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Estava levando a minha filha para sua escola nova, com os vidros do carro fechado e o ar condicionado no máximo. Fazia 26 graus e o céu estava nublado, o que era comum nas primeiras horas da manhã. Estava com roupas sociais, porque depois de deixar Nicolle na escola, iria para o meu novo escritório e ela estava com um péssimo humor, pois não queria mudar de escola:

–Já vamos chegar nessa droga de escola?– Perguntou Nicolle

–Filha, o que eu disse agora pouco?– Perguntei paciente

–"Dê uma chance a escola, talvez não seja tão ruim assim"– Debochou– Mãe, a senhora mesma me falou que sua época no CCR não foi tão boa assim

Revirei os olhos em protesto. Eu já havia contado a minha historia no Colégio Cristo Redentor, mas era pra ela aprender a não repetir o que eu fazia, não pra usar como desculpa dizendo que o colégio era terrível. Na verdade era um colégio muito bom, e eu guardava ótimas lembranças da minha adolescência ali, pena que aproveitei pouco:

–Você sabe o porquê de não ter sido bom, então para de birra Nicolle– Respondi grossa

–Mas mã...

–Para filha, dá pra entender que eu não confio em outra escola pra te colocar nessa cidade. No Santa Maria é muito esnobe, No Dom Frederico eu quase não vou te ver e a outra escola eu nem conheço– Explodi tudo de uma vez– São só dois anos e depois você vai pra faculdade no lugar que quiser. Agora por favor, dá uma chance pro colégio

Vi que minha filha estava com os olhos cheios de lagrimas. Ela tinha herdado de mim a facilidade de chorar por qualquer coisa quando era criança, e , assim como eu, ela foi controlando até chorar apenas por um único motivo: Raiva

Eu sabia o porquê daquela raiva. Ela estava com raiva por ter que mudar de cidade, por ter que mudar de escola no segundo ano do médio, raiva do mundo por sempre julgá-la, raiva de Deus por ter levado o pai dela, e de mim por parecer que tudo isso não me abalava. Mas me abalava muito, só que eu precisava ser forte pra ela, mesmo que não entendesse:

–Tá bom mãe. Vou tentar– Respondeu ela me surpreendendo– Só não chora, ta bem?

–Tudo bem filha– Respondi levando uma mão ao rosto e percebi que ele estava úmido. Eu comecei a chorar e nem ao menos havia percebido– Chegamos.

Paramos em frente de um prédio de três andares com vários alunos vestidos com a blusa da escola e calças jeans. Nicolle olhava melancolicamente, mas o que eu podia fazer? Ficar em Belém não era uma opção.

–Filha, eu sei que não é fácil. Mas não podíamos ficar mais em Belém e...

–Eu sei disso mãe, só me dá um tempo pra me adaptar. Ok?

Pude ver a sinceridade nos olhos azuis da minha filha, e isso me aliviou um pouco. Ela não era de fazer promessas, pois dizia que não adiantava prometer o que não se podia cumprir, mas aquilo era o mais próximo de uma promessa que ela ia poder me dar.

–Tudo bem.–Respondi– Agora vai, se não você se atrasa.

–Ta. Tchau mãe

Depois disso, ela saiu do carro, eu dirigi até o meu novo local de trabalho, mesmo ainda sendo cedo demais pra ir. Só que quando eu cheguei ao estacionamento, eu comecei a chorar com tudo o que tava acontecendo, eu não queria aquelas mudanças tanto quanto a Nicolle, mas eu preferia isso a ficar no mesmo lugar em que eu passei anos da minha vida com um mentiroso que chamei de marido, que agora se encontrava sete palmos abaixo do chão.

Eu até tentei, pela Nicolle, mas não passou de um ano. E se tem um lugar no mundo que é capaz de me trazer paz apenas por estar ali, esse lugar era Santarém. Era algo inexplicável, mas era o que eu sentia desde os nove anos de idade.

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⏰ Última atualização: Sep 07, 2016 ⏰

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