Namorada

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Namorada

Era no final da tarde. José Armando sentou-se à mesa no escritório, abriu uma gaveta de cima, das três gavetas da mesa, à direita, pôs um dos pés por sobre a gaveta, reclinou-se na cadeira, para pensar.  

A garota era bonita, carregava uma lembrança dela, e do contorno dela, que ia e vinha, tinha sido assim o dia todo. Sentia-se atraído por ela e estava bastante interessado. 

Já estava na hora de arrumar uma namorada mais firme. Fazia falta.  

Reclinou-se mais contra o encosto da cadeira e ficou ali a examinar o caso. Pensar propriamente não pensou, com foco ajustado. Simplesmente ficou por ali, como à espreita, deixando que os pensamentos viessem naturalmente para ver o que poderia fazer com eles, para ver se surgia alguma idéia. Também é este um jeito de pensar. Na realidade era para enxergar direito a situação. Mais precisamente, para enxergar além.  

A imagem dos antigos navegantes portugueses das grandes navegações, que haviam descoberto o Brasil, lhe veio. Imaginava as caravelas indo, deixando o porto para trás. Tinham soltado as amarras rumo ao desconhecido, enfrentando riscos. Numa viagem de caravela pelo Oceano Atlântico ou Índico não era possível saber cem por cento o que poderia acontecer. Tudo era mar e incerteza.  

Armando pensou que estava também em busca do caminho das Índias.  

Não sabia se ia passar pelo Estreito de Magalhães ou pelo Cabo das Tormentas, do outro lado, mais tarde da Boa Esperança, ou se ia cair um pouco para cá chegando às costas de seu país que iria existir um dia. Não sabia ao certo. 

Era em 1950 e eram cinco da tarde de um dia em maio. 

José Armando Duarte era engenheiro mecânico. Estava no escritório de engenharia, do qual era o dono, na Rua São Bento. Tinha conhecido Heloisa através do irmão dela, Luis Antonio, amigo dos tempos de escola, que lhe apresentara a irmã. José Armando gostou dela de início e ela também dele. Um dia depois ele a convidou para sair e ela aceitou. O encontro iria acontecer logo mais à noite. Heloisa Ana Cláudia Campos Camargo morava na Avenida Paulista com os pais e o irmão. José Armando contava 32 anos e Heloisa 19. Heloisa estava estudando arquitetura. De noite, José Armando passou pela casa dela para apanhá-la de carro.  

- Aonde nós vamos, Armando? Heloisa perguntou.  

- Estava pensando em passear pelo centro. O que você acha? 

- Acho bom. Gosto do centro. 

- Se quiser ir a algum lugar em especial... 

- Não. Por mim esta bem, vamos ao centro. 

Mais tarde José Armando estacionou o carro na Praça da República e eles em seguida foram pela Rua Barão de Itapetininga.  

Heloisa tinha cabelos pretos ondulados, pelo ombro. Os olhos eram castanhos.  

Era espontânea, e era um tanto criança com os seus dezenove anos. Armando gostou e estava se entendendo com ela de igual para igual. Sentia-se à vontade e cada vez apreciava mais a companhia dela. De repente era só esta que interessava, só esta mulher, o jeito dela.  

Deram uma volta pela frente do Teatro Municipal, pela Praça Ramos de Azevedo e Viaduto do Chá. Um anúncio de Cinzano brilhava no alto de um prédio. Em outro lia-se Dubar. No Vale do Anhangabaú ônibus elétricos passavam, com as hastes altas inclinadas e os trolleys na ponta, rolando contra os fios elétricos. Voltaram e seguiram um pouco pela Xavier de Toledo ao lado do prédio da Light. Depois seguiram de novo pela Barão de Itapetininga. 

- Vamos dar uma volta de carro, você quer? tinha proposto José Armando.  

- Vamos sim, Armando. 

NamoradaWhere stories live. Discover now