Capítulo Único

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Amor Impossível

Este não é mais um romance. Venho vos contar uma história sobre o amor. O conto que abrirá vossos olhos para os cantos e encantos de vossas vidas. Não me responsabilizarei pelos efeitos causados. Porém, se vós ledes o que escrevi até aqui, suplico para que insistais. Neste texto falaremos sobre o sentimento mais nobre de todos: o amor.

Ah, o amor! Como algo tão puro e único poderá magoar alguém? Pergunto-vos, aqui, quantas vezes vossos planos foram interrompidos por um amor que não vos fôreis recíprocos. Pensai, mas não me digais. Voltarei a esta indagação no momento certo. Agora, deixai-me chegar ao ponto. Quero vos contar uma de minhas histórias favoritas, esta que, por sua vez, só comove aqueles os quais acreditam cegamente no amor e em todas as suas formas.

Viajaremos juntos ao noroeste alemão, mais precisamente ao vale do rio Neckar, onde se localiza a belíssima cidade de Heidelberg. Apertem os cintos, estamos próximos de nossa aterrissagem. Conhecido pelas cervejas em abundância, o distrito se destaca como a pátria que acolheu Martinho Lutero durante a reforma protestante na Alemanha. Todavia, não é por causa disso que estamos aqui.

Ao redor do rio, casebres e prédios baixos polvilham a paisagem marcante. Uma ponte de tijolos belíssima complementa o design pitoresco de cada detalhe. Se estivéssemos em um quadro à exposição, os melhores críticos nos julgariam como impecáveis. Sim, esta é a maneira como eu descrevo o lugar em que estamos.

Na praça principal da cidade, Bismarckplatz, encontra-se o protagonista de nossa história. Peço para que não vos assusteis. Não ruína, nem recém-restaurado, o velho edifício amarelado desistiu de amar. E, por conta desta desilusão, narrar-vos-ei este relato.

Há sessenta e sete anos atrás, o prédio áureo vivia só. Os dias se resumiam em claridade, movimento contínuo e ruídos exacerbados, somados à escuridão, frio e silencio. Vida pacata, no entanto, tediosa. Assistindo a cada hora os casais apaixonados selarem os lábios ou, os mais íntimos, adentrarem-no para ter privacidade, a personagem perdeu o gosto dela vida.

Como se não houvesse mais saída, Flavo, como o chamarei daqui por diante, aceitou que estava fadada à mesmice e, assim, adormeceu. Profundo e avassalador, o sono lhe embalou. Ora fingia não ouvir os sons em torno de si, ora considerava as buzinas uma canção de ninar. Nada mais era capaz de acordá-lo. Aliás, quase nada. Numa noite, o vento estava turbulento e um tanto irregular, expulsando vagarosamente as nuvens que comumente habitava os céus. A luminosidade atípica despertou Flavo, e ele, mesmo que emburrado com o feito, pôde sentir a carícia da lua no tocar em sua face.

Como num foguete, sentiu-se ir da terra ao espaço sideral em questão de segundos. Não se lembrava da última vez em que pudera sentir tamanha delicadeza. Flavo estava nos ares com aquele beijo gelado esbranquiçando cada tijolo sob o emassado. Notou que aquela companhia era exatamente o que ele precisava.

A lua pintava fortemente de branco o céu quase negro. Sua luz conseguia iluminar toda a cidade como um amanhecer. Para Flavo, aquela era, sem dúvidas, a mais linda declaração de amor. Sem precisar de mais noites, o prédio amarelado baixo na praça de Bismarckplatz estava completamente apaixonado pelo luar. Ciente de que em poucas horas a amante partiria, ele escolheu esperá-la até o próximo anoitecer. E assim sucessivamente para sempre.

Flavo notou que era platônica a sua paixão, afinal a gigante lua jamais percebera sua presença ali. Todas as noites ela vinha, mesmo que sob as nuvens e nunca beijara o prédio de forma tão penetrante. Aquela noite foi especial. Ele deveria mostrá-la que naquela praça era o seu lugar. Acendendo e piscando as luzes acesas dos moradores, o primeiro sinal foi enviado. A altura do rio próximo ali subiu, de acordo com o que um rapaz disse para o homem ao seu lado. O pequeno gesto de gravidade foi o suficiente para ele supor que ali o relacionamento se iniciou.

Quem diria que objetos inanimados fossem capazes de amar, não é? Independente de espécies, materiais e de como se originam, os romances surgem de qualquer elemento, a todo instante. Pensai que agora o vosso tênis pode estar se apaixonando pela sapatilha guardada no guarda roupa ou até mesmo pelo tapete velho sobre o chão do banheiro. Isto é o amor, um fenômeno inexplicavelmente devastador. Rimou. Perdoai-me, não fora a intenção. Ao menos, é isso que me encanta no amor, não precisar de motivos. Evitar os porquês. O que mais vos maravilha?

Vede bem, bastou um parágrafo para que eu me dispersasse. Voltemos, então. Eu vos disse anteriormente que a história era um desamor, certo? Chegarei lá. Como um conto envolvente qualquer, tudo pareceu dar muito certo no começo.

Conforme a manhã invadia a cidade, a tristeza ganhava o prédio áureo. As horas passavam arrastadas. Entretanto, quando o sol começava a se esconder, ele esperava os brilhos alvos surgirem em meio à escuridão. Quando a claridade iluminava o asfalto — o qual, para época, era algo extremamente moderno —, Flavo sabia que ela estava ali. Seu brilho esplêndido hipnotizava o prédio. Como se o beijo de luz fosse uma espécie de fervor devido a um contato duradouro de gelo na pele. Aquele era o começo de um relacionamento longínquo. Estavam juntos até o dia em que não houvesse mais luar.

Cochilava durante o dia para aguardar a amante ao anoitecer. Dia após dia. Aquele romance só crescia. Até mesmo quando a lua estava tímida, escondida atrás da névoa, num minguante sedutor, ele a esperava. Nem mesmo o calor ameno do verão diminuía a frieza que tanto o encantava. Aquele era seu ponto fraco. A temperatura gélida contra suas paredes amareladas. E sua beleza. Céus, como era lindo o luar visto dali. À cada subida do nível do rio Neckar, mais entregue a lua parecia estar.

Foi assim por uma sequência de dias incalculáveis, talvez oito ou nove, mas este número não é demasiado importante. A questão é que três semanas depois desse namoro puro, a lua se atrasou. As nuvens carregadas tampavam qualquer resquício de luz. De repente, um risco desenhou os céus de ponta a ponta, iludindo-o com a possibilidade de ser a amada. As gotas geladas escorreram por toda a sua pintura, como se lhe alertassem de que naquela noite ela não viria. E, de fato, ela não apareceu. Por dois dias não havia nem se quer um sinal do paradeiro da lua.

Noutro entardecer, a fresta de luz ao contrário da tímida que o instigava fez com que descobrisse onde os aros luminosos tocavam.

Agora, meus leitores, chegamos à parte triste da história. Preparei-vos desde o início para este momento, então não me odeiem por narrá-la. Nem sempre acreditamos no que é certo. Muitas vezes, por almejarmos muito algo, criamos falsas verdades e acreditamos nelas para nos confortarmos. Ou pior, às vezes nos iludimos com nossa própria imaginação, alimentamo-la e vivemos um mundo só nosso. Foi exatamente isso o que aconteceu com Flavo.

Naquele instante, o prédio baixo se deu conta de que a lua não estava ali só para ele. Mas, sim, para toda a praça de Bismarckplatz e toda a cidade de Heidelberg. Como um clarão tão belo poderia acompanhar somente um dos pequenos prédios ao redor do distrito romântico. O ciúme do toque singelo da lua no castelo medieval ainda erguido foi o responsável pelo ódio momentâneo na lua.

Que atire a primeira pedra aquele quem nunca acreditou num envolvimento que só existia na própria cabeça. Junto à dúvida que eu vos questionei mais cedo, indagar-vos-ei quanto o significado de "recíproco". Contai-me, com vossos julgamentos, se a lua iludiu o prédio ou se Flavo fora tolo quando concluiu que o que tinham era um relacionamento. A mágoa lhe foi suficiente para esquecê-la e adormecer todas as vezes em que a luz tocasse às ruas.

Contudo, apesar da insistência de Flavo para dormir todas as noites e evitar de encontrar o luar, ele espiava brevemente entre os cochilos a luminosidade no céu. Para ter a certeza de que a lua ainda estava ali, protegendo-o, em Heidelberg. E, para nutrir sua paixão, ela sempre estava.

Dizem as más línguas que até hoje o prédio amarelo da praça de Bismarckplatz ainda namora a lua em silêncio, mas não posso afirmar. Confidenciar-vos-ei que eu acredito na essência mais pura do amor. Sendo assim, ouso a pensar que enquanto os tijolos de Flavo os mantiverem de pé, ele amará fielmente a lua, mesmo com atrasos e faltas, mesmo com diversos "apesares". Porque, para o camarada aqui que vos fala, este é o amor. Paciente e respeitoso, o amor é o fenômeno mais contagiante já visto. Dito isso, suplico-vos que ameis. Amai todos ao vosso redor, inclusive os que não vos fôsseis recíprocos. Desta maneira, o amor de Flavo e Lua sempre permanecerá.

Unmögliche LiebeWhere stories live. Discover now