Conto - A cela

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Se você está lendo este relato, significa que consegui fugir ou estou morto. Sim, você já deve ter lido este clichê em vários lugares antes, mas acredito que seja a melhor maneira de lhes contar a minha história.

Nasci em um local popularmente chamado de cativeiro pelas pessoas. Provavelmente tive irmãos ou irmãs, mas não tive a oportunidade de conhecê-los. Ainda extremamente jovem fui separado dos meus pais e posto no local onde narro este relato. Este maldito lugar, que traz esta falsa noção de liberdade. Este lugar em que fiquei aprisionado por pelo menos onze anos. Um lugar que me oprimia mesmo de olhos fechados. Uma cela alta, com pelo menos três vezes a minha altura, muito estreita nas suas laterais. Sempre com o mínimo necessário para sobreviver. A mesma comida praticamente todos os dias e água basicamente. Minhas necessidades escatológicas eram feitas no mesmo local onde vivia. Jamais em uma vida de liberdade realizaria tal ato asqueroso. Mas justamente por estar encarcerado, não existiam outras opções. Uma única porta me separava do ambiente externo. Nitidamente seu sistema de abrir e fechar eram apenas por fora, por onde eu jamais conseguiria abrir sozinho. Além das barras serem absurdamente estreitas, o chão era recoberto por um papel repleto de palavras e imagens pretas e brancas, junto de um fino tecido que revestia a parte externa da cela, preenchendo-a quase até a metade de baixo para cima.

Fora da minha clausura enxergava o que parecia ser uma casa, com cinco moradores. Os mesmos movimentavam a jaula tranquilamente, situando-a em diferentes lugares. Ficava impressionado com tal força e por esse motivo também sentia medo, que por vários momentos me deixavam desesperado. Incontrolavelmente gritava em muitos instantes. Repetidas vezes. E era notável o incômodo que meu desespero causava. Eles se aproximavam das grades e gritavam dizendo diversas vezes para fechar o bico, entre outras ofensas. Sempre aos berros. Não conseguiam compreender meu estado emocional fudido. Simplesmente falavam. Porém o pior não eram os gritos, nem mesmo as diversas tentativas de tocar em mim, mas sim os períodos de escuridão. Quando era acometido por minhas crises de pavor e agonia, e iniciava uma série de berros ininterrupta, as pessoas que viviam na casa se aproximavam e misteriosamente cessavam qualquer tipo de luminosidade que adentrava a cela, me fazendo pensar que a noite havia chegado sem mais nem menos. Nas primeiras vezes fiquei espantado, pois ao mesmo tempo aquilo me acalmava um pouco e ainda assim podia ouvi-los no lado de fora. Deveria acontecer apenas no local onde eu estava. Mas com o tempo, aquilo sendo repetido diversas vezes me deixava deprimido e profundamente estressado, me fazendo confundir as horas de dormir e acordar. Portanto vivia constantemente cansado, por querer sempre estar em alerta caso houvesse uma situação de risco ou quem sabe uma brecha para escapar. Mas mesmo que houvesse esta segunda possibilidade, para onde eu iria? Esta questão era refletida a todo tempo. Mas nunca respondida.

Constantemente sentia meu corpo "travado". Havia a necessidade de poder me movimentar mais, porém com a grande limitação do espaço, isto era inviável. Existiam três estruturas circulares de madeira situadas dentro da cela, alocadas nas laterais e trespassando de um lado ao outro, garantiam-me certa mobilidade. Sendo que uma destas estruturas estava a uma elevação superior a das outras. Mas não eram suficientes para me exercitar. Serviam-me apenas como apoio e em outras vezes como local para repousar, já que dormir estava fora de cogitação.

Outras pessoas chegavam nesta casa onde estava minha prisão. Muitos estranhos vinham até mim, me viam e sorriam apenas. Mais barulho era emitido. Logicamente eu implorava por ajuda. Em todas às vezes fui ignorado e "premiado" com a escuridão repentina, sempre levando horas para cessar. O que me deixava mais confuso quando retornava a visibilidade era que em algumas destas vezes já estava noite e não havia ninguém ali, e foi ai que comecei a notar certos padrões daqueles seres.

Acostumei-me com o tempo e com tudo. Alimentava-me e não fazia questão de agradar ninguém, já que em algumas situações vinham trocar palavras comigo num tom carinhoso, mas nunca saí dali. Pedaços de comidas diferentes eram raras. Eram apenas falsos mimos.

Espero realmente ter conseguido fugir, o que honestamente acho difícil. Depois de tanto estar aqui neste lugar me tornei pessimista. Porém nunca deixei de ter um singular sonho, de finalmente ter a oportunidade de bater as minhas asas fora desta gaiola...

A celaWhere stories live. Discover now