Capítulo 1 - Admirável Mundo Velho

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Tudo começou quando a N.A.S.A. anunciou que seus telescópios voltados para o sol tinham detectado o que eles chamaram de "anomalia", uma mancha nova que se comportava irregularmente e tinha crescimento acelerado.

Logo depois, eles afirmavam que se tratava de um fenômeno absolutamente normal. Em seguida, foram produzidas dezenas de entrevistas com astrônomos fiéis à agência, que afirmavam que tudo aquilo fazia parte de um simples ciclo solar e que provavelmente os dinossauros presenciaram algo parecido. Tudo em nome do bom funcionamento da sociedade, em função da paranoia de prevenção de caos dos governos.

O ano no calendário: 2021. Meu nome é Roberto. Eu, minha esposa Carolina e nosso filho Pedro morávamos na Zona Sul do Rio de Janeiro. Tínhamos uma vida de classe média alta e planejávamos há muito tempo uma viagem em família para a Tierra Del Fuego, na Argentina, na tentativa de presenciar uma Aurora Austral.

Nós viajávamos muito e, como já tínhamos visto a Aurora Boreal no Canadá, faltava ver o que acontecia no sul.

A época não poderia ser melhor. A mancha solar parecia ter intensificado a ocorrência de tempestades solares e notícias davam conta da aparição de auroras das mais espetaculares já vistas. Isso aguçou nossa curiosidade, principalmente a de Pedro, que, de todos, era o mais eufórico, caçando imagens na internet o dia inteiro.

A mancha já estava visível a olho nu e a temida paranoia coletiva já dava o ar de sua graça. Inevitáveis seitas religiosas do apocalipse começaram a aparecer e, mesmo que tenhamos estudado e analisado as notícias racionalmente, seria impossível que isso não influenciasse os sentidos maternos de Carol:

– Rô, eu estou com uma sensação que não passa, de que algo muito ruim está para acontecer. Não seria melhor adiarmos essa viagem para depois que essa loucura tiver reduzido? - disse ela.

Eu sou agnóstico e Carol acredita no espiritismo. Por isso, ela nunca costumava desprezar o que considerava "avisos do plano superior".

– Amor, você sabe que eu gostaria muito de ter essa experiência em vida, mas agora não é mais por mim que quero fazer isso, mas sim pelo nosso filho, que está completamente excitado com essa viagem de uma forma que não vi em nenhuma das anteriores. Será uma grande frustração para ele se não formos - retruquei.

Nos dias seguintes, nós fizemos os preparativos para a viagem. Procuramos hotel, fizemos a reserva, compramos as passagens aéreas e reforçamos nosso armário com roupas de frio. Afinal, no Rio Grande seria tão frio quanto no Canadá.

Eu me considerava preparado para o final do mundo por ter visto muitos filmes do gênero. Apesar de meu ceticismo quanto à possibilidade de acontecer o apocalipse bíblico, eu sempre soube que o equilíbrio da vida na terra era uma situação transitória já que o planeta havia experimentado mais de um evento de extinção em massa. Por isso, eu achava que deveríamos estar sempre preparados, independentemente da paranoia crescente naquele momento.

Pedro contava os dias. Era impossível não perceber a sua felicidade precedendo essa viagem e isso causava-me um sentimento de bem-estar que aliviava as pressões do cotidiano insano da época. O país e o mundo em caos político, financeiro e de desabastecimento, as pessoas a cada dia mais intolerantes quanto às diferenças e querendo impor seus estilos de vida aos demais.

As periferias tornavam-se cada vez mais pobres, a violência atingia níveis jamais alcançados. Era um sinal claro da saturação do mundo moderno, ponto em que, inevitavelmente, ocorrem as quedas. Era a raça humana entrando em colapso.

Na véspera da nossa viagem, o noticiário falava de uma reunião chamada às pressas do G20, grupo dos vinte países mais ricos do mundo. O assunto oficial era definir uma forma de solução para o desabastecimento que já castigava as populações por mais de dois anos.

Era de Aquarius - Sobreviventes do Fim do MundoOnde histórias criam vida. Descubra agora