À Flor da Pele (conto)

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O primeiro encontro foi no elevador. O cheiro do perfume dele era de enlouquecer. E o que dizer daquele olhar penetrante? Ele sorriu pra mim. Um sorriso tímido, daqueles que escapam do nada. Eu sorri de volta, tentando ser o mais discreto no possível. Foi um encontro memorável, posso afirmar. No entanto, não trocamos uma única palavra aquele dia. Assim que a porta do elevador se abriu, cada um seguiu seu caminho.

Vários encontros casuais aconteceram nos dias seguintes. No elevador virou quase rotina. Fiz questão de marcar o horário que ele chegava para trabalhar. A ideia era "forçar" aqueles encontros não planejados todos os dias. Porém o elevador foi só o começo. No decorrer das semanas, dos meses, nós passamos a nos ver também em outros lugares do escritório. Teve aquela segunda-feira que nos vimos e nos cumprimentamos (só com gestos de cabeça) no corredor que dava para o escritório da presidência. Teve aquela outra vez  (acho que era sexta-feira) na xerox. Eu tinha acabado de tirar umas cópias, quando ia deixar a sala, ele entrou. Posso jurar que a gente se esbarrou aquele dia.

Mas nada se compara ao dia que a gente se encontrou na copa. Naqueles intervalos rápidos para tomar um cafezinho. Eu coloquei uma cápsula de cappuccino na máquina. Ele chegou e foi usar a outra cafeteira do meu lado. Escolheu um expresso forte. Quando fomos pegar o açúcar, nossas mãos se tocaram. Ficamos ali paralisados, com as mãos suspensas no ar. Dedos encontrando dedos. No mais completo silêncio. 

Ele sorriu, murmurou uma desculpa, virou-se e saiu. Eu encostei no balcão, joguei o açúcar no meu copo, mexi com a colherzinha de plástico e, sem perceber, comecei a lambê-la, pensando em outras coisas, se é que você, caro leitor, me entende.

Passei o resto do dia sentido o perfume dele. Desejando vê-lo outra vez, mas não tive essa sorte. Ele parecia ter desaparecido nos corredores ou nas infinitas salas do escritório onde a gente trabalhava. Falei pra mim mesmo que aquilo que estava sentido era um absurdo. Era um delírio de uma mente viajante. Eu não tinha motivos para alimentar qualquer fantasia. Ele era apenas um cara educado, simpático e fofo. Qualquer coisa além disso era apenas uma fic da minha cabeça.

Tomei um decisão radical: se antes eu estava forçando os encontros casuais, já era hora de mudar a estratégia. Eu precisa parar com aquilo. Decidi chegar em um horário diferente, decidi fugir dele. Assim, com certeza, o tempo curaria meus delírios e sairia daquele mundo da imaginação.

Não deu certo! Com o tempo, só veio mais a urgência de vê-lo. Sem perceber, eu ficava espichando o pescoço, na esperança de encontrá-lo. Só queria dar uma espiadinha nele. Nada mais do que isso. Pelo menos, era o que eu dizia ao meu cérebro. Embora o coração gritasse outra coisa.

Duas semanas se passaram sem que a gente se visse. Com um aperto no peito, eu acreditei que ele tivesse deixado o emprego. Ou que, talvez, tivesse pedido transferência. E o pior: por culpa minha. Com certeza, eu tinha dado alguma bandeira de modo que ele havia se assustado e pedido para sair. Certamente era isso. 

Os dias foram se arrastando chatos e tediosos. Eu voltei às minhas funções sem muito ânimo. Apenas cumpria o protocolo: trabalha, trabalhava e trabalhava. 

Na quarta-feira de cinzas, depois de um feriado nada animador, encontrei-me no refeitório com uma velha colega de firma. Combinamos de almoçar juntos. Durante as quase duas horas que ficamos ali de papo furado, por várias vezes, eu quis perguntar sobre ele. Só então, eu percebi um detalhe: não sabia o nome daquele cara. Nunca havia perguntado. Nunca havíamos nos falado. Qualquer possibilidade de haver algo entre mim e aquele homem estava definitivamente enterrada. 

Mas, como dizem por aí: a vida sempre nos surpreende.

Quando cheguei para trabalhar, certa manhã, vi o papel dobrado sobre a minha mesa. Quando abri, lá estava ela: a caligrafia elegante. Quase desenhada. Os traços bem delineados, cada letra uma obra de arte. No bilhete, estavam o nome dele (Rodrigo), o telefone e até o departamento onde ele estava trabalhando. Ficava dois andares abaixo do meu (isso explicava o sumiço dele). Ainda no recadinho, ele me fazia um convite: "Vamos nos conhecer melhor? Te espero hoje no estacionamento 2. Bloco G. Espero que apareça.".

Imagina. É claro que eu ia aparecer!

Passei o resto do dia com borboletas no estômago. A ansiedade era tal que nem consegui almoçar naquele dia. Pra falar a verdade, eu nunca havia trabalhando com tanta eficiência. Coloquei toda minha energia nas minhas tarefas diárias, deixando minha chefe mais feliz do que passista de escola de samba no meio da avenida. 

Por alguns instantes, eu pensei que o dia não chegaria ao fim. 

As horas se arrastaram, olhava o relógio de minuto em minuto. 

Finalmente o expediente acabou. Arrumei minhas coisas tão rápido quanto o Flash e corri para o elevador. Apertei o o botão do - 2 e respirei fundo. Meu coração parecia uma banda de escola. Era como se vários instrumentos explodissem dentro de mim ao mesmo tempo. 

Cheguei ao estacionamento e comecei a procurar a pilastra com a letra G. Não demorou muito para vê-lo. Lá estava ele parado, encostado no carro. Ele havia tirado o paletó, ficando apenas com a camisa branca que usava por baixo. O corpo musculoso parecia querer saltar para fora da roupa. Uma visão do paraíso, com certeza. Aproximei-me, ainda meio tímido. Assim que meu viu, ele veio em minha direção.

- Oi - ele disse.

- Oi.

- Meu nome é Rodrigo, muito prazer!

- Eu sou o André...E o prazer é todo meu!

Ele sorriu. Desta vez sem timidez. Eu sorri de volta e nós deixamos o estacionamento. Ele me convidou para um drink. Fomos a um bar elegante e aconchegante, embora um pouco distante. Ficamos lá por algumas horas, conversando e rindo. Ele perguntou sobre mim e também falou sobre ele. Tinha chegado de uma filial da firma, há pouco tempo. Estava se adaptando à cidade. Queria fazer novas amizades ou algo do tipo.

Lá pelas tantas fomos para casa dele. O resto da noite não poderia ter sido melhor. Aquele homem sabia como fazer as coisas. Se eu já tinha tido uma noite de amor como aquele, eu juro, não me lembro. Entre beijos, amassos  e sussurros, eu vivi uma das melhores experiências da minha existência. 

Na minha cabeça fanfiqueira, claro, logo estava imaginando mil possibilidades no dia seguinte. Dormi nos braços fortes de Rodrigo, sonhando com uma vida a dois. Sim, eu sei, foi o primeiro encontro... mas, quem nunca?

Acordei com Rodrigo me beijando e dizendo que precisava sair para trabalhar. Embora fosse sábado e a firma não funcionasse nos finais de semana, ele precisava participar de algumas reuniões com a diretoria. 

Feliz com aquele carinho todo, pedi para tomar um banho antes de ir embora. Ele, sorrindo, já me providenciou logo a toalha. Assim que coloquei os pés para fora da cama, algo me chamou a atenção: uma foto na mesinha de cabeceira. Nela era possível ver um Rodrigo sorridente, abraçado a uma bela mulher de cabelos afro. Maravilhosa. Com eles, uma menina que parecia a mistura dos dois.

- Quem são? - perguntei sem pensar.

- Minha esposa e filha - ele disse - sem se perturbar. 

Aharom Avelino - autor dos livros "Viver Não É Preciso" (ed. Livros Ilimitados) e "Não Existe Amor Errado" (Ed. Metanoia). 

À Flor da Pele (conto curto) Where stories live. Discover now