Capítulo XI

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I

Nem ao menos sabia como poderia os encarar. A vergonha, a raiva; o ressentimento! Amálgama de sentimentos mergulhavam minha alma na mais repleta tristeza por ter falhado – em assegurar a segurança de minha fiel serva – ter feito Natsu, mesmo sem que eu soubesse, ter se posto em risco por um fardo herdado a mim por direito; por mim tomou veneno; a mim zelou. Sua raiva era justa... E a minha?...

Pensava bastante a respeito disso em meu quarto... Toc, toc. Batidas à porta chamaram minha atenção. A maçaneta virou. A madeira rangeu. Helena fez sua reverência.

"Posso entrar, senhorita?..."

"Já está aqui... Entre."

Teus passos leves, um tanto desengonçados a levaram à minha cama. Na beirada se sentou. Escuro, só a luz do corredor iluminava o interior. Mudas ficamos por um bom tempo.

"Isso me lembra quando você era mais nova..."

Pensou em voz alta.

"E está aqui como antes; como naquela noite... Senhorita, por que quer isso?... Essa dor não é sua. Por que a nutre? Já fez justiça contra ela."

"Você não entenderia..."

"E de novo diz  isso. –  Mudou tanto, mas continua a mesma garotinha: acuada e com medo. Dói  muito?"

"Mais do m-"

Sua mão tocou meu peito usando a ponta dos dedos.

"Perguntei se aqui dói... Você deve entender algo. Leve como o conselho de uma mulher mais vivida que ti, não mais velha por que isso sei que não sou!... Nem sempre estaremos no controle dessa vida; e a dor faz parte dela; seja agora ou no futuro. Se viver pensando se, só vai sofrer e não aprender nada com isso. Seja leve. Muitas vezes é mais forte sorrir do que gritar..."

Levava um sorriso triste no rosto.

"Na minha cabeça esse discurso não parecia tão... Bobo. Perdão, eu deveria ter treinado mais ele antes de bater à sua porta, senhorita. Só não se martirize tanto; quando não há culpa real para ser odiada. Quando não existe, nos odiamos e só; essa culpa não tem valor."

"... Por que você é assim?"

"Humanos são frágeis. Viver odiando não é viver. Magos e espíritos superiores como você e o senhor Natsu vivem muito, por isso, acho, com todo o respeito! Podem levar com a barriga esses sentimentos, mas nós humanos... É complicado, senhorita."

"Eu não entendo bem os humanos..."

"Ninguém entende, não se sinta tão mal."

"Porém eu sou sua mestra, Helena. Cuidar de você era minha responsabilidade..."

"E cuidou. Gastou tanto comigo! Médicos e remédios. Como não cuidou? Senhorita, está buscando pelo em ovo."

"Mas-"

"Se for falar do senhor Natsu! Ele demorou para perceber também, imagine nós? Vivíamos com a Cecília! Ela te traiu, senhora. Traição desde quando pode vir do inimigo?! Não acredito que eu tenha que te dizer isso!"

Realmente.

"Senhora, perdão... É triste essa atitude; quer ser mártir sem causa. Culpa do mato, não é do cachorro."

Avisou, olhando meus olhos.

"Quer também levar a culpa que nem sua é."

Seus fracos braços me puxaram, tentei, sem tentar realmente me soltar; e em seu colo fiquei.

"Sete anos, e ainda é uma garotinha que eu tenho que ir no quarto buscar ainda por cima!... Você não é perfeita, senhorita... Isso... isso é o que você acredita, mas nem tudo que acreditamos é verdade também."

Seus longos e magros dedos alisavam as mechas de cabelo.

"... Posso pedir algo?"

Helena falou:

"O quarto de Cecília vai estar vago... É mais perto..."

Luxuoso, a palavra certa.

"Tudo dela é seu."

Propus, encolhendo-me.

"Tudo?"

"Tudo."

"Não estou afim daquela maquiagem dela! Nem daquelas roupas. O dinheiro muito menos... Posso fazer o que eu quiser?"

"Taque fogo se quiser. Isso vai fazer bem para todos; esquentar a casa... "

"Viu? A senhora me conhece até nisso."

Enterrava meu rosto em seu peito, apertando o abraço, contudo, seu coração fraco demorava a bater.

"Quantos anos tem mesmo, Helena?..."

"Que pergunta!... Uns quarenta e dois, senhorita."

Agarrava seu vestido, enterrando mais minha face.

"Obrigada... Mas... Você não sente repulsa pelo que fiz?..."

Os soluços tentava conter...

"Sou sua serva... Sua palavra é a minha verdade... O que fez ou deixou de fazer não julgarei..."

"Por que me sinto assim?..."

Minha garganta fechou. Tentava dizer. As palavras travavam no começo dela, e as poucas saiam tão finas e sem sentido. Jogadas. Meus olhos ardiam e lágrimas escorriam. Como uma criança chorei no colo de Helena. Tentava expulsar aquilo que me sufocava. Estrangulava tanto...

"Perdão..."

Clamei.

"Me perdoa!..."

Suplicava.

"O que eu faço para isso passar, Helena? Dói muito..."

Helena ergueu meu rosto, limpou minhas lágrimas e meu nariz. Eu fungava enquanto encarava o azul-cinzento de seus olhos. Aflita. Confusa. Com medo...

"Não há como eu fazer sumir sua dor... Deve sozinha entender o que sente..." Seu dedão acariciava a maçã de meu rosto. "Mas compreenda ela. Uma culpa com valor – ela nos faz crescer e não errar de novo... Sofrer de forma justa é honrado... Porém o martírio sem causa, não, como eu disse."

Devo ter chorado em seu colo por muito tempo. As lágrimas secaram. Fungava, segurando-a; seu silêncio reconfortante. O calor de seu corpo. O tato de seus dedos... Meus olhos inchados ardiam. Sentindo meus lábios secos. A garganta raspando...

A noite não estava mais tão fria...

Promessas de primaveraWhere stories live. Discover now