Gone

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Ele se foi. Matthew se foi. Para sempre. Matthew se foi. Se foi. Anne vinha repetindo isso para si mesma desde a terrível manhã que levou seu querido Matthew. Ele não retornaria como os heróis dos livros. Isso não era um livro. Era a realidade. Então por que ela não conseguia acreditar? Por que não havia sequer derramado uma lágrima quando Marilla lhe dera a notícia que mudara seu mundo? 

Para Rachel Lynde, Anne estava em choque. A realidade a atingiria logo e a menina cairia aos prantos. Afinal, até mesmo Marilla, que se negava a demonstrar emoções, havia derramado algumas lágrimas. Logo Anne, dramática por natureza, que chora ao assistir o sol se pondo, não iria chorar pela morte de um ente querido? A morte de um pai? Não fazia o menor sentido. 

E nesse momento, ao ver Matthew dentro de uma caixa de madeira e pessoas vestidas de preto ao seu redor, todos secando as lágrimas, Anne ainda não conseguia chorar. Nem mesmo o rosto desvatado - porém contido - de Marilla, ou o olhares de pena de Diana, Ruby e Jane, e nem mesmo o olhar preocupado e compreensivo de Gilbert Blythe, a fizeram sentir algo. 

Foi quando começaram a jogar terra em cima da caixa de madeira horrível onde deitava seu querido Matthew, que Anne finalmente percebeu. Finalmente percebeu que Matthew realmente tinha ido embora. Para sempre. 

As pessoas ao redor começaram a jogar flores. Flores bonitas demais para serem enterradas. Anne apertou as que haviam em suas mãos. Sentiu Marilla apertar seu ombro, a incentivando a jogá-las. 

Anne não podia fazer aquilo. Matthew não podia fazer aquilo com ela. Ele não tinha o direito de abandoná-la! 

Anne deu um passo a frente e olhou bem para a caixa de madeira que estava acabando com sua vida. A onda de raiva e desespero a deixou sem ar. 

Com as mãos trêmulas, Anne começou a arrancar as pétalas das lindas flores freneticamente. As pessoas ao redor soltaram exclamações e Anne ouviu Marilla e Diana chamando por seu nome em choque e preocupação. Porém Anne apenas continuou a despedaçar as flores até não sobrar uma sequer. 

E então correu. Correu e correu. Ignorando os chamados atrás de si. Não enxergava e não ouvia nada ao seu redor. Havia apenas borrões verdes. 

Até que parou. Parou e se encostou em uma árvore. 

"Matthew," lamentou. E finalmente chorou. Os soluços desesperados podiam ser ouvidos pela floresta toda. E ela não se importava. Não conseguia parar. Matthew se foi. Uma das pessoas que ela mais amara na vida havia a deixado para sempre. 

Ela queria o odiar por isso. Sentir raiva não a faria sofrer tanto. Mas ela nunca poderia odiar seu querido Matthew. Não poderia odiar a primeira pessoa que a fez se sentir realmente amada. A primeira pessoa que a aceitou como ela é. 

De repente, Anne ouviu galhos se quebrando. Alguém estava se aproximando. Anne não se moveu. Não se importava com quem quer que fosse. Estava anestesiada pela dor. 

Matthew, Matthew, Matthew. Oh, querido Matthew. 

 "Anne?" disse uma voz.

O que seria de sua vida e de Marilla agora? Oh, Matthew.

"Anne!" repetiu a voz. Anne finalmente olhou para cima e se deparou com bonitos olhos claros. E cabelos escuros. E um belo maxilar. Gilbert. Gilbert Blythe. Mas é claro. No pior momento de sua vida, é claro que Gilbert Blythe estaria lá. A encarando com aquele olhar.  

"O que você está fazendo aqui?" perguntou Anne rispidamente, limpando suas lágrimas. 

Gilbert a encarou silenciosamente por um momento. E então seu olhar se suavizou. "Eu sinto muito, Anne," disse com a voz baixa. Anne o ignorou e voltou a olhar para a bela árvore a sua frente. As coisas não deveriam ser bonitas agora que Matthew se foi. "Anne," disse Gilbert, sentando-se ao seu lado. "Eu sei como você está se sentindo. E eu realmente sinto muito. Está tudo bem chorar e até mesmo ficar com raiva." 

Anne se enfureceu. "Estou cansada de todos falando que sentem muito ou que sabem como estou me sentindo! Ninguém pode saber!" Anne se arrependeu de suas palavras assim que olhou nos olhos de Gilbert. A dor e o luto ainda presentes. Claro que Gilbert sabia como ela estava se sentindo. Ele também havia perdido o pai. Ele sabia exatamente a dor imensa e insuportável que a assolava. "Eu sinto muito, Gilbert," sussurra ela. "Eu sinto muito..." sua voz falha. As lágrimas voltam. Anne tenta em vão secar as lágrimas que não param de sair. 

Gilbert pega sua mão e a para. "Está tudo bem, Anne. E eu disse que não há problema em chorar. Então não tente parar as lágrimas agora. Eu notei que você as tem segurado por muito tempo. Não precisa tentar ser forte o tempo todo, Anne Shirley-Cuthbert," diz Gilbert com um pequeno sorriso. "Perder um pai é uma das piores dores possíveis e eu sei bem disso. Ainda sinto a dor da perda do meu pai. Às vezes no meio da noite vou em seu quarto. Deito em sua cama. E penso que a dor é demais para aguentar. Mas então penso em Bash. Em Mary. Na família que tenho agora. Que me apoiam e me amam. E que precisam de mim. Você tem isso também. Você tem a Marilla, tem a Diana e a Ruby. Elas são sua família também, te amam e precisam de você." 

Anne sente uma parte de seu coração se aquecer ao pensar nas pessoas que a amavam e que ainda estavam ali. Gilbert nota que a atingiu de alguma forma e continua "Eu sei que nunca vou esquecer meu pai. Sempre vou sentir sua falta, assim como você sempre sentirá a falta de Matthew. Talvez sempre haverá uma parte vazia em nossos corações onde eles costumavam estar, mas ainda conseguiremos ser felizes."

Anne sabia que Gilbert provavelmente estava certo. Porém naquele momento, a dor que sentia parecia que iria durar para sempre. 

 "Sabe, Matthew foi a primeira pessoa a me aceitar como eu sou. Não só aqui em Avonlea, mas em toda a minha vida. Quando ele foi me buscar na estação de trem, ele estava esperando por um menino, e mesmo assim ele me levou para Green Gables. Ele apenas não conseguiu me deixar sozinha lá," disse Anne, rindo. "Eu tagarelei durante o caminho todo e ele nunca disse uma palavra. Eu perguntei se meu modo de falar sem parar o estava incomodando e ele disse que não! Foi a primeira pessoa que não se incomodou com minha tagarelice," Anne sentiu mais lágrimas começarem a cair "Foi a primeira pessoa que me fez sentir amada. A primeira pessoa que me chamou de filha. A pessoa que me deu o primeiro vestido de mangas bufantes que tive na vida, e...ele simplesmente se foi...como eu...como eu devo lidar com isso?" Anne se engasga com seu choro. 

Então sentiu algo tocando sua mão. Outra mão. A mão de Gilbert. Anne olha para cima, surpresa, e se depara com olhos cheios de lágrimas. Como se fossem reflexo dos seus. O rosto em uma expressão de dor profunda, também um reflexo do seu. Sem dizer nada, Gilbert simplesmente apertou fortemente sua mão. 

Anne sentiu mais uma parte de seu coração se aquecer. E sentiu, pela primeira vez, por mais pequena que fosse, uma esperança de que tudo ficaria bem. Eventualmente, tudo ficaria bem.

 "Obrigada, Gilbert Blythe," sussurrou Anne, desviando o olhar. 

 "Sempre que precisar, Anne Shirley-Cuthbert," respondeu Gilbert com um pequeno sorriso. E pela primeira vez desde a terrível notícia, Anne sorriu de verdade.

Excluir esta mensagem enviada há 3 horas atrás de lara is ready to dds33 h3 horas atrásEnviado

Loved Ones  (Anne with an E/Shirbert)Tempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang