Conto...

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Campos do Jordão, março de 1980. Helena é uma linda moça de 21 anos, criada em um orfanato no interior de São Paulo que, ao completar sua maior idade, teve que deixar o único lar que conheceu em toda sua vida e, mesmo crescendo em um ambiente nada familiar, tornou-se uma moça muito doce, carinhosa e cheia de sonhos e planos para o futuro que a esperava por de trás daquele imenso portão onde lhe havia passado toda sua vida.
Apesar de grata pelas freiras e tias que ao longo dos anos conheceu, não pretendia mais voltar àquele lugar triste em certas horas, nem muito menos perder tempo, procurando saber quem foi aqueles que a geraram.
Helena tinha agora, um livro e muitas folhas em branco para escrever sua nova história. Depois de se despedir de todos, entre lágrimas, beijos, abraços e desejos de boa sorte, a moça de cabelos loiros e muito bem feita de corpo foi embora sem nem ao menos olhar para traz com sua bolsa tiracolo, algumas economias que juntou desde a adolescência, vendendo artesanatos e recebendo um pequeno salário depois que completara seus 18 anos por cuidar dos novatos que iam chegando aquele pequeno lar.
Na mão, uma mala pequena com algumas roupas, ainda sem ter decidido para onde ir, quando chegou à pequena rodoviária de Campos do Jordão, assim que sentou um pouco logo veio uma senhora com seus cabelos brancos aparentando ter seus oitenta anos puxou assunto com ela indagando se saberia dizer que horas o ônibus que iria para São Paulo ia sair ao certo.
− Boa tarde mocinha! Estou meio perdida... estou indo para São Paulo visitar minha filha, você saberia dizer se o ônibus vai demorar a encostar? Perguntou à senhora.
− Boa tarde, senhora! Na verdade eu acabei de chegar e ainda não sei que rumo tomar.  Respondeu meio encabulada.
− Está com algum problema? Indagou à senhora.
− Não! Imagina... resumindo, Helena, a sua história para a senhora.
− Entendi perfeitamente, já que você não sabe para onde ir, porque não compra uma passagem e vamos juntas para São Paulo? Você não imagina, mas minha filha tem uma pensão na Mooca, é por isso que sempre sou eu que vou visitá-la; enquanto tiver saúde, porque o agito da cidade grande eu não aguento todo dia.
− Aceito sua sugestão, muito prazer eu me chamo Helena de Jesus, foi o nome que as freiras me deram. Apresentou-se à senhora.
− Eu me chamo Alzira e acho melhor você comprar a sua passagem e, aproveite, pergunte que horas vai encostar o ônibus, porque pelos meus cálculos, ele já está mais que atrasado. Falou com um belo sorriso.
− Está certo! Vou agora mesmo. Vigie minha mala que volto em um instante; Helena foi sem demora.
Enquanto a jovem moça foi comprar sua passagem, o ônibus encostou, e logo as duas entraram e seguiram viagem conversando e se conhecendo melhor um pouco de cada uma. Depois da longa viagem, ao chegar à imensa rodoviária de São Paulo, lá esperava por dona Alzira, a sua filha Conceição com seu esposo Osvaldo.
− Mamãe, que saudade!
− Deus te abençoe! − Meus filhos, eu também estava com muitas saudades, como vocês estão?
– Nossa! Já ia me esquecendo: essa é Helena; ela foi criada no orfanato das freiras; eu a conheci na rodoviária e, como ela estava sem destino, disse que você tem uma pensão e que talvez pudesse ter um quarto vago.
– Muito prazer, Helena! Você está mesmo com sorte; essa semana me vagou um quarto, talvez você goste. Você tem alguma profissão? Indagou Conceição.
– Na verdade, eu estudei e fui criada no orfanato e só trabalhei por lá mesmo. Só conclui o ensino médio, mas, acho que já dá pra começar.
– Não se preocupe. Se você não se importa eu tenho um emprego pra você; não é registrado porque não temos como registrar, mas, preciso de uma recepcionista na minha pensão, para me ajudar com os hospedes e com a organização das contas, eu e Osvaldo, sozinhos, ficamos muito sobrecarregados e, por falar nisso, a cozinheira está sozinha lá e, logo, chega os rapazes da faculdade que estão hospedados para o almoço, melhor irmos logo para casa.
– Por mim está ótimo esse emprego, aceito com muito prazer.
Todos se acomodaram na Kombi ano 76, branca, que comprou com as economias feitas ao longo dos anos e, com uma pequena parte da herança que seu velho avô Valdomiro havia lhe deixado em testamento, pôde inteirar e comprá-la e, isso ajuda muito com as compras da pensão.
Chegando todos à pensão "São Jorge", D. Conceição foi tratando de acomodar Helena e sua mãe: cada uma em um quarto, para poderem descansar da viagem.
– Mamãe, a senhora é de casa, pode se acomodar no quarto de sempre, daqui do andar de baixo, enquanto eu vou acomodar Helena no terceiro andar, no sótão, é nosso único quarto disponível e, lá, ninguém vai te incomodar, tenho certeza que você vai gostar. Nesse momento, um grupo de rapazes chegou, todos conversando e rindo ao mesmo tempo, foi quando um, entre os seis, mais garbosos e falantes, chamou atenção de Helena, ao olhar tão fixamente para ela deixando-a muito encabulada.
– Pode subir Helena. Descanse à vontade, assim que der, levo seu almoço; melhor comer no quarto, hoje, assim poderá descansar da viagem.
– Muito obrigada, dona Conceição. A senhora é um amor. Deus abençoe também sua mãe que muito me ajudou, me trazendo para cá.
– Por nada! Agora, descanse bem.
Sacudindo um sino, para que os rapazes fizessem silêncio, D. Conceição falou:
– Rapazes, respeitem os outros hóspedes que estão almoçando, todos os dias tenho que dizer a mesma coisa.
Dessa forma, o silêncio pode reinar. Assim que dona Conceição serviu ao Álvaro, um estudante de medicina, rapaz alto, moreno, cabelos pretos e, olhos castanhos escuros, com feições finas e muito educado, aparentemente muito correto, já estava no seu último ano de faculdade, fazendo estágio em um hospital público da grande São Paulo, quase de malas prontas para voltar para Minas Gerais com seu diploma tão sonhado pelos seus pais.
– D. Conceição, por gentileza, me diga quem é a moça que veio com sua mãe? É alguma sobrinha sua? Indagou curioso e falando baixo para os amigos não ouvirem do que falava.
– Álvaro, não venha se engraçar para a protegida de mamãe. Ela veio trabalhar e morar aqui, e pessoa humilde e não é para seu bico, é moça direita. Falou ralhando com ele.
– Eu nunca vi moça tão linda assim, e ainda mais por aqui.
Então, você agora viu, e deixe a moça em paz, não me crie problemas, a moça precisa trabalhar e ter um lugar para morar, estamos entendido?
– Sim, senhora!
Aqueles dias passaram, e Helena já estava craque na recepção, sempre que dava ajudava dona Conceição na cozinha, e a noite para adiantar todo serviço.
– Mamãe, a senhora não trouxe uma moça, mas sim um anjo para me ajudar. Como estou feliz com você aqui Helena, gostaria de lhe pagar um pouco mais, só que nesse momento estou muito apertada.
– Imagina dona Conceição, só o que a senhora fez por mim, não há dinheiro que pague, eu que sou inteiramente grata por tudo e, principalmente, a dona Alzira.
– Se eu soubesse que você era tão boa assim, eu tinha lhe contrato para ser minha companhia.
– Nem pensar, mamãe, que Helena daqui, nunca mais vai embora, ela é agora a filha que não tive. Nesse momento, Conceição chorou de emoção ao lembrar-se da filha que morrera ao nascer há dez anos.
– Não chore, minha filha! Ela está no céu e você bem que poderia ter tentado ter outra criança.
– Eu sempre disse isso a ela, minha sogra, mas, o medo foi sempre o maior que tudo. Falou Osvaldo abraçando a esposa.
– D. Conceição, quero lhe fazer uma promessa, se a senhora aceitar, é claro? E, se um dia Deus primeiramente permitir, se eu casar um dia e tiver uma filha, quero lhe dar para batizar junto ao Sr. Osvaldo e, eu não sei o nome da sua filha, mas gostaria de homenagear com todo carinho e gratidão a vocês colocando o mesmo nome.
– Mas é claro que aceitamos, não é mesmo, Osvaldo? O nome da nossa menina era Olívia, nosso anjinho.
– Como estou feliz, minha filha, por você estar contente com a chegada de Helena; amanhã vou para casa feliz porque em anos que venho lhe visitar e percebo que você está mais contente.
– Verdade mamãe! Helena trouxe luz para nossas vidas; obrigada por ter trazido esse anjo para nós.
Na manhã seguinte, Helena se despediu de dona Alzira na pensão, pois, D. Conceição e seu Osvaldo foram levá-la na rodoviária. Assim que voltou aos seus afazeres, entretida no balcão, não percebeu quando Álvaro se aproximou.
– Bom dia moça?
– Bom dia, Dr. Álvaro! Em que posso ajudar?
– Me chame de Álvaro, por gentileza. Vi quando dona Conceição saiu com seu Osvaldo e, desde a primeira vez que lhe vi, fiquei encantado, mas, dona Conceição me proibiu de conversar com você, temendo más intenções. Eu gostaria de lhe convidar a noite, para um lanche na praça?
– Bom! Na verdade, eu não lhe conheço bem e não sei se devo.
– Você é encantadora, por favor, pense com carinho! Insistiu.
– Vou pensar, mas se decidir ir, falarei com dona Conceição, não posso trair sua confiança, agora se me dê licença, preciso ajudar na cozinha.
– Tudo bem moça; se decidir ir, me avise no fim da tarde! – Aviso sim.
O dia passou e, depois do almoço, Helena chamou D. Conceição no quarto dela para uma conversa em particular.
– Estou notando você um pouco aflita, o que está acontecendo minha filha?
– D. Conceição, com todo respeito que lhe devo e gratidão, quero saber sua opinião a respeito de um jovem rapaz que mora aqui na pensão?
– Já sei, é o Álvaro, não é? Ele já fez muitas perguntas a seu respeito, mas, preferi não lhe falar; até o proibi de mexer com você, eles já conhecem um pouco da vida, e você é uma moça honesta.
– Obrigada, D. Conceição. A senhora é uma mãe pra mim, eu realmente nada sei de namoro, paquera ou qualquer coisa da vida, por isso lhe chamei; eu também já havia reparado nele, alguns olhares, mas, nunca teria coragem de falar com ele, até que hoje ele veio até a mim, muito educado e, me pareceu sincero, mas não tenho certeza, só estou aqui há quase um mês e a senhora o conhece mais tempo.
– Sim, filha, Álvaro já está aqui há quase seis anos, volta nas férias para casa em Minas Gerais, na casa dos pais, e retorna quando começa a faculdade, ele nunca me causou problemas ou trouxe moças para cá, isso jamais, até porque não permitimos.
– Não vou dizer que vou namorá-lo, mas, podemos ser amigos não é mesmo?
– Minha filha, ele pode até ter boas intenções, mas, eu acho que ele quer namoro ou só paquerar você, e pelo que sei, nunca namorou ninguém. E o que sabe da vida? Converse muito, se conheçam bem, para depois namorar. Na verdade tenho medo que ele só queira brincar com você, já que até o fim desse ano, ele vai voltar para a cidade dele formado em medicina.
– Ele me chamou para um lanche a noitinha...
– Eu vou dizer a ele que você então vai, mas, antes, vou avisar que se meter o safadinho, eu ligo para os pais deles e o expulso da pensão.
– Está certo, sendo assim, até eu, vou mais tranquila.
No fundo do coração, Helena estava derretida por Álvaro; ele era um rapaz muito bonito, falava muito bem, era educado e parecia ser muito gentil.
E como havia prometido, assim que ele chegou, no fim da tarde, dona Conceição foi falar com ele.
– Ei, rapazinho! Sente-se aqui um instante, preciso lhe falar: você está aqui conosco há alguns anos, nunca nos trouxe problemas; gosto muito de você e ainda mais da protegida da minha mãe que, é como uma filha, agora pra mim, ela vai passear com você hoje, mas, não tome as liberdades hem? Ela é moça direita.
– Então, ela vai mesmo? Pode confiar em mim, tia Conceição eu vou cuidar bem dela, às oito horas eu estarei esperando ela aqui na recepção.
– Me traga a moça até as dez, ou será um sem teto.
– Combinado. Álvaro subiu as escadas cantando de alegria.
Como combinado no horário em ponto, Álvaro estava à espera de Helena, que também não demorou descer, vestida de um vestido verde, de corte reto e detalhes de pérolas na gola, uma sandália branca, com um pequeno salto, bastante simples e bonita. Helena estava muito envergonhada, a vontade dela era rodar nos calcanhares e voltar para seu quarto e, assim que se aproximou de Álvaro, ele lhe estendeu a mão que foi recebida com um beijo de galanteio.
– Boa noite, moça bonita.
– Boa noite, Dr. Álvaro, gostaria que me chamasse pelo meu nome, "Helena".
– Perdoe-me, vamos? – Sim.
Muito encabulada, Helena deu o braço a Álvaro, caminharam alguns metros, sem nada dizer, até que ele quebrou o silêncio.
– Me fale de você Helena, da sua família, de onde veio...
–Não tenho muito que falar; fui criada em um orfanato, em Campos do Jordão, nada sei da minha família biológica e, nem tenho curiosidade em saber, nasci para criar minha própria história.
– Sinto muito...
– Não sinta, eu sou feliz e agradecida por ter sido criada pelas freiras, tive uma ótima educação e também muito amor.
Como você é generosa, não sei como seria se fosse eu.
– Gratidão é o sentimento primordial para vida, apenas seja grato, com esse sentimento você possui amor, felicidade e todos os outros bons sentimentos.
– Você é uma moça especial, não me enganei com meus sentimentos, tenho certeza que meus pais vão gostar de você, sou filho mais novo de três irmãos: tenho um irmão de trinta e dois anos que é comerciante em BH, de nome Daniel e, tem a minha irmã de trinta anos, que já é casada, Ana Clara; ela mora no Rio de janeiro, com o marido e dois filhos. E eu tenho vinte seis anos, estou me formando esse ano em neurocirurgião, falta bem pouco mesmo para voltar para casa, já tenho um mega emprego em um hospital de um amigo de meu pai que tem a mesma especialidade que eu, ele não tem filhos.
– Muito bom! Parabéns pelas suas conquistas, que elas sejam ainda mais abundantes em sua vida.
– Obrigado Helena, você é muito doce, uma alma angelical só pode habitar dentro de você um anjo, linda, boa e generosa.
– Que é isso? Somos todos filhos de um mesmo criador, não há nada mias justo que retribuir esse amor e bondade do nosso Deus.
Álvaro segurou a mão de Helena, eles já estavam em uma lanchonete bastante movimentada, deixando-a bem encabulada, mas, antes que ela pensasse em puxar para si sua mão, ele a segurou mais intensamente, e olhou dentro dos olhos dela e disse:
– Helena talvez você ache muito precipitado, mas, há dias meu coração palpita, toda vez que te vejo, por isso, tomei coragem para esse convite, até porque também já reparei que você me nota; por favor e com todo meu respeito seja minha namorada?
Quase morrendo de tanto rubor, sentindo o coração saltar pela boca, Helena baixou a cabeça sem saber o que dizer, passou a mão no rosto, não sabia como agir, sim era verdade, ela também estava encantada com o jovem moço, mas, não esperava um pedido assim logo no primeiro encontro.
– Dr. Álvaro, eu, eu... realmente não sei o que dizer. – Diga sim, minha linda anjinha, nada me deixaria mais feliz, do que um sim.
– Eu não tenho certeza... e, quando menos esperava, foi surpreendida com um beijo quente, nunca ganhado antes, lhe tirando o fôlego, pega desprevenida.
-– Sim é sua resposta?
– Álvaro... Foi só o que Helena pode dizer, sendo surpreendida com mais um doce beijo, que dessa vez foi correspondido como se duas bocas já se conhecessem.
– Sim é sua resposta, senhorita Helena?
– Sim, Dr. Álvaro. Helena sorriu.
E mais um lindo beijo para selar aquele pedido, Álvaro a beijou delicadamente, com todo carinho.
– Como estou feliz, meu anjo, por aceitar ser minha namorada, lhe prometo te fazer muito feliz. Nossa, já ia me esquecendo... Álvaro havia tirado do bolso uma caixinha vermelha muito bonita que só em abrir, fez com que Helena se levantasse de tamanho espanto, não que não fosse bonita a surpresa, era sim e, toda mulher apaixonada, adoraria receber um presente desses, mas não com tanta rapidez.
– Mas isso é um pedido de namoro ou casamento?
– Sente-se e me escute com atenção, Helena, daqui menos de seis meses eu irei embora, como posso partir e deixar a mulher por quem estou loucamente apaixonado aqui, eu lhe disse que quero algo sério, você é moça para casar meu anjo, não lhe trouxe aqui para brincar com seus sentimentos, aceite ser minha noiva, terá esses meses para dizer se quer ou não casar comigo, tenho certeza que se não quiser, eu irei de coração partido, mas aceitarei sua decisão.
Álvaro falava com tanto convicção que até emocionou Helena, com duas palavras; era algo lindo de se ouvir, ainda mais uma mulher, é sempre tudo que ela espera ouvir de um príncipe que idealiza encontrar e, Helena, parecia ter encontrado o seu.
– Oh, Álvaro, será que estou a sonhar? Não sei mais uma vez o que dizer, é muita promessa, para mim que nada da vida conhece.
– Deixa eu te dar essa felicidade, te fazer uma moça feliz, lhe dar o meu amor, prometo lhe dar a família que você nunca teve.
Helena estava nas nuvens com toda aquela promessa, era muito para quem não havia visto algo igual na vida, e não houve nada além que ela pudesse dizer que não fosse sim.
– Sim, eu aceito, mas, com uma condição: – Diga, minha pequena anjinha?
– Faça esse pedido à D. Conceição e ao Sr. Osvaldo, eles me têm, agora, como filha e lhe sou muito grata, por ter me abrigado e me dado trabalho, além de muito amor e confiança.
– Mas eles não são da sua família? Álvaro chegou a seu ríspido.
– Eles são, sim! Se você não quer, tudo bem, mas, nada feito, me leve embora até porque já está tarde.
– Desculpe Helena, você tem toda razão, eu vou fazer o pedido a eles.
– Não gostei da forma como você falou.
– Me perdoe, você é um doce, posso lhe compreender seus reais motivos, agora, Helena, eu te quero pra mim.
Ela, com toda sua inexperiência de vida, nem por um segundo percebeu a possessividade que existe por de trás de um moço tão bonito e de carreira brilhante. Álvaro a abraçou, espantando toda aquela má impressão; foram embora abraçados e, de vez quando, paravam para um beijo apaixonado. No dia seguinte, contaram juntos, a novidade, para D. Conceição e Sr. Osvaldo.
Ela não ficou muito satisfeita com a notícia, não por perder a hóspede e recepcionista, mas, por ter um sentimento não muito bom sobre aquele relacionamento.
Assim, passaram exatamente quatro meses de noivado, aparentemente muito tranquilo, muitos carinhos e promessas feitas à Helena que, a cada dia, ficava mais apaixonada por Álvaro e já sonhava com uma vida de casada, até que Álvaro chegou da faculdade com uma grande novidade para sua amada.
– Boa tarde meu anjo! Entregando-lhe um lindo ramo de flores vermelhas.
– Que lindas, meu amor!
– Hoje, completamos quatro meses de noivado, estamos em seis de agosto, esqueceu?
– Me perdoe, mas estou tão entretida com o trabalho, que não lembrei.
– Em breve você não vai mais precisar trabalhar e, sim, cuidar da nossa casa meu amor.
– Já posso imaginar o quanto seremos felizes.
– Sim, e eu quero que você me dê os seus documentos, pois, já temos que marcar o casamento no civil, assim, iremos casados e, o casamento precisa ser antes da festa de formatura, porque o dia que meus pais forem embora iremos juntos.
– Mas tão rápido assim, eu não consegui fazer meu enxoval pra levar.
– Compraremos tudo em Governador Valadares, não se preocupe. Tem uma coisa que você nunca me disse, seus pais são de acordo com nossa união?
– Da minha vida cuido eu, quem vai casar sou eu, em nada poderiam opinar, somente comuniquei minha decisão.
Álvaro virou as costas não dando tempo de Helena questionar, mas, D. Conceição não gostou da forma como ele falou.
– Minha filha, você não acha essa atitude dele, muito estranha, de agir assim com os pais? Como ele fala da mãe dele? Eu pergunto, mas, pouco me fala, me corta a todo o instante, eu só posso dizer mesmo, pela forma que me trata.
– Helena, Helena, tome cuidado, minha filha, assim diz minha mãe, D. Alzira: "Quer saber como um homem vai te tratar, observe bem como ele trata a mãe dele".
– Mas ele me trata como se eu fosse uma princesa, dona Conceição.
– Esses me causam medo.
– Pare com isso mulher, assim você vai assustar a moça. Ralhou o Sr. Osvaldo.
– Depois vocês não digam que eu não avisei.
– Esquece isso Helena, é tudo ciúmes porque você vai embora.
Helena sorriu, concordando com o Sr. Osvaldo.
Dois meses depois...
Álvaro e Helena casaram-se em uma cerimônia simples no cartório civil, no dia 6 de outubro de 1980 e, na semana seguinte, em uma pequena igreja de nossa Senhora das Graças, no bairro mesmo da Mooca, para pouquíssimos convidados, pois, Helena não abriu mão de se casar com a benção de Deus e, contrariando Álvaro, uma semana antes de lhe tomar como esposa, da forma como se manda figurino.
A primeira noite do casal foi muito romântica, com direito a champanhe e muitas pétalas de rosas, despetaladas pelo quarto do hotel onde eles passaram a primeira noite juntos.
– Álvaro, obrigada por me fazer tão feliz. Eu te amo.
– Eu também te amo, Helena. Agora você é somente minha. Álvaro deu um beijo na esposa e foi se vestir, deixando Helena sozinha, no leito da cama no dia da lua de mel.
– Aonde você vai a essa hora, Álvaro? Quis saber, não crendo que ele poderia deixá-la sozinha àquela hora da noite.
– Vou ao bar do hotel beber um drinque, não demoro; pode dormir que já eu volto.
– Não acredito que estou ouvindo isso? Helena fez menção de se levantar da cama, mas foi empurrada por Álvaro.
– Pode parar agora, o homem sou eu, e posso fazer o que quiser, não casei para mulher mandar em mim.
– Eu não estou quero mandar em você, Álvaro. É nossa primeira noite juntos, como marido e mulher.  Ela chorava copiosamente.
Sem se importar com as suas lágrimas, Álvaro deu as costas e saiu, só voltando com o dia claro, e deixando sua esposa no quarto, chorando até que pegou no sono. Helena não percebeu quando Álvaro chegou, mas, de repente, foi acordada, surpreendida com carícias sem freios, beijando a esposa com violência, além de um bafo horrível, de álcool.
Álvaro parecia outro homem, rasgando a linda camisola branca, de seda pura, com alguns bordados, que sua esposa vestia, ela pedia que ele parasse, mas, nada adiantou.
− Pare, Álvaro, você está me machucando.
− Cale a boca, você é minha. Desferindo um bofetão, anestesiando Helena, depois de estuprá-la até quando bem quis, deixando-a de lado e indo dormir, enquanto ela só fazia chorar sem conseguir conter as lágrimas. Helena levantou-se, tomou um banho, olhou-se no espelho e pôde ver a marca do tapa, que havia levado do homem, que jurara amar e respeitar por toda vida.
As lágrimas temiam em descer e já era quase hora de almoço, foi quando levou um susto com a imagem por de trás dela, no reflexo do espelho.
− Meu amor, porque está chorando?
− Você tem coragem de me perguntar? Saiu, me deixou sozinha, depois, quando voltou, me acordou, me agredindo rasgando a camisola que bordei para nossa noite, porque fez isso?
− Desculpa, Helena, acho que bebi muito whisky para relaxar, minha formatura está aí, logo farei residência, nossa nova vida, me perdoe amor, eu te amo, esqueça essa noite, porque teremos muitas noites felizes em nova vida.
− Essa era pra ser lembrada para sempre, você estragou tudo, eu não quero mais te ver, Álvaro; eu sou sozinha no mundo, mas não sou burra.
Álvaro caiu aos pés de Helena lhe implorando seu perdão, de forma que não foi difícil conseguir, pois, sua esposa tão apaixonada, caiu junto ao chão, chorando e lhe perdoando pela noite de tristeza e lágrimas que ele lhe causara. Eles permanecem no hotel o dia da festa de formatura, para que D. Conceição não visse a marca no rosto de Helena e, para que desse tempo de concertar a noite que ele mesmo havia estragado. Helena conheceu os pais de Álvaro: D. Amélia e Sr. Gustavo; um casal muito simpático que recebeu muito bem a nora, pouco conversando, pois, Álvaro não permitia, sempre cortando a conversa da esposa com os pais; parecia sentir ciúmes de todos, como se ela fosse apenas dele.
Tudo ocorreu bem na formatura e, no dia seguinte, todos estavam de malas prontas. Helena mal pôde se despedir de D. Conceição que, ao lhe dar um abraço, lhe entregou um envelope, com o dinheiro do tempo em que trabalhou e, um pouco a mais. Também tinha uma pequena carta escrita, para que ela não usasse o dinheiro por hora, até ter certeza que o marido era mesmo o que esperava, deixando o endereço e telefone da pensão, para voltar se precisasse. D. Conceição não sabia, mas, parecia pressentir o pior.
− Vá com Deus minha filha, se precisar volte.
− Obrigada, minha mãe. Para mim, a senhora é como mãe. Disse Helena, emocionada.
Então, a nova família partiu para o seu lar, era notável no rosto de Helena que algo estava acontecendo, sem conseguir disfarçar certos momentos, algumas lágrimas, lhe escapavam no rosto, o que os sogros não sabiam era que o causador da dor e dos sonhos quebrados de Helena, era seu próprio filho Álvaro, que hora em outra tentava disfarçar dizendo:
− Não chore, meu amor, sempre que quiser venha visitar D. Conceição.
Enquanto isso, na pensão de D. Conceição, a tristeza reinava com a partida de Helena, apesar de pouco tempo de convívio, todos gostavam muito dela, sempre educada, gentil e bastante prestativa, a jovem moça conquistou o coração daquele casal solitário, sem filhos, que agora a considerava como uma filha.
− Se eu fosse mesmo mãe de Helena, eu não a deixaria morar tão longe, não confio naquele rapaz.
− Deixa de bobagem mulher, isso tudo é ciúme, porque você se apegou muito a Helena.
− Deus te ouça, Osvaldo.
Depois de algumas horas de viagem a família Mattos chegou em casa.
Helena, minha nora, sinta-se em casa. Eu sei que todo mulher quer a sua casa, mas, logo você estará na sua, é só questão de dias, o arquiteto terminará a decoração, assim, também, poderá palpitar a seu gosto e a de meu Filho. Falou D. Amélia muito gentil com a nora, que só respondeu com um sorriso.
− Vamos Subir, Helena, vou te levar para conhecer nosso quarto.
Ao chegar ao quarto, Álvaro explodiu:
− O que acha que minha mãe vai pensar, você o tempo todo com essa cara de choro, que talvez não gostou dela ou de vir morar aqui?
− Eu sou de feita de carne e não de pedra, por isso, ainda sofro. Eu até te perdoei, mas, me peça pra esquecer.
− Pelo menos na hora do jantar, que meu irmão estará, você mude um pouco essa cara, tome um banho, descanse e depois descemos.
− É... eu preciso mesmo descansar.
Álvaro virou nos calcanhares e saiu do quarto, deixando a esposa pensando que, talvez, D. Conceição estivesse realmente certa; seu marido não era mesmo de confiança, mas, como um rapaz tão romântico pôde se transformar de uma hora para outra? Helena chorou mais uma vez, não lembrara quando foi à última vez que havia se magoado com alguém, talvez nunca tenha se magoado antes, agora, ela só podia pedir a Deus por proteção e que seu casamento fosse feliz assim que sonhou.
Já era noite, quase tudo preparado para o jantar simples, de boas vindas a Helena. Daniel havia chegado da sua loja de peças automotivas que ficava no centro da cidade e outra mais distante. Já bem sucedido nos negócios, solteiro por opção, bastante correto em tudo, católico fervoroso, um homem de muitos princípios.
− Que saudade meu filho, você se cuidou direito?
− Benção, minha mãe, onde está o velho? Com toda recomendação dada a Luiza, como não poderia estar bem-cuidado? Sorriu, fazendo menção a senhora que trabalhava há anos com eles na casa.
− Deus lhe abençoe, meu filho. Seu pai está descansando e seu irmão e sua cunhada, já vão descer; melhor você subir, tomar um banho e descer.
− Sim. Estou indo, estou faminto hoje. Deu um beijo na mãe e subiu em disparada.
Passando alguns minutos, o casal desceu. Helena vestia um vestido até os joelhos, florida de cor clara, godê, estava linda como sempre de cabelos soltos, perfumada e com uma leve maquiagem para disfarçar os dias de choro.
− Como é linda minha nora, Amélia. Disse seu Gustavo, muito simpático.
Obrigada, meu sogro e minha sogra, estou muito feliz em poder estar aqui com vocês. Mentiu devido às circunstâncias de dias atrás.
− Eu sabia que vocês iam gostar da minha esposa. Álvaro disse todo garboso.
− Boa noite, casal! Sejam bem-vindos! Essa é minha cunhada.
− Como é bela, irmão! Daniel deu um abraço na cunhada que até quem era cego, poderia ver o desagrado de Álvaro.
− Muito prazer, cunhado. Helena foi extremamente simpática lhe retribuindo com um abraço.
− Oi, irmão, tudo bem? Álvaro foi seco.
Todos à mesa de jantar, conversando e Helena respondendo as perguntas dos sogros e do cunhado, sobre sua vida. Ela muito simpática, enquanto Álvaro permanecia calado durante todo o jantar, só querendo sumir daquele lugar com sua esposa.
− Não fala nada, meu filho? Perguntou seu pai.
− Realmente o que você tem, meu filho? A mãe se deu conta que ele estava esquisito.
− Não tenho nada demais, apenas cansaço da viagem e um pouco de dor de cabeça, melhor subirmos não é, meu amor?
Levantando-se, sem nem ao menos ter opção, Helena seguiu o seu marido despedindo-se, às pressas, esperando chegar ao quarto e questionar sua troca de humor. Antes mesmo de virar para seu marido dentro do quarto, foi surpreendida com a batida forte da porta, voltando-se para trás, assustada e, sem entender, foi pega de surpresa, com um apertão no braço, por Álvaro, enfurecido.
− Não gostei de a senhora ficar se atirando em cima do meu irmão.
− O quê? Está louco! Estávamos conversando normalmente sobre coisas da vida, até mesmo da minha infância; porque está agindo dessa forma? Solte-me. Você está me machucando. Sendo arremessada em direção a cama, Helena já caiu chorando.
− Você ainda não me viu louco. Eu a proíbo de conversar com meu irmão, fale o essencial, procure ficar dentro do quarto enquanto eu estiver trabalhando no hospital, não vou permitir que minha mulher fique dando o desfrute por aí.
− Eu não vou suportar isso de você, comece a me tratar bem ou eu vou embora, nunca mais me verá.
− Eu vou te mostrar quem é que manda aqui, principalmente em você.
Rasgando a roupa da esposa, que começava a chorar, com aquela forma brutal que ele a tocava, beijando-a enfurecido, fazendo com que ela se encolhesse de medo, como um bicho acuado. Álvaro começou a se despir, enquanto Helena o observava, chorando de medo, se perguntando como nunca notou esse comportamento tão monstruoso e, onde estava o Álvaro que ela conheceu no início. Aproximando-se da mulher e tomando a com brutalidade, que até um animal selvagem era mais carinhoso, sentindo-se a pior das mulheres, com a sua dignidade jogada a lama, com todos os seus mais doces sonhos desfeitos.
Depois que o seu marido cansou-se de usá-la com toda brutalidade que ele pôde em um ato que só deveriam existir carinhos e ternuras, se enchendo de prazer, Helena foi para o seu banheiro tomar banho, para tentar tirar todo vestígio daquela noite, que ela só desejava mais uma vez esquecer, com suas inúmeras lágrimas, que se misturaram a água do chuveiro que caiam como cachoeira, aquela então agora mulher, colocava toda sua dor para fora, chorando baixinho, ninguém podia ouvi-la, mas, em suas orações, ela tinha certeza que Deus a ouvia, que tudo mudaria, e então, quem sabe, poder ainda viver um sonho de ter seu marido de volta; ter o homem que ela conheceu.
Voltando para quarto, já o encontrou dormindo. Triste por ter que deitar-se ao seu lado, ainda chorando baixinho, não percebeu quando dormiu, assim que a noite se fez dia, Álvaro levantou-se bem cedo, para começar o seu primeiro dia na Santa Casa, hospital onde ia assistir e auxiliar todas as cirurgias do amigo de seu pai.
− Bom dia, mamãe! Hoje Helena não amanheceu muito bem, peço que a deixe descansar o quanto quiser.
− Bom dia, meu filho! Depois subo para vê-la.
− Eu disse para deixá-la quieta, ela não quer vê ninguém.
− Estranho, ontem ela estava tão bem disposta.
− É só uma enxaqueca, logo ela ficará bem.
− Está certo, tenho um bom dia e vá com Deus.
Ainda a mesa do café esperando o marido e o filho mais velho, que desceram juntos, Amélia pensava que havia algo estranho nisso.
− Bom dia, mamãe!
− Bom dia, filho!
− Bom dia, amor! − Bom dia meu amor.
− Que cara esquisita, mamãe! Álvaro e Helena ainda não desceram?
− Apenas seu irmão; sua cunhada está no quarto com enxaqueca, e Álvaro disse para ninguém ir lá, achei estranho, ela pode precisar de alguma coisa, precisa comer, ele como médico sabe disso.
− Eu não gostei da cara dele ontem, acho que ficou com ciúmes da esposa, ele sempre foi dado a essas besteiras. Agora, uma coisa eu lhe digo mamãe, se ele não mudou o comportamento dele, logo, logo, ele vai bater nessa moça, igual ele fazia com a Fátima, só que tem que a namoradinha do passado, tinha família que a protegeu dele, e Helena que é sozinha nesse mundo?
− Vira essa boca pra lá, Daniel. Seu irmão agora é um homem e precisa manter uma postura decente como médico que é.
− Amélia, Álvaro é nosso filho e o amamos, mas se ele estiver agindo como no passado, vê se não vá passar a mão na cabeça dele!
− Isso mesmo, papai. O senhor está corretíssimo, e se a senhora não for àquele quarto agora mesmo, saber o que está acontecendo, eu mesmo irei.
− Tudo bem, vou fazer uma bandeja de café da manhã e levar para ela.
Amélia fez o que disse e subiu, batendo algumas vezes na porta, sem resposta e resolve girar a maçaneta, encontrando sua nora dormindo, depois de uma noite difícil, regada a muitas lágrimas. Assim que colocou a bandeja sobre o criado mudo, e sentou-se ao lado da cama para observá-la, Helena despertou.
− Bom dia, minha sogra!
− Bom dia, Helena! Você está bem?
− Dormi um pouco mal essa noite, só isso. Acho que ainda estou estranhando.
− Álvaro me disse que você não queria ver ninguém, o que ele fez a você?
Helena ficou um pouco desconfortável com a pergunta, sentindo-se envergonhada a pergunta que parecia uma afirmativa.
− Não é nada, minha sogra, só não acordei bem. Mentiu.
− Não minta pra mim, você chorou, não foi? Eu conheço muito bem meu filho, às vezes ele é muito ignorante, ciumento, quero que você confie em nós, não permitiremos que ele a maltrate.
Helena baixou a cabeça e chorou, sem uma palavra dizer, o que confirmou a suspeita de toda casa.
− Não chore, minha filha, tome um banho, se vista bem bonita, tome seu café e iremos sair, para comprar algumas coisas para sua casa.
− Álvaro pode não gostar que eu saia. Sem que percebesse Helena já tinha medo do marido, e não pretendia contrariá-lo; ela já estava na primeira etapa do domínio do marido.
− Vamos, sim! E com meu filho, deixe que eu me entendo.
Então, fazendo o que a sogra havia dito, Helena logo depois desceu, Cumprimentou o sogro e o cunhado, meio acanhada, pois, já podia perceber o olhar de pena dos que ali estavam.
− Vamos, minha querida, pegaremos uma carona com Daniel.
Helena e sua sogra compraram muitas coisas, naquele dia; visitaram seu apartamento, que praticamente estava mobiliado, pela sua sogra, que já havia preparado tudo, meses antes. Com essas compras eles já podiam se mudar. Helena estava encantada com tudo, conversou e se distraiu bastante, chegando apenas à noite em casa e encontrando Álvaro com cara de poucos amigos.
− Boa noite, meus amores! Compramos todas as lojas, não é mesmo Helena?
− Sim... Helena respondeu já ficando com medo da expressão de Álvaro.
− Meu filho, sua esposa tem ótimo gosto, ela mesmo escolheu tudo e já deixamos tudo no apartamento de vocês.
− Ótimo! Assim poderemos nos mudar para ninguém vir palpitar em nossas vidas. Falou irônico.
− Que isso, meu filho? Como você fala assim com sua mãe, se todos nós só queremos o seu bem?
− Não preciso de conselhos e, da vida da minha mulher, quem cuida sou eu. E não deu tempo para ninguém falar mais nada, puxando sua esposa escada acima. Helena já temia que ele brigasse com ela e, assim que entraram no quarto, ele disse:
− Compraram tudo mesmo?
− Sim, meu amor. Disse tentando ser amigável.
− Iremos nos mudar esse fim de semana. Vamos para o nosso cantinho e tentar ser feliz sem brigas. Perdoe-me, por tudo?
− Já perdoei você três vezes em uma semana de casados.
− E será a última vez, prometo te tratar como a rainha que você é.
Álvaro e Helena mudaram-se para o apartamento, tendo alguns meses de calmaria, porém, Helena não saía de casa sozinha, procurava sempre fazer o que Álvaro gostava, não o contrariava em nada, às vezes, ligava para D. Conceição, em São Paulo, para dar notícias e contar as novidades, até que um dia, a calmaria não podia mais durar.
− Eu queria tanto ir à casa de Helena hoje e levar esse bolo de aipim com coco, que ela tanto gosta, eu fiz para levar agora à tarde, mas, esqueci que tenho reunião na igreja com as meninas do novo projeto, para fazer caridade, é uma pena.
− Imagina, mamãe! Eu deixo lá no apartamento deles, eu vou passar por lá mesmo, não vai me custar nada.
− Obrigada, Daniel! Tenho certeza que ela vai ficar muito feliz.
E assim, fez. Logo que saiu do almoço Daniel tocou a campainha do apartamento do irmão, fazendo até mesmo Helena estranhar, pois, quase nunca a campainha tocava, só o porteiro para entregar alguma correspondência. Ela está entretida, com a telenovela que passava à tarde, pois, naqueles meses, a única distração era a televisão e algumas revistas da moda.
− Estranho. Quem será?
− Oi, Daniel! Que surpresa boa, entre.
− Não, cunhada, só vim mesmo lhe trazer esse bolo que mamãe mandou, estou voltando para a loja, fica com Deus.
− Obrigada, agradeça sua mãe, vá com Deus.
O dia correu bem, Álvaro chegou um pouco cansado de uma cirurgia bastante complicada que durou horas.
− Oi amor, como foi seu dia?
− Cansativo. Vou tomar um banho, comer alguma coisa e só estou pensando em dormir.
− Está bem, vou colocar a mesa enquanto você toma banho.
Quando Álvaro voltou, tinha uma mesa impecável, posta com salada, arroz, feijão e a carne assada, que tanto adorava da que a esposa fazia.
− Vamos jantar? Fiz suco de maracujá, assim você relaxa mais.
− A mesa está linda, meu amor! Você capricha sempre.
− Obrigada! É pra você mesmo tudo isso, e ainda temos uma sobremesa hoje, sua mãe mandou bolo de aipim, com coco.
− Você foi lá?
− Não, seu irmão veio trazer hoje à tarde.
− Vocês ficaram sozinhos aqui?
− Ele não passou da porta.
Em fúria, Álvaro levantou a toalha da mesa com tudo que havia em cima, deixando Helena perplexa.
− Está louco, Álvaro? Eu não suporto mais esse seus ciúmes doentio. Chega para mim, eu me tranco em casa vinte e quatro horas por dia, eu nem sei quem são meus vizinhos, eu só vejo a rua daqui de cima dessa prisão que você criou, e para te agradar eu pareço uma vaquinha de presépio, só digo amém.
− Quem me garante que vocês não ficaram sozinhos aqui dentro?
− Eu garanto! Eu não suporto mais suas atitudes, é o fim para nós.
Helena seguiu para o quarto e começou arrumar sua mala.
− O que pensa que vai fazer?
− Estou voltando para onde nunca mais eu deveria ter saído.
− Daqui você só sai morta, entendeu? Álvaro agarrou nos cabelos de Helena, e a espancava com muita força e, depois de muitos gritos de socorro, não tendo mais força, ela desfaleceu. Álvaro deixou a esposa caída no chão, por alguns minutos, até que a polícia chegou, após vizinhos chamarem, ao ouvir tantos gritos e coisas se quebrando. Álvaro foi levado preso e Helena para hospital, desacordada.
Depois da família de Álvaro saber do acontecimento, ficou ao lado de Helena no hospital a todo o momento. Álvaro logo foi liberado após pagar fiança, mas, proibido de chegar perto da esposa que seguia ainda hospitalizada.
− D. Amália, gostaria que a senhora pudesse pegar tudo que é meu, o médico me garantiu que amanhã terei alta.
− Para onde você vai, minha filha?
− Vou voltar para São Paulo, depois tomarei outro rumo.
− Eu fico muito triste que tudo tenha terminado assim, mas, farei o que me pede.
No dia seguinte, Helena teve alta, seu rosto mostrava claramente a agressão que sofrera, porém, nada lhe doía mais do que alma ferida. Sem olhar para trás ela foi embora.
− Mamãe, onde está Helena? Eu sei que ela ia ter alta hoje.
− Ela foi embora. Eu também iria no lugar dela, tenho vergonha de ter um filho doente que nem você, porque isso é doença, vá se tratar, Álvaro!
− Ela não pode ir, sem antes lhe pedir perdão.
− Para que você pede perdão, para fazer depois a mesma canalhice, ela não vai voltar, está aqui aliança de casamento, sua chave do apartamento.
− Eu também estou decepcionado com você. Pergunto onde eu e sua mãe erramos com você, Álvaro? Criamos os três, iguais; demos tudo e, principalmente, amor e carinho. − Você nunca viu eu tratar sua mãe dessa forma. Daniel não quer olhar na sua cara; como pode ter pensado tão mal do seu irmão, não conhece o caráter de nossa família, a quem você puxou?
− Sugiro que você volte para o seu apartamento e, lá, reflita tudo que você perdeu.
Depois de viajar por horas, Helena chegou à rodoviária, já de madrugada, pegou um táxi e foi direto para a pensão de D. Conceição e o Sr. Osvaldo.
− Quem bate?
− Sou eu, D. Conceição, Helena. Ela já falava com voz embargada de emoção.
− Minha filha, o que aconteceu com você? O que aquele sem vergonha fez? Foi ele, não é mesmo?
− Foi sim... Helena contou tudo o que aconteceu desde de quando vivia na pensão.
Eu não te disse, Osvaldo, que ele não prestava.
− Daqui você não sai mais, fique conosco, protegeremos você, Helena. O irmão de Osvaldo é advogado, podemos contatá-lo para o seu divórcio, pagaremos aos poucos.
− Muito obrigada! Eu sabia que aqui poderia me abrigar. Peço que a senhora não conte, D. Alzira, ela pode ficar preocupada.
− Sim, também acho melhor.
Um mês se passou, depois de muitas ligações para Helena e recusa em atender a Álvaro que parecia ter se conformado. Helena voltara a trabalhar na recepção e fazer o trabalho de antes, retomando a sua vida, porém, muito feliz.
Depois de ter dado entrada no divórcio e sentir o prazer da liberdade e, estar entre amigos novamente, já era o bastante para ela.
Até que um dia, pela manhã, sentiu-se muito mal, com tontura e enjôos.
− Filha, eu acho melhor você não trabalhar hoje, e ir ao médico. Posso lhe acompanhar e aproveitar essa calmaria das férias.
− Tudo bem! É melhor ir mesmo, tenho medo que seja algo das agressões.
− Talvez seja outra coisa, não é mesmo? Disse já imaginando o que seria.
Assim que chegaram ao hospital, Helena foi examinada, fizeram alguns exames e logo saiu o resultado.
− D. Helena, a senhora está grávida de dois meses. Disse a médica que à assistiu.
Uma mistura de sentimentos a envolveram naquele momento, porém, Helena estava se sentindo forte e refeita. De uma coisa ela sabia, aquela criança só seria dela e de mais ninguém. Depois que saiu do consultório, foi falar com D. Conceição que a esperava na recepção do hospital.
− Diga, minha filha? O que você tem?
− Estou grávida, D. Conceição, e não pretendo contar nunca para Álvaro, ele não merece saber que vai ser pai, não depois de ter quase me matado com um filho dele dentro de mim.
− Estou muito feliz por você, mas o que você decidir, estarei contigo, mas, saiba que existe, ainda, amigos de Álvaro lá na pensão, poderiam contar para ele.
− Vou ter que ir embora, não tem jeito.
− Já sei, vou levá-la para casa da mamãe.
− Não acredito que voltarei a Campos do Jordão? Mas, estou de cabeça erguida.
E, não houve outro jeito, assim que acabasse as férias, os amigos de Álvaro de quarto, estariam de volta, podendo então contar de sua gravidez, contudo, já combinado com D. Alzira, Helena foi para lá em segredo, só voltando para São Paulo, o dia que fosse seguro para ela.
Os meses se passaram, a gravidez ocorreu muito bem e Helena deu a luz a uma menina, de nome Olívia, como havia prometido a D. Conceição e ao Sr. Osvaldo, que agora eram os padrinhos daquele lindo anjo.
Depois que Helena assinou o divórcio, Álvaro apareceu na pensão por duas vezes, mas nunca soube o paradeiro da ex-esposa. Helena preferiu morar em Campos do Jordão e criar sua filha lá, muito determinada, conseguiu um emprego em uma imobiliária, de secretária. Ela continua a morar com D. Alzira, que não abre mão de estar com a netinha postiça.
"Muitas mulheres, ao estarem em um relacionamento abusivo, sentem-se frágeis e incapazes de seguir em frente. Algumas, por medo, outras por amor, esperando que algum dia, tudo mude, mas, nada mudará e, às vezes, se você não tomar a iniciativa, vira um ciclo vicioso.
O que todas essas mulheres precisam é que alguém ouça “todas as Vozes" que existem dentro de cada uma delas; em cada mulher existe uma guerreira que, por muitas vezes estão adormecidas. “Seja forte e lute; ressuscite todos os seus sonhos”.



Aline Sant'Anna

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⏰ Last updated: Aug 20, 2021 ⏰

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