[Código A.N.A.]

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— Por favor, que coisa mais estapafúrdia! Onde você ouviu isso, meu jovem?

— Nos alto falantes do corredor, seu Oséias. É sério, nós precisamos ir — Luís tenta convencer o senhor em vão, empurrando seus ombros da cadeira de escritório.

— Essa bobagem de alerta ANA nunca foi acionada no meu tempo — ele resmunga, cedendo à pressão do mais jovem e se levantando da cadeira, andando com uma lentidão deliberada até a porta de vidro da redação — O que aquele jovem Adussay quer desta vez?

— Parece que houve algum problema bem na calçada em frente ao prédio. O que ANA quer dizer?

***

— Atenção, seus inúteis — rosna o senhor Adussay Filho, balançando o bigode com vigor, parecendo furioso — Descerão um repórter, dois redatores e um fotógrafo para cobrir essa palhaçada. Ainda que seja uma piadinha infame, vocês vão agir como se fosse um furo exclusivo planejado pelo jornal. Fui claro?

— Senhor — Luís ergue ergue o braço de forma receosa, sendo logo encarado por Adussay Filho — O que é código ANA?

— Alerta Nacional aos Agentes, estágiário — o homem replica, brusco, puxando a gravata como se esta o estivesse sufocando — Um famosinho bêbado feito um gambá batendo o carro em frente ao meu prédio, como se isso fosse relevante o suficiente para acionar forças especiais. Rá! Em frente ao meu prédio. Desçam e façam a maldita reportagem agora!

— Sim, senhor — o rapaz murmura de volta, envergonhado, e suas desculpas são abafadas pelo burburinho instalado no recinto.

— Aposto que é o Luan Santana! Bem que eu ouvi rumores de que ele estaria por aqui, e tendo terminado com a namorada tão recentemente... Pode vir se consolar aqui mesmo Luan, eu deixo — comenta uma fofoqueira, rindo.

— Ah, pelo amor de Deus, esses famosinhos só querem atenção, são piores que crianças mimadas — sua colega replica, revirando os olhos na direção de Luís — Você vai com a gente?

— Quem, eu? — pergunta o rapaz, desajeitado, após ter dado a clássica olhada ao redor para verificar se era com ele que a jornalista falava — Eu sou apenas um "estagiário", eu não... — começa Luís, fazendo aspas com os dedos enquanto tenta não ser tragado pela multidão de repórteres, que, sem seus óculos, abandonados às pressas sobre as mesas de trabalho, se tornavam piores que um estouro de bisões selvagens.

— Você é estagiário mesmo? — questiona Felipa, impaciente, mascando um chiclete, já conformada de ter perdido a amiga fofoqueira de vista.

— Hã, não.

— Então vem comigo — e é assim que um cara perfeitamente inofensivo e talvez inocente em demasia para um ambiente tão mordaz quanto a redação do senhor Adussay acaba atendendo ao alerta ANA junto a um alguém chamado Felipa.

***

— Então, qual é o seu nome mesmo? — a garota pergunta, tentando assumir uma postura mais profissional diante de seus subordinados.

— É Luís — ele replica, ainda mais tímido. Como lidar com o fato de que a jornalista com a qual você correspondeu à revirada de olhos é sua chefe de departamento? Parece não haver um procedimento para isso, e Luís comentou isso com Felipa antes que os outros encarregados do furo jornalístico adentrassem o elevador — Sabe, sou mais favorável a reportagens educativas sobre bisões selvagens a essas piadinhas.

— Bem, vejamos — ela ajeita os óculos de nerd "que a deixam ainda mais charmosa" na ponta do nariz, prestes a dar o bote, brincalhona — Bisões selvagens não dariam nenhuma audiência. E não seriam nem um pouco autênticos, já que não existem no Brasil. É por isso que você sempre será o estagiário, Luís Castella — conclui, engrossando a voz na última frase e fazendo toda a equipe rir.

***

— Será que a senhorita Gomes acha aquilo mesmo? — Luís questiona, fazendo algumas anotaçõs básicas finais após a polícia ter afastado a imprensa do cerne da situação — Sobre ser sempre estagiário?

— Claro que não, meu jovem — diz Felipa, se recostando na parede e massageando as próprias costas com uma pequena careta — Você é muito crédulo, como pensou em ser jornalista? Essa inocência toda quase me encanta.

— Pensei nos louvores de me sentar atrás de uma máquina de escrever e narrar fatos grandiosos — declara ele, fazendo a moça rir com gosto — E você?

— Sempre gostei de conhecer pessoas novas e contar boas histórias, então aqui estou eu depois de uma desistência da Veterinária — Felipa ergue os ombros — Mas às vezes eu chego a pensar em jogar tudo pro alto de novo, sabe? O jornalismo é muito exaustivo e competitivo; veja Adussay Filho, por exemplo, que nunca seria respeitado nesse jornal se não gritasse pelo menos três vezes por dia. Terá sucesso, possivelmente, administrando os negócios do pai, mas também todos os seus cabelos brancos em dez anos ou menos, se continuar nesse ritmo.

— Eu sinceramente gosto de acreditar que ele só relaxa nos fins de semana pra compensar tudo isso — diz Luís, meio sem jeito, mas corresponde ao sorriso brilhante de Felipa.

— Você é tão bobinho — ela ri, o abraçando de forma carinhosa enquanto bagunça seu cabelo macio e castanho claro — Dá vontade de te abaçar feito um bichinho de pelúcia e não te largar nunca mais.

***

— Seu Oséias, como lidar com isso? — questiona Luís, numa careta de concentração engraçada enquanto gira sua cadeira diante da mesa de trabalho.

— Acho que tudo isso é vontade de beijar reprimida — comenta o senhor, sorrindo, enquanto finaliza alguma matéria no computador, digitando devagar — Meu filho, não há mal algum nisso. Acho até bom, aquela menina é tão novinha e tão sozinha para estar em meio a abutres velhos como nós que você fará bem a ela, Luís.

— Eu nem havia falado com ela antes disso! — o rapaz protesta, coçando a nuca e corando um pouco.

— Se ela beijá-lo antes de que a semana acabe você me deve um almoço! — Seu Oséias ri, batendo nas costas de Luís quando este sai em direção à cafeteria.

***

— Olá, moço dos bisões selvagens — sauda Felipa no dia seguinte, entrando na fila do caixa logo atrás de Luís.

— Olá, moça — ele replica, fazendo uma pequena pausa para acrescentar "das celebridades e dos famosinhos" ao cumprimento, arrancando uma risada da colega.

— Sobrevivendo em meio aos abutres?

— Narrando fatos épicos na minha esplêndida máquina como sempre — Luís dá de ombros, e os dois se sentam juntos em uma mesa, esperando por seus cafés.

— Não acredito — fala Felipa, apertando os olhos de uma maneira adorável.

— Não acredite — ele joga as mãos para o alto, desesperado — Tive de reescrever três matérias péssimas só hoje.

— Bobo — ela ri.

***

É isso que Felipa repete ao finalmente unir seus lábios com gosto de café aos de Luís, na sexta feira.

— Bobo.

— Você me adora, confesse.

— Confesso.

— Eu também.

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⏰ Last updated: Jan 17, 2017 ⏰

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