Capítulo Único

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     Certa feita, um bravo herói do norte caminhou muitas milhas, trajando, além de sua túnica e calça, apenas sua capa azul. Ele caminhava para o sul, na busca de um penhasco a beira mar, para enfrentar outro herói, que havia lhe desafiado para um duelo quando, em uma taverna, um bardo teve a ideia de fazer uma musica sobre os dois. Pode não parecer muita coisa, mas para este segundo herói era ultrajante dividir uma música ao invés de ter uma apenas para si, por isso ele declarou insultos a nosso protagonista.

      Nosso herói de nariz empinado, cabelo penteado e queixo partido – aparência muito comum entre eles – não hesitou em começar esta viagem. Tamanha era a urgência, imaginem vocês, que ele teve que deixar de lado a missão de salvar uma vila inteira de uma horda de bárbaros.

      Em seu caminho para o sul, ele encontrou um andarilho indo na direção contrária. Era um velho de chapéu pontudo e capa, apoiado por uma bengala, vestido com roupas humildes, velhas e surradas. O pobre velhinho tinha cabelo ralo e barba branca, pontuda e comprida. Sua pele clara já era enrugada e cheia de manchas, possível reflexo dos anos de experiência que ele aparentava ter.

      – Que coincidência encontrar outro viajante por essas terras frias e melancólicas! –disse o velhinho, com sua voz cansada, rouca e aguda. – Justo quando meus pés já estão cansados, meu estomago vazio e minha boca, seca.

      – Coincidência, talvez! – disse o herói, erguendo o peito e o dedo indicador para falar. – Digas logo o que quer de mim, pois estou apressado em minhas andanças. Sou um herói; sou ocupado. Se quiseres água, lhe darei água; se quiseres pão, lhe darei pão; se quiseres moedas... Pensarei bem no teu caso. Agora vamos, digas logo!

      O herói sutilmente olhou para os lados, com olhos nervosos, pois antes de o velho falar, ele nem havia sequer notado que a paisagem era, de fato, melancólica, cheia de pedras e morros. A vegetação era rasteira, sem nenhuma arvore por perto.

      – Um gole d'água e um pedaço de pão me cairiam bem. – Ele acariciou sua barriga magra enquanto falava. – Mas o que eu queria mesmo era um pouco de prosa, pois a muito só vejo terra; pássaros; pedras e animais selvagens que querem um pedaço de minha canela. – Ele fez uma pausa para fazer uma careta raivosa. – Malditas feras!

      – Lhe darei pão e água, com muito prazer – disse o herói, mas nem chegou a tocar sua mochila ou seu cantil, ou sequer mudar sua pose de poder, que exibia constantemente. – Mas, como já vos disse, sou ocupado e não tenho muito tempo para prosas. Eu posso trocar uma ou outra palavra e lhe agraciar com minhas histórias, mas será isso e nada mais, pois meu tempo é corrido.

      – É uma pena essa pressa... – O velho jogou seu peso sobre sua bengala, segurando-a com as duas mãos. – Pois está indo para um destino muito tortuoso e se tem pressa é apenas pressa para encontrar dor. Vocês heróis lutam por fama e dinheiro, mas se esquecem de apreciar a beleza da vida. Estão sempre brigando. Brigam com uns aos outros ou brigam com dragões, mas sempre brigam!

      – Dor? – perguntou o herói, nada educadamente, parecendo que fora a única palavra que ouviu. – Dor não é desafio para mim! – bradou ele, socando o próprio peito, como quem bate em um tambor. – Conheço muito bem a dor! Não tenteis vós me fazer medo com ela. Somos amigos. Eu e ela tomamos cerveja rindo do passado! Eu já senti dor quando um pequeno pedaço de madeira entrou no meu dedo e eu já senti dor quando a lâmina de minha própria espada cortou a palma da minha mão!

      – Jamais tentei fazer medo em tal destemido herói... – O velho riu, parecendo ser sarcástico. – Como se cortou com a própria espada?

O HERÓIWhere stories live. Discover now