Confissão

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O padre Edvaldo entrou na igreja com a batina sobre a cabeça. A chuva caía em uma torrente feroz e ele suspeitava de que havia granizo em meio ao mar que descia dos céus furiosos. Encharcado, retirou a batina e pendurou-a em um suporte de madeira colocado na entrada da igreja para paletós e chapéus. Ela estava tão pesada com a água que o suporte pendeu para um lado e ele precisou segurá-lo para que não virasse. Fazia tempo que o padre não via uma chuva daquelas.

A água entrava com força pelos portões abertos, ele colocou panos e toalhas no chão para que possíveis fieis pisassem sobre ele. Mas ele duvidava que alguém fosse aparecer na igreja. Até temia que o teto recém-reparado fosse ceder diante de tal fúria de Deus. De qualquer forma, era seu dever deixar as portas da casa de Deus abertas.

Foi ao banheiro para secar o corpo, comeu um pão com manteiga e rezou por cinco minutos. O som estridente da chuva preenchia toda a nave da igreja, como se o mundo acabasse do lado de fora. Se fosse um pouco mais pessimista, poderia pensar realmente que o apocalipse estava se iniciando.

Estremeceu enquanto rezava encarando a face de Jesus pregado na cruz. Um vento gelado entrou pelos portões. O dia fora quente, mas a chuva trouxera um clima gélido totalmente atípico. O padre pediu para que Deus não lhe trouxesse uma gripe ou resfriado, mas deixou as possibilidades abertas. Sabia que muitas pessoas precisavam mais que ele de pedidos realizados.

"Faça sua lista de prioridades", pensou.

Quando terminou suas preces, seguiu até o confessionário para pegar uma bolsa que esquecera lá no dia anterior. Abriu a porta de um dos lados e pegou aquela pequena bolsa. Passos soaram pelo assoalho gasto da igreja. Antes que ele pudesse sair para ver quem chegara, uma voz soou do outro lado dos mosaicos de madeira.

— Quero me confessar, padre — disse uma voz mórbida, seca, mas que de alguma forma parecia conter um certo sarcasmo.

— Certo... — disse o padre Edvaldo, hesitante. — Só posso arrumar umas coisas antes? Volto em poucos minutos.

— Não — disse a voz. — Minha confissão será rápida, padre.

Edvaldo suspirou e sentou-se na banqueta diante dos mosaicos. Uma silhueta apareceu do outro lado e ele podia jurar que havia um débil brilho dourado na boca do sujeito. Ouviu os sons do homem se ajoelhando.

— Prossiga.

— Abençoe-me, senhor padre, pois eu pecarei — disse o homem do outro lado do mosaico. Edvaldo sentiu um vento gélido soprando do lado de fora. Olhou por uma pequena brecha na cortina e viu que não parecia haver vento algum naquele momento. Estremeceu mais uma vez.

— Você pecará? — disse Edvaldo, sentindo um estranho odor que parecia uma mescla de chocolate com morango. — Se você ainda não o fez, pode evitar o pecado, filho.

— Não posso — disse a voz. — Eu gosto de pecar.

Edvaldo engoliu em seco.

— Por que, filho? — arriscou.

— Eu quero ver o mundo ruir. Quero ver o tempo acabar...

— Filho, você deve conversar com Deus. Escutar Vossa voz através da natureza e pedir por conselhos. Não há...

— Essa cidade sofrerá — interrompeu o homem através dos mosaicos. — A dor está a caminho. O tempo sempre traz agonia.

— Você veio aqui para caçoar do padre, filho? — disse Edvaldo, ainda sem coragem para abrir a cortina. Parecia estar muito frio do lado de fora do confessionário.

O homem não respondeu, Edvaldo escutou seus passos pelo assoalho. Abriu a cortina; um último e breve vento gelado trespassou seu corpo, como se milhares de espíritos tivessem passado através dele. Segurou com força a cruz de madeira que carregava no pescoço.

A igreja estava escura e o tempo estava fechado. Edvaldo não conseguiu ver como era o homem que seguia pela nave com passos rápidos. Tudo que distinguiu foi que utilizava uma roupa branca, como se fosse um jaleco.

Assim que o homem saiu, a torrente que caía dos céus cessou e o vento gélido ficou morno.

Edvaldo se benzeu e foi rezar novamente, sem conseguir controlar a tremedeira.


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A história tá apenas começando! Continue lendo! :)

Esse prólogo foi publicado originalmente para a edição física do livro, em 2016, e pela primeira vez é publicado no Wattpad. Espero que tenha gostado!  

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