I - O dia que nos reconhecemos

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''assim como / eu estou em você / eu estou nele / em nós'' Leminski, Paulo.

1995, 2 da tarde

B mal havia almoçado quando começou a tentar se distrair do fato de que hoje ele voltaria para o orfanato. Na biblioteca puxando livros que nem leu o título, apenas para olhar vagamente para a capa e depois recolocá-los no lugar, nos escorredores passando e voltando, no quarto se levantando para olhar pela janela, e então voltar para a cama; titubeou os dedos em todas as superfícies, fez tudo o que podia, mas nada tirou aquela angústia.

Enquanto L não chegasse, a ansiedade não cessaria. Estava tão perto que não conseguia mais se livrar desse pensamento. Na noite passada, fechou os olhos bem apertados porque talvez L escutasse — não, sentisse — aquela mesma agonia, onde quer que estivesse. Beyond cresceu com a ideia de que estavam inerentemente conectados assim e tinha uma pequena cicatriz do dia que tentou provar isso do jeito prático.

Paralelamente, A se mantinha em seus conformes na véspera. O ócio é inimigo da virtude, dizia para si mesmo, a distração é inimiga da perfeição, continuava. Então prosseguia a apertar a barra da camiseta e rabiscar no caderno em vez de revisar matéria. Um pássaro olhava-o da janela e, na sua concepção, julgava-o. L vai voltar para descansar e você não pode o decepcionar, o passarinho disse. A mordeu os lábios e o passarinho foi embora.

Às duas da tarde do dia certo, Beyond foi até a porta da frente do orfanato e se sentou nas escadinhas de apenas 3 degraus, os joelhos ossudos para cima e olheiras acentuadas pela maquiagem. Todos os dias sempre pensava que seria a melhor cópia de L, mas quando a versão original em questão se fazia presente aprontava-se cuidadosamente logo de manhã, quase como um ritual. Assim como se aprontar, esperava desde cedo porque isso também fazia parte de seu protocolo. Mordendo a parte interna da bochecha, ele espera — ou melhor, anseia.

5 da tarde

Teve três horas solitárias de espera com um livro até que A chegasse e se juntasse a ele, também sentando nas escadinhas silenciosamente.

Os dois se entediavam muito facilmente e nesse espaço de tempo da espera trouxeram e levaram de volta um tabuleiro de damas, um baralho, pãezinhos para forrar o estômago, o que deixou muitas migalhas na escadinha que foram propriamente jogadas no chão por mãos displicentes. Entreolhavam-se vez ou outra em completo silêncio, a juvenil impaciência velada. B sempre inexplicavelmente conseguia a carta coringa.

— Entenda, é mágica — explicava todo presunçoso, já não se importando em manter uma pokerface.

— Acho que está trapaçeando, isso sim.

— Sou um mágico na trapaça.

Quando um carro passou pelo portão imediatamente esticaram os pescoços para ver. Os que estavam nas escadas não se ergueram, apenas continuaram esperando mais uns segundos. O coração de um batia inquieto, os dedos do outro estavam nervosos.

E então lá estava ele, L na frente deles mais uma vez. Tinha as pálpebras bem pesadas e uma possivelmente ou não pesada também. Levantaram-se das escadas, B faminto em seu olhar e A batendo na roupa para tirar a poeira de si; o segundo da sucessão parou em frente do detetive, a poucos passos de invadir o espaço pessoal, enquanto o primeiro ficou mais ao longe respeitosamente, as mãos atrás do corpo.

— Sabe, A, eu só sei que L está vivo porque do contrário um de nós estaria rico e resolvendo casos agora — Beyond afirmou, e não estavam mais jogando baralho, contudo ainda estava quase com uma pokerface, fazendo como que L não estivesse sequer ali, tão a centímetros dele — Talvez numa piscina grande bebendo coquetéis... ou numa sala com pouca iluminação e sem tomar banho por 48 horas.

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⏰ Last updated: Apr 01, 2018 ⏰

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