me derreter por dentro. Ele era muito bom em quebrar o gelo. Eu sabia exatamente o que havia ali dentro. Pulei da varanda, batendo com as mãos no jeans escuro.

— As noites de macarrão com creme de leite são as melhores. — Afirmei, empurrando a porta de madeira e segurando-a para que meu pai pudesse entrar. Ali dentro o clima era mais aconchegante, mesmo com nosso aquecedor de qualidade duvidosa, havia um cheirinho delicioso de café e canela, além do aroma das flores no vaso no centro do balcão da cozinha.

A luz amarelada da nossa casa tremulou quando um novo vento soprou pelas paredes. Meu pai encarou as lâmpadas, então depositou as sacolas de compras na bancada da cozinha e me encarou por cima do balcão de madeira escura que separava os dois ambientes.

— Tenho uma surpresa. — Ele murmurou e puxou uma garrafa de dentro da sacola. Um vinho surgiu diante dos meus olhos e eu soltei uma risadinha. — Podemos usá-lo para comemorar ou para afogar nossas mágoas. Continuará sendo nosso preferido.