Capítulo 1

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- Sim, e isso está me irritando profundamente – disse para Lia no telefone.

- Plia, é véspera de nata! Você tem que parar de implicar com essas pessoas por ao menos uma noite – eu amava minha amiga com todo o meu coração, mas ela não conseguia entender o que estava acontecendo dessa vez.

Não que eu a culpe, claro. Eu também tive dificuldades de me adaptar e compreender completamente o que estava acontecendo. Faziam exatos 44 dias que minha mãe tinha se casado com Roberto, e minha vida se alterou completamente. Se mudar de uma quitinete para uma mansão enorme tende a abalar a vida de alguém.

- Você não tá entendendo! Eu tô passando o natal em um clube de golfe! CLUBE DE GOLFE! Lia, a gente não tá nos Estados Unidos! O lugar é tão grande que dá pra caber o meu bairro aqui dentro cinco vezes!

- Isso não é desculpa, bebê – falou como quem tivesse dó de mim – Olha, a gente já estabeleceu que o Roberto é gente boa e que você não ia estragar a relação dos dois, então você tem que ao menos tentar se enturmar.

- Como que eu vou me enturmar aqui sendo que tudo que eles falam é sobre polo e eu não entendo desses esportes de gente rica? Eu não entendo por que alguém iria querer jogar hóquei e andar a cavalo ao mesmo tempo! Escolhe um, caralho! Eu já devo ter ofendido alguém simplesmente porque meu vestido é da estação passada ou porque meu sapato não é alta costura.

- Plia, eu te amo e você sabe, mas eu não posso passar o natal inteiro no telefone te ajudando. Até por que tá na hora de você levar esse seu traseiro redondinho pra dentro e tirar essa carranca da sua cara.

- Mas, Lia...

- Sem "mas" – ela me interrompeu – Eu tenho que ir embora. Minha mãe tá me chamando pra eu conhecer minha tia vó Gertrudes.

- Manda um beijo pra ela – falei pra tentar comprar mais um tempinho pra mim, mas Letícia já tinha desligado.

- Filha da puta – praguejei e me arrastei pela parede dramaticamente até minha bunda bater no chão.

Fechei os olhos e inspirei fundo. A única coisa daqui que eu gostava de verdade era o ar. Muito melhor do que a poluição do centro da cidade.

Eu não queria entrar. Eu não queria entrar. Eu preferia morrer.

Eu podia muito bem simplesmente sair daqui. Quero dizer, eu já tô do lado de fora mesmo, a única coisa que prendia aqui era a promessa que eu tinha feito pra minha mãe.

Às vezes eu queria não ter uma consciência.

Como um detento que aceita sua pena, levantei-me e caminhei até a porta do salão. Um dos empregados de terno abriu a porta para mim e eu agradeci rapidamente antes de entrar.

O cheiro do banquete e o barulho das conversas me atingiram instantaneamente. Era muita informação para processar. Eu só queria achar minha mãe e implorar para eu ir embora. Se ao menos eu conseguisse a encontrar.

Ignorando as pessoas que me encaravam por estar parada na entrada do lugar, consegui localizar a mulher. Caminhei até a mesa como quem não estava do lado de fora porque odiava aqui.

- Mãe, lembra daquilo que a gente estava conversando no carro? – perguntei meio que ajoelhada do lado de sua cadeira.

- Pluméria, não seja rude! Eu estou conversando – respirei fundo para não revirar os olhos. Eu já tinha implorado de todas as maneiras para ela não me chamar daquilo.

- Plia, querida venha cá! Quero te apresentar a algumas pessoas! – Roberto chamou do outro lado da mesa. Ao menos ele me chamava pelo meu apelido.

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