tudo o leva a esse momento

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Júlio Tadeu estava ansioso, balançava as pernas, olhava pela janela, observava os quatro cantos do quarto, mas nada acontecia, desde às duas até às cinco da tarde. Alguns outros garotos conversavam em suas beliches, enquanto ele estava sozinho.
O moleque segurava em suas mãos a carta de aceitação para ingressar ao seminário católico onde estava, as pontas dos seus dedos já estavam secas. Refletia consigo mesmo se o que fez foi certo, se deixar sua mãe e seu pai para trás em sua cidade natal e vir para Curitiba foi o correto a se fazer, apenas para seguir o seu sonho, ou melhor, o sonho de seu pai. Se sequer qualquer decisão que já fez na vida foi o certo. Sentia-se triste, pois não teria notícias deles, mal haviam dispositivos de comunicação, e as cartas eram restritas a uma vez por mês. Sua ansiedade ainda o forçava a reparar em tudo, e a mexer sua perna.
Era um mundo novo, e nem mesmo qualquer criança ali sabia, ou sequer, estava preparada para o que poderia vir, nenhuma delas parecia ter a mesma ansiedade dominante sobre si. Júlio só queria chorar, voltar para casa e ver sua mãe de novo, nunca mais tentaria ser padre novamente.
Seu sentimento foi logo interrompido. Ao ranger das portas, uma figura alta, magra e coberta por lençóis brancos encarava todos na porta do quarto, mesmo com os olhos cobertos com um véu. Em seu pescoço brilhava um grande terço com uma cruz enorme. Seu jeito era vazio, não parecia estar vivo. Júlio engoliu seco; a presença do ancião deixava não só ele, mas todos em silêncio, todos amedrontados, paralisados, incertos sobre qualquer mínima coisa que já pensaram, qualquer opinião que tiveram, qualquer experiência que viveram. O imponente se vira, sem ressoar qualquer frase, e todos o seguem.
Ao ritmo dos passos, contemplavam paredes enormes adornadas, cheias de vidraças gravadas com momentos bíblicos, tetos pintados por exatas representações de Michelangelo, e principalmente, acima da porta mais a frente, o que o alto homem alega ser, o retrato fiel de Deus, em suas primeiras palavras ditas desde que apareceu. Todos sentiram calafrios, era mútuo, todos os corpos observando aquela estatura imponente, um ser indescritível. Cada detalhe era mais vago ainda, mesmo cheio de minúcias, tudo parecia não ter sentido algum, significado algum.
Olhando aos lados pelos seus colegas, tentando achar conforto em algum olhar, começou a notar uma melodia, um coro vindo através da porta. Júlio não a reconhecia, percebeu isso assim que ouviu a melodia o cativando, não de um jeito bom; ela o hipnotizava. De repente seus problemas não importavam, não tinha mais noção, via seu corpo relaxar, sentiu seus olhos fecharem, até que deixou o sono incontrolável lhe levar.
Retomou sua consciência assim que estava sentado no chão, formando uma roda com seus outros colegas. O som estava mais alto, vindo de algum lugar, do qual não se preocupou em procurar, todas as crianças começaram a acordar, algumas já estavam conscientes. No meio desse círculo há seis homens formando outro, cinco de joelhos e um de pé, este mesmo segurando um de nós nas mãos, desacordado. Aqueles usavam vestimentas brancas, igual ao homem alto; um branco meio acinzentado, que lentamente virava vermelho escarlate, na medida em que uma adaga corria pelo pescoço do garoto em seu colo.
Um choque, um baque imediato, todos gritam assim que os padres no centro rezam e louvam alguém que Júlio tem certeza que não é o Deus que ele conhece.
- O sacrifício do mais fraco prevalece os mais fortes. - o padre em pé diz, e ao seu redor os outros repetem. - Deus eu lhe invoco com compaixão. - A cena tornou-se um verdadeiro horror. Os gritos somente cessam quando aquela figura que os trouxe ali soava um leve "shh".
Júlio definitivamente já tinha se mijado nas calças.
- Todos vocês! O amor de Deus não é mais suprido com palavras. Deus abandonou aqueles com apenas palavras há tempos. Contemplem a nova ordem. Ele está aqui. - A figura proclama; todos o sentem; o silêncio paira.
Júlio está exausto, só quer ir embora. Algumas crianças choram quietas, e outras estão prontas para aceitar o que for. Mas o garoto treme de medo. Não deveriam ser apenas estudos ou leituras? Estava realmente preso em um culto, como que chegou a esse ponto? Tentava jogar a culpa em quem fosse, seu pai, os padres, mas talvez mesmo era tudo culpa sua. Mas não importava, sua mente apenas cuspia qualquer pensamento pra não ter que reassistir a cena que viu, no sangue ainda escorrendo da criança, de todo mundo pairando sobre uma presença surreal.
Júlio levanta e corre, pela sua vida, pelos seus pais, pelas memórias boas e ruins, pela vontade de viver e pelo medo de viver. Tornava-se um pássaro fugindo de sua gaiola.
Ele ultrapassa os homens que estranhamente não fazem nada a respeito. Sai dos corredores e passa pelas portas, foda-se tudo, iria fugir de apé de volta para sua casa, para os braços de sua mãe, para a sua tv, seu quarto.
Já estava do lado de fora quando desconfiava não sentir ninguém tentar o impedir. O garoto olha para trás uma última vez, conferindo se qualquer um tentasse entrar no seu caminho. A neblina da noite e a pura adrenalina não mostravam ninguém, mas tinha certeza que tudo estava suspeito, até demais. Olhava para trás como a esposa de Ló encarava Sodoma e Gomorra, pronta para virar uma estátua de sal.
A estrutura do seminário ficava cada vez mais longe. Sentia-se finalmente livre de tudo.
E então vira seu rosto, dois pares de olhos o encaram, no meio da escuridão. Olhos vivos e mortos. Os olhos que são tudo e nada, o julgando como um ser qualquer. São os olhos de Deus.

O garoto para e respira ofegante. Seu corpo amolece, está gelado. Ele é insignificante.

Semanas após, as delegacias fartam-se, os telejornais enchem, todos estão à procura daquele mesmo seminário e suas crianças, todos desaparecidos.
Em algum lugar de alguma rua, senhora Tadeu ainda procura por seu filho.

pelo amor de DeusTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang