Mirrael

Eu nunca vou me esquecer daquele dia. O dia em que estávamos na casa de campo dos meus pais. Os adultos estavam bebendo e aproveitando o churrasco, só havia nós dois de crianças. Eu sempre tive muito amigos, mas ele era o melhor. Nossos pais eram amigos de infância, então nos conhecíamos desde que nascemos, nossa conexão era maior do que qualquer coisa. Mirrael era bem pequeno, tinha olhos bonitos e um cabelo bem escuro. Eu era mais alta que ele, tinha cabelos cacheados e claros. Ele era calmo. Eu era agitada. Éramos os opostos que se atraiam perfeitamente. Tínhamos oito anos. Ele sempre fora muito gentil comigo. Fazia questão de fazer tudo por mim, desde abrir a porta até preparar o café da manhã, mesmo não fazendo muito bem. Quando eu chorava, ele sempre tentava me animar. Algumas vezes até brigava com garotos mais velhos que tinham me feito chorar.

Estávamos brincando no jardim. Eu estava com minhas bonecas de pano e penteava os cabelos delas, enquanto Mirrael olhava algumas flores, mas quase todas estavam murchas ou nascendo. Algumas vezes eu me levantava e ia pegar um pedaço de carne para comer. Observava Mirrael, ele recusava sair dali até que achasse uma flor perfeita. Ele sorriu quando viu uma pequena e bonita rosa vermelha. Ele a tirou com cuidado, para não se machucar com os espinhos, e veio até mim. Meu rosto logo corou, ele já havia me dado várias flores antes, mas eu nunca havia visto uma tão bonita.

– Eu te amo – falou me entregando a flor.

Os adultos observavam sorrindo. Desde que nascemos, nossos pais sempre falavam que íamos ser namorados. Não sei se isso acabou sendo influência deles, ou era mesmo o destino, nós nos amávamos. Claro que naquela idade não fazíamos nada, apenas brincávamos juntos e andávamos de mãos dadas. Algumas vezes, nossos pais ficavam pedindo para darmos beijos. Geralmente os meninos acham isso nojento e ficam com raiva, mas não Mirrael. Ele sempre ficava um pouco vermelho e sorria de um jeito muito doce para mim.

– Quer casar comigo?

Eu fiquei ainda mais vermelha quando ele disse isso. Minha mãe correu para pegar a câmera, ela queria gravar esse "momento fofo" como ela havia chamado. Todos os olhos estavam em cima de nós. Não achem que era um absurdo um menino de oito anos fazendo um pedido de casamento, éramos crianças e tudo aquilo era muito inocente. Era puro.

Minha mãe voltou com a câmera e começou a gravar. Pediu para que Mirrael repetisse o pedido. Ele sorriu timidamente e repetiu. Minha mãe virou a câmera para mim.

– Sim.

Os adultos bateram palmas e comemoraram. Mirrael sorriu e me abraçou. Depois voltamos a brincar, como se nada tivesse acontecido.

Então, dezesseis anos depois, lá estava eu caminhando até o altar. Meu pai segurava meu braço com força, como se não quisesse me soltar nunca mais. Eu sei que ele estava fazendo força para não chorar. Meu coração estava acelerado. Tudo a minha volta parecia estar em câmera lenta. Eu olhava para os lados. Rostos sorridentes e emocionados estavam virados para mim. Mas eu, a noiva, não estava sorrindo.

Eu olhei para frente e vi o meu noivo me esperando no altar. Não era Mirrael. Minhas pernas ficaram bambas, mas eu continuei andando. Ao chegar perto dele, meu pai me deu um beijo na testa, apertou a mão do meu noivo e foi para o lado da minha mãe. Meu noivo sussurrou algo para mim e sorriu, mas eu não ouvi o que fora. Viramo-nos para o padre, que começou a missa.

Eu tentava me concentrar no que ele estava dizendo, mas minha mente estava focada apenas no sonho que eu havia tido na noite anterior ao casamento. Por que eu tinha que sonhar com Mirrael, depois de tantos anos? Por que logo antes do casamento? Por que isso tinha que me atormentar? Eu fechei os olhos e respirei fundo. Vi a imagem de Mirrael me entregando a flor. Abri os olhos e olhei para o lado. Não era ele que estava lá. Nunca seria ele. Comecei a me sentir tonta, meus olhos se encheram de lágrimas. Escutava o padre e meu noivo falarem coisas, mas todos os sons estavam abafados.