O dia em que conheci Bernardo

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Passos angustiados. Pernas finas. Unhas comidas. Dedos retos. Mãos eufóricas. Braços discretos. Bernardo tenta soltar seu corpo em leves pulinhos, mas pelo peso, logo retorna ao chão, sua mochila escorre lhe às costas arrastada ao piso, tombando de tempos em tempos pelo seu calcanhar rígido e infante.

Sapatos batendo no chão. Carteira mole. Cadeira dura. Última fileira no canto esquerdo da sala. Franja bagunçada. Colegas. O menino está na arena, local que passará suas próximas 5 horas do dia, 25 por semana, 1.000 por ano, olhando para o mesmo adulto de olhos cansados e voz rouca que marcava severas reuniões com a sua mãe à cada 20 dias para relatar as conduta de seu filho.

Aos olhos de seu professor, Bernardo é o típico moleque de 1,60m que não consegue prestar atenção nas aulas, a peça que não se encaixa em sua didática, tampouco, na escola.

"Moleque-problema"

Aos seus olhos, Seu Roberto é o típico professor velho, cansado, ultrapassado, que prefere leva-lo à direção a cada 2 aulas, do que dar-lhe a atenção merecida. O adulto chato e emburrado que não está pronto para o Bernardo, que não está preparado para quem não gosta de português e matemática. "Será que não existe vida após o português e a matemática?". Era a pessoa que nunca ia esquecer.

"Velho-babão"

A sala se aquece juntamente com as cadeiras de cada um. Os cabelos que lhe desce à testa já estavam oleosos quando a sirene absurdamente ensurdecedora esgoelou do outro lado da parede.

Seu pai, quem lhe busca todos os dias, espalha pelo carro perguntas distraídas ao seu filho Bernardo, enquanto, ao telefone, fala com algum cliente de sua empresa. No final da caça de perguntas e respostas, seus olhares conseguem se entrecruzarem somente quando o pai estaciona o carro.

Sua mãe era outro ser tímido na vida de Bernardo, só conseguia visualizá-la cuidando do seu irmão mais novo, fazendo comida e trocando mensagens pendurada no seu smartphone, ah, sim... esqueci-me de enumerar os momentos que ela passava dando bronca no garoto, repressão que, em sua maioria, era resultado das críticas do "Velho-babão".

Bernardo, o herói que vejo por detrás de uma janela, só encontrava sua "solução" diária, como diria muitos, na gaveta velha da cozinha. Era lá que, todos os dias, este menino se encontrava com suas amigas, as irmãs Rita Elina, as quais, segundo sua mãe, podia brincar somente duas vezes ao dia, após o café da manhã e antes do jantar.

Em meio ao mundo sem espaço para Bernardo, a brincadeira era gostosa, fazia-o distrair e relaxar para se concentrar em mais um dia como este. Porém, após cada brincadeira com as irmãs, o menino caia em suas perguntas que ninguém parecia querer ouvir. Mas ele ouvia, ouvia todas. Guardava consigo tudo, juntamente o desejo de um dia poder perguntar a alguém:

"Será que não existe vida após a Rita Elina?"



GUERRA

25.8.2017

O dia em que conheci Bernardo e outras CrônicasDonde viven las historias. Descúbrelo ahora