Único.

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Era um anoitecer qualquer... quero dizer, nem tão qualquer assim. Desta vez, as nuvens pareciam ter sido picotadas em milhares de pedacinhos, que brilhavam com certo arroubo.

A epifania era despertada em todos os que ainda consideravam a existência do céu como algo não-prosaico. Meras nuvens pareciam pequenos pedaços de ouro, flutuando pelo alaranjado céu que lentamente se tornava roxo, e logo depois passava para o azul quase negro.

Se você procurasse sem pressa, facilmente veria a primeira estrela, a qual sempre aparece antes das outras, numa espécie de competição. Com o pano negro recaindo sobre o céu, as outras apareciam, derrotadas na corrida.

Dentre elas, estava uma pequena estrela. Caso queira, pode imaginá-la como uma linda mulher, com cabelos cinzentos e usando um longo vestido branco.

Ela corria pelo céu, mas vista da Terra, parecia estática. Isso a incomodava um pouco. Queria ser vista enquanto corresse, já que a atenção para ela seria maior. Não a julgue como orgulhosa, caso você nunca esteja com o espírito desejoso de observar as estrelas, uma por uma, sem correria alguma.

Em sua melancolia, continuava a correr, procurando qualquer solução em sua mente. Por fim, não encontrou nenhuma forma de satisfazer seu desejo. Suavemente, começou a escorregar pelo céu, do mesmo jeito que uma criança em um escorregador, antes de entrar numa piscina.

Mergulhou pelo céu, quebrando a fina linha que separava o Primeiro do Segundo. Tinha medo de acabar caindo no Terceiro, já que muito provavelmente acabaria com o não-tão-pacífico planetinha onde a humanidade se instalava. Apenas continuou a nadar pelo segundo céu, juntamente com outras milhares de companheiras, que faziam o mesmo. Algumas em grupo, e outras mais afastadas, cada uma se divertindo da maneira que julgava melhor.

Logo, os céus começaram a parar a estrela, deixando-a flutuando. Viu sua amiga, a senhorita Lua, flutuando pacientemente perto da Terra, como se estivesse flertando, da mesma maneira que um casal antes da dança.

Com um cumprimento, saudaram-se formalmente. A estrela apenas continuou flutuando no Segundo Céu. Com o tempo, o tédio veio a ela como um flagelo. Voltou a pensar no que deveria fazer, e então, sem diretrizes, voltada a um terrível dilema que apenas a confusão de uma mente cósmica poderia conceber, resolveu cair. Nunca havia pensado se o lugar onde estava — conhecido como o Único Verso, traduzido para os finitos como "Universo" — tinha realmente um fim, ou se o mesmo estava muito longe. Deixou esses detalhes insignificantes de lado, e se deixou levar.

Quando mais caía, mais diminuía. Por fim, chegou ao Terceiro. Acenou para a srta. Lua antes que ela tentasse impedir seu plano de acabar com o tédio, como se dissesse "Eu sei o que eu estou fazendo". Infelizmente, ela não sabia. Estrelas difícilmente desenvolviam o jeito pragmático.

Atravessou camadas de estranhos gases químicos, os quais não sabia o nome nem o propósito, e percebeu que começara a se despedaçar — não havia citado o fato de que ela era feita de algo parecido gesso, desculpe-me — e suas partes começaram a entrar em combustão, com um estranho fogo branco, o qual ela nunca tinha visto.

Sabendo que provavelmente iria morrer, apenas fechou os olhos e em sua mente surgiu uma calma sinfonia de uma caixinha de música. Continuou caindo, e caiu até perceber que todas as atenções se voltavam para ela. A inocência não a deixou saber o que lhe fazia tão especial naquele momento, mas seus admiradores fizeram questão de respondê-la, dizendo alegremente:

"Olha, é uma estrela cadente!"


Suicídio estelarWhere stories live. Discover now