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E estrelas, constelações, um relógio cintilante girando desde a hora um, um bilhão de anos atrás. Deitadas sob ele, enlaçadas num abraço quente, traçam linhas imaginárias com os indicadores, rabiscando e riscando o céu frio, conectando as estrelas.

— Ursa Maior, vai!

— A primeira ursa desse mundo, que gerou todas as outras ursas e ursos, queria cuidar de todos os seus filhotes, mesmo os crescidos. Ela viveu mil anos e quando ela morreu ela escolheu brilhar para sempre lá em cima e assim olhar para todos. Fim!

— Bonitinho. Mas meio óbvio, de alguma forma. Muitas palavras repetidas, também — Anne se levanta, abandonando o abraço e ficando um pouquinho mais perto das estrelas.

— Amor, você que tem habilidade com palavras. Eu nunca esqueço daquele bilhete que deixou na minha bicicleta: quando te vi, meu coração se desfez em areia, que me inundou de deserto escaldante. E no outro dia: você deixou pegadas aqui por dentro, criou oásis maravilhosos, se tornou minha lua e meu sol. Minhas estrelas.

Anne fecha os olhos, saboreando a memória adocicada dessas palavras antigas.

— Você decorou!

— E como não decoraria? Eu lembro de ter ficado curiosa e com medo por uns dias, imaginando quem seria meu admirador secreto.

Anne se lembra do rosto de Isa quando entrou no Café em que ela trabalhava e derramou um punhado de areia sobre o balcão. Um segundo de confusão, outro de entendimento.

Meu coração era de pedra, dissera em seguida. Seus olhos ardentes o fizeram rachar, despedaçar e desfarelar. Não consigo mais segurá-lo, escapa das minhas mãos e do meu controle.

— E então, o que você diria? — Isa pergunta novamente. — Sobre a Ursa.

Anne caminha até a beira do penhasco pintado de noite, lá embaixo um poço abismo. E então permite que sua imaginação abra as asas ao olhar para a Velha Ursa no céu enluarado... e é alçada para o meio de milhares de palavras luminosas que se interligam em frases e parágrafos.

— Antigamente — de costas para Isa, deixa o vento pentear seus cabelos cinzas — o Céu e o Mar eram Um Só, e nele viviam pequenos seres de corpos azuis cintilantes.

"Se você pudesse enxergar de longe, veria uma esfera de água e céu com vários pontinhos brilhando de azul, silenciosos, como o globo de um mago.

"E nada havia além disso. Ao redor, apenas escuridão."

Anne volta-se para Isa, seus olhos azuis como versões do mundo de sua história. Isa vê vida ali, que a faz sentir dunas douradas e tempestades de areia que habitam a mente da amada.

— Até que de repente, em algum lugar, aconteceu a Grande Explosão, que estremeceu as estruturas do Universo e arrastou os pilares e alicerces que mantinham unida toda a antiga harmonia. E nosso mundo Céu-Mar foi atingido pelos detritos dessa explosão — ela agacha e apanha algo do chão. — Esses detritos.

Isa analisa o punhado de terra negra.

Anne se aproxima ainda mais, sua respiração formando uma nuvenzinha de frio.

— A terra dividiu e separou o Céu do Mar e o Mar do Céu, e o Mar cobriu o mundo, e o Céu encobriu o mundo, e...

esfarela o punhado na mão e deixa cair os fragmentos no chão

—...e choveu terra, muita terra. Tanta terra que o Mar temeu ser soterrado e começou a endurecer, numa tentativa de sobrepor esses detritos. Só que, antes que pudesse congelar por completo, a chuva parou... e toda aquela terra se juntou em grandes pedaços secos, uma doença incurável na face do mundo.

Histórias para constelaçõesWhere stories live. Discover now