Capítulo I

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Para melhor experiência, recomendo que escute essa música enquanto lê o capítulo.

I


O final de mais uma estação. O outono daria lugar, pelo que parecia, a um rigoroso e atípico inverno. – As folhas das árvores, já amareladas, outras avermelhadas, descansavam pela rua, criando um longo tapete colorido de tons quentes. – Eu mais uma vez à esperava sentada à mesa. Escutando o tic-tac do relógio de canto de nossa sala, com uma caneca em mãos, de chocolate quente. Mas, a verdade era que sabia que ela não voltaria antes do começo da primavera. Wendy, na época, senhorita Garden, tinha seus compromissos na família. – Por essa razão meus dias costumavam estagnar na monotonia do lar; no silêncio de minha própria companhia. Entre leituras para a adoração de minha melancolia, e idas ao jardim.

Costumavam, pois, desde aquele dia. Marcada n'alma. Não consegui esquecê-lo. Pensava em suas palavras, em seus significados intrínsecos, entre crer ser uma alucinação vivaz, e crer profundamente no que me disse. – Apenas sabia que queria de novo o encontrar. Esse desejo corroía meu estômago, azedando minha boca, deixando um embrulho estranho quanto mais pensava. Me entende? Eu... nunca tinha me sentido assim antes. Pensava e repensava em como o encontrar, sem que fosse estranho; sem parecer, diria, precipitada...

A Guilda.

Raramente, sem Wendy, ia. Para mim lá era um covil de bárbaros que buscavam unicamente uma forma de usar sua força sem que fossem considerados bandidos. Sob uma ideia de honra, juramentos e preceitos para atuar pelo reino, ante a legalidade. Onde nobres e plebeus se uniam. Também uma interessante forma de mascarar seu exército. – E eu procurava um desses bárbaros no final das contas. Mantinha distância quando o via, e observava de longe, à espera do momento mais oportuno para tê-lo à sós. Perseguia sua pessoa pacientemente.

Parecia. – Não. Era outra pessoa. Só podia ser! Para onde tinha ido toda sua seriedade? Aquele jeito maduro? Tinha minhas razões para acreditar estar, talvez, até louca! Pois não havia como. Nada me lembrava daquele outro homem que vim a conhecer na sacada, na noite do desabrochar das flores da Rainbow Tree! Tinha me confundido, talvez?... Coisas assim passavam em minha mente naqueles momentos. – Era até caricata a diferença entre o que vi e o que conheci. Ah, não poderia também estar mais enganada, senhorita.

II

Não posso realmente dizer, afirmando, quando exatamente aconteceu nosso encontro. Posso somente presumir que ele ocorreu na véspera para o inverno. Foi durante a tarde. O céu estava cinza de um jeito engraçado. Branco-acinzentado, sem nuvens. Se tinham elas se misturavam ao céu.

Ventava bastante. Um sopro gelado de fazer os pelos do corpo todo arrepiarem-se duma só vez. Mesmo usando uma capa para cobrir meus ombros – vermelha, presa ao meu pescoço por um broche, nele gravado o brasão dos Marvell: uma serpente enrolada numa lamparina. – Parecia estar despida. Sem nada para me cobrir. Ao menos a visão era bonita: do mar agitado, das grandes embarcações; verdadeiras fortalezas sobre as águas. E da cidade em si. – Onde morávamos na época, podia contemplá-la com grande facilidade, pois morávamos na parte mais alta. E de lá também podia ver a Guilda, um expoente entre os outros prédios. Se os navios eram fortalezas marítimas, ela era em terra. O passado estava gravado em sua arquitetura: torres se erguiam nas quatro pontas, e eram ligadas por grandes muros (para o adarve); tendo algumas guaritas intercalando-as. Passando pelo grande portão de em arco, tinha acesso ao grande pátio e à Guilda.

Promessas de primaveraWhere stories live. Discover now