Um conto

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Desprendi meus olhos do livro que estava lendo, On The Road do Jack Kerouac, pelo menos uma vez naquela tarde pra observar enquanto ele dedilhava a guitarra no canto da sala. Eu, com meus dezoito anos, observava aquele homem de quarenta e pouco. Ele gostava de falar dos anos setenta, da sua juventude, das coisas que ouvia, que gostava, fazia poesias comentando e criticando as mazelas da sociedade. E eu estava ali. Vivendo com ele. "Mas você é tão jovem pra estar com alguém como esse homem". Eu era obrigada a revirar os olhos e virar as costas quando ouvia aquele tipo de comentário.

Vivíamos juntos. Ele gostava de jazz e blues, e costumava a ouvir durante a noite dos fins de semana, quando chegava a casa depois de "resolver uns problemas", pegava uma garrafa de uísque e bebia uma dose enquanto pedia que eu sentasse em seu colo e recitasse alguma poesia que tivesse gostado de ler naquela semana.

Enquanto ele tocava, eu começava a cantar baixinho alguma música do Velvet Revolver, e naquele dia eu estava cantando a minha preferida, como já podia se esperar de alguma forma, "I'll Be Your Mirror". Ele parou e prestou a atenção enquanto eu cantarolava no cantinho da sala ele me olhou, mexendo nos cabelos grisalhos e bagunçados logo em seguida, passando os dedos e os levando para trás. Ficou um pouco sério e repetiu o movimento, depois se deixou sorrir. Os dentes apesar de serem brancos estavam levemente amarelados pelo álcool e pelo eventual cigarro que fumava.

- Tenho que admitir, garota. Essa música ganha outro significado quando você canta. – Sorri e olhei para baixo um pouco envergonhada, mordi o lábio inferior, me levantei preguiçosamente, me espreguiçando e comecei a andar em direção a ele. Usava um vestidinho creme, leve, um pouco transparente, que ia até um pouco de baixo da minha calcinha, mostrava minhas coxas todas e um pedaço da minha bunda, mas ele não se importava, dizia que gostava que eu usasse essas roupas em casa.

- A mesma poesia nunca é lida pela mesma pessoa, Eduardo. – Às vezes eu me perdia e não sabia como chamá-lo. Gostava de seus nomes, gostava de ter liberdade para chamá-lo do que me conviesse. Gostava de dizer frases com vários sentidos, algumas até eu me permitia tirar da internet, mas só as que eu verdadeiramente gostava. Eu também evitava de dizer a fonte, quando sabia, para não me sentir uma metida-a-saber-de-tudo. Eu era apenas quem eu era e isso que importava pro Eduardo. Era isso que ele via em mim.

As pessoas tem uma mania estranha de querer rotular as coisas, de buscar explicações desnecessárias para coisas que são simplesmente obras do destino. As pessoas gostam de tachar, criticar e falar mal. Porque assim se distraem e sentem como se fossem superiores e como se suas vidas tivessem algo de grandioso e especial. Não tinham, todos são grandes babacas sem nada pra fazer. Esse tópico, no caso, é uma das muitas coisas que aprendi com os livros de Bukowski.

E eu acabe citando isso tudo porque eu queria simplesmente comentar um pouco sobre tudo que diziam de mim e Eduardo, entrando mais a fundo naquela história do "Você é muito nova para ele." Encontramos: "ela deve estar querendo dar um golpe nele", "ele deve ser um tarado por menininhas dessa idade", "aposto que é prostituta" e "deve ser só uma crise de meia idade.".

Começo sempre a me perguntar se isso tudo não se trata de falta do que fazer ou dificuldade das pessoas de aceitarem que duas pessoas estão felizes uma com a outra sem nenhuma segunda intenção.

- Você quer dizer então que depois que você apareceu consequentemente mudou o significado dessa música pra mim?

Dei de ombros, ele tirou a guitarra semi-acústica vermelha do colo, colocou do lado da poltrona onde estava sentado e abriu os braços para que eu sentasse no seu colo, de lado, deixando minhas pernas pairando no ar, mas seus braços envolvidos em minha cintura e os meus em seu pescoço.

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