Angelus

prólogo em prosa

Anjos são seres espirituais fascinantes que nos aproximam de tudo que é celeste e divino. Porém, não podemos nos esquecer de que o próprio Diabo também era um anjo antes de se voltar contra o Pai e a humanidade. Não apenas um reles anjo, mas o mais belo e encantador na hierarquia celestial. Isso prova que mesmo a luz pode se transformar em trevas. Logo, a decepção pode vir de onde menos se espera.

Se até o Diabo era um anjo, por que você, com o seu ar angelical e pose de beato, não poderia se tornar um demônio? Eu fui boba por não acreditar nessa hipótese desde o princípio. O seu brilho era tão ofuscante que me cegou. Eu via apenas a beleza das suas ações e a paz que as suas palavras transmitiam. Você é bom na retórica. Foi assim que o Diabo montou um exército contra os céus e tentou Adão e Eva no Jardim do Éden.

Talvez você não seja um demônio, mas veio até mim em pele de cordeiro quando na verdade era um lobo. Eu não percebi a sua camuflagem. Acreditei que tudo que vinha de você era bom. Tive que despencar do céu da sua boca até o inferno do seu abandono. A queda foi rápida, mas só senti o impacto quando me vi na forma em que você me deixou: uma alma perdida vagando em busca de salvação, rezando não só por mim, mas pela sua redenção... Ou punição. Eu queria tanto te punir!

Embora alimentada pelo ódio, eu não tinha forças para ser um anjo vingador. Talvez a minha natureza seja mais sagrada que a sua. Talvez eu seja mais santa do que você poderia ser um dia na sua vida. Talvez seja a minha bondade que me impediu de ver a sua maldade. De qualquer modo, não estarei no seu inferno para sempre. E se for da vontade de Deus estar, eu te encontrarei nesse antro desprezível, mas sem dar ouvidos à sua dissimulada conversa.

Hoje eu sei que o paraíso é viver sem você.

Não preciso de um Adão miserável no meu Éden.

Eu sou uma Eva boa demais para qualquer merda que você possa me oferecer.