Capítulo 1.

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Novembro, 1864
Stavanger, Noruega.

- Ernesto!

Exclamei alto o suficiente para meu mordomo escutar, enquanto adentrava à cozinha e esticava o corpo de um leão da montanha em cima da grande mesa de madeira.

Havia chegado de uma caçada no alto da colina, a poucos quilômetros da minha velha mansão isolada no pequeno vilarejo de Stavanger.

O velho rabugento surgiu de outro cômodo, limpando suas mãos em seu avental e, sem surpresa alguma, encarou a mim e ao enorme leão estirado na mesa.

- Que diabos... - ele resmungou consigo mesmo. - A senhora deveria tê-lo deixado apodrecer na floresta, o que faremos com esse animal enorme?

- Retire a pele e faça-me um novo tapete... com o resto você pode decidir o que quer fazer, Ernesto. - respondi dando de ombros, ignorando o fato de que esses estavam imundos de sangue. - Esquentou a água como lhe solicitei?

- Como quiser, senhora Montgomery.

Observei o velho pelo canto dos meus olhos, lentamente seu corpo esguio e corcunda rodeava a mesa de madeira, com os olhos negros estreitos e desconfiados para o animal morto.

Apesar de ser uma cena muito comum dentro dessas paredes, ele nunca se cansa de observar cada corpo estirado.

Sempre como se fosse a primeira vez.

- A água está quente como o inferno, senhora. Suas vestes estão separadas em cima de sua cama e o cavalo está pronto no estábulo. Tudo como fora solicitado.

Ernesto disse em um murmúrio, enquanto seus dedos longos encontravam a boca do animal e tocava, com a ponta do indicador, seus caninos afiados. Seu próximo passo, como de costume, era puxar o facão e arrancar cada centímetro de pele.

- Separe a carne mais gorda, levarei para o taverneiro e sua família, ele sempre me serve um bom vinho.

- Nem todos gostam desse tipo de carne, senhora. A maioria dos homens preferem vacas, carneiros, javalis... Leões da montanha costumam ser... ruins. - semicerrei meus olhos para o velho, ele me explicou esse ponto enquanto passava a ponta do facão pela pelagem do animal. - Tem certeza de que deseja levar?

- Sim, absoluta. Não me importo com o que pensam, o destino dessa carne pode ser o descarte, meu papel é apenas ser... solicita. Faça isso logo, Ernesto, quero pronto antes que meus pés toquem novamente aqueles degraus.

Ordenei antes de deixar o velho sozinho no cômodo, a cada passo que eu dava em direção à escadaria podia escutar o fio do facão separando a pele do restante do corpo.

Antigamente era fascinante ter o pleno poder de escutar tudo que eu quisesse, mas atualmente é uma tortura sem fim, ser o que eu sou se tornou um fardo e não maneiras de desfazer isso.

A cada vez que a lua se põe e o sol nasce eu desejo, veementemente, estar morta. Mas não é algo possível, foge totalmente de minha vontade... Porque tecnicamente eu estou.

A Maldição da Duquesa Montgomery - Meddison. Onde histórias criam vida. Descubra agora