A Matéria Negra do Amor

18 0 0
                                    

  Lojas de todos os tipos me cercam. Brilhosos letreiros revelam-se pomposamente, atraindo com magnetismo cada vez mais consumidores para os interiores de suas lojas. Neste instante, estou paralisado no centro deste imenso corredor lustroso do shopping. Acompanho um formoso casal de jovens atravessar o meu campo de visão e desaparecer, tomando rumos que desconheço e nem tenho a curiosidade de considerar. Sinto minha expressão endurecer. Ela criara esse hábito. Enrijece sempre que testemunho um casal radiantemente amoroso passar por mim. Na verdade, ultimamente, ela tem se enrijecido por qualquer motivo. Talvez tenha percebido o contínuo ódio que venho a cultivar durante um exacerbado período e, por motivações inconscientes, muda-se instantaneamente. Ou, talvez, deva ser por conta de minha intrínseca contradição. Sabe, sempre que desprezo esses tipinhos modernos de namorados, sinto os meus olhos umedecerem. Não porque soa triste para mim, mas porque, no fundo, admiro a capacidade afetiva de tais indivíduos de construírem uma relação baseada em aspectos mútuos de confiança e tolerabilidade. Sei, por exemplo, que eu jamais conseguiria sustentar qualquer relacionamento amoroso — independente se a garota for uma mestra em tolerância. Boa parte de minha aversão invejosa, evidentemente, é resultado da minha impossibilidade em ser amado e da desistência em procurar o milagre sentimentalista e afetivo o qual me salvará do isolamento. Matematicamente falando, as chances de alguém encontrar a sua alma gêmea na mesma cidade em que vive é irrealista e cruel. E mesmo ampliando o cenário para nível nacional ou internacional, a probabilidade ainda é baixíssima. Reúna, então, a minha peculiar característica de desprezar o amor — pois eu nunca procuro por alguém. Assim poupo-me energia e evito o crescimento de frustrações. Como poderia encontrar este ser miraculoso cujas probabilidades são divinamente impossíveis? Não poderia. Mas o meu desanimo não se traduz a respeito disso. Veja bem: todos os casais não são perfeitos uns aos outros — e nenhum casal encontrou a sua metade da laranja! O ser perfeito e gêmeo não existe! É uma ilusão criada pelo acúmulo de sentimentos e afetos! Muitos somente chegam a essa conclusão após, de fato, terem conhecido alguém. Pois é convenientemente simples caracterizar um relacionamento como ideal e sublime quando já se construiu atributos positivos sobre incongruências existenciais e personalísticas! Isto não é perfeição! É a mais pura evolução e solidificação de habilidades e situações!


Não... se há algo em que eu não me preocupo é com este desejo absurdo de encontrar alguém capaz de completá-lo! Bem, acredito que todo este descarrego já tenha evidenciado o verdadeiro horror da incapacidade de ser amado. Para alguns indivíduos, e qualifico-me como um deles, as oportunidades amorosas são ridiculamente escassas. Primeiro porque, no campo do jogo, da sedução, eles são completos azarados. Nunca se encontrarão flertando com ninguém, porque classificam-se como uma nova espécie de seres: os incompreendidos. E os incompreendidos acreditam fielmente que jamais alguém conseguirá corresponder quaisquer de suas intenções; que menosprezarão seu estado de espírito e rirão de suas pretensões como indivíduo. Que, devido ao acúmulo de uma sabedoria frívola e pontual, poucos conseguirão de fato compreendê-lo em sua totalidade e, com uma aversão natural ao estranho, ao incomum, se afastarão dele. E, melancolicamente, entendem o peso de suas personalidades, o fardo de singularizar-se. A outra parte, portanto, não tem quaisquer meios de adentrar os sentimentos de indivíduos como esses, afinal eles são impenetráveis e imutáveis. O azar tanto os feriu que a espera pela sorte se silenciou na mais ensurdecedora desesperança.


Levanto-me, finalmente, do banco duro de madeira e, a passos vagarosos, arrasto o meu corpo rumo à praça de alimentação. Analiso a lotação de pessoas, as quais tomaram majoritariamente os assentos, e encontro uma mesa com duas cadeiras vazias no extremo da praça, encostada a uma estrutura com plantas no interior. Embora eu esteja num lugar para alimentação, não sinto fome alguma. Dirijo-me imediatamente para a mesa.

A Matéria Negra do AmorWhere stories live. Discover now