Um lugar só para nós dois

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"Há uma revolução acontecendo aqui dentro, uma revolução para qual não fui preparado no exército. E foi você quem deflagrou."



Luccino acabava de estender as camisas brancas do seu capitão no varal improvisado na casa que dividiam. Otávio estava fora naquela tarde ensinando jovens mestres de famílias ricas a arte da esgrima e já que havia terminado seus trabalhos na oficina, que eram poucos por ainda não ser bem conhecido na região, a tarefa doméstica ficara para si. Seus olhos passeavam pela paisagem a sua volta, o céu era tão azul e a grama tão verde quanto no Vale do Café e, ainda assim, sentimentos conflitantes brigavam dentro de seu peito, já não sabia mais quem iria se sobressair: a solidão ou a liberdade.


Ficar longe de tudo aquilo que era tão comum e habitual era um tremendo exercício para a mente e alma do jovem mecânico e a falta que sua antiga rotina e vida lhe faziam era tremenda, mas, por outro lado, ali naquela cidade tão distante do Vale a liberdade para amar e dividir qualquer sentimento com Otávio era grande o bastante pra tornar seu coração aventureiro e estabelecer em seu cérebro metas para um futuro que, no Vale do Café, era incerto e quase inexistente. Era fato que ainda não estava acostumado com nada ali, era tudo tão diferente que chegava a lhe dar calafrios e um frio na barriga que fazia-o perder algumas horas de sono; entretanto o mínimo olhar do seu capitão minimizava a confusão em sua mente e o deixava calmo novamente, era como se nunca tivessem abandonado suas antigas vidas, como se Otávio, trajado com sua farda, ainda viesse a sua oficina para escapar de Lídia ou apenas para conversarem com a desculpa de estarem dando aulas um ao outro.


Um suspiro pensativo deixou seus lábios no momento em que prendera a última camisa no varal, talvez fosse a falta do amado que o fazia ponderar tanto sobre todas as circunstâncias e possibilidades que os cercavam; Luccino ajeitou a boina sobre os cabelos pretos e tomou o cesto de roupa nos braços rumando para dentro da pequena casa que dividiam. O relógio já marcava três da tarde, então Otávio devia estar a poucos minutos dali, por isso, colocou a chaleira com água no pequeno fogão e sentou-se a mesa; já que não podiam almoçar juntos, tomar café da tarde aproveitando da companhia um do outro havia se tornado uma parte da rotina que o italiano não conseguiria nem pensar em se desfazer.


O som da chave girando na fechadura da porta da frente colocou um sorriso entre as bochechas de Luccino, não sabia como Otávio podia fazer brotar sorrisos em si apenas pelo fato de saber que ele estava por perto, quase parecia mágica. O som da chaleira apitando juntou-se ao dos passos tranquilos do seu capitão e logo ele apareceu em sua visão, encostando-se no batente da cozinha com um sorriso de lado surgindo tímido por baixo do bigode.


Luccino pôs-se de pé e caminhou até ficar frente a frente com Otávio, os dois sorriam bobos como se aquele ainda fosse o primeiro dia que haviam descoberto seus sentimentos um pelo o outro. O italiano passou a ponta dos dedos pelo colarinho da camisa do amado, endireitando-o; ainda não haviam tido um contato muito mais íntimo do que as tímidas vezes em que tocavam o rosto um do outro, faziam tudo com o máximo de tranquilidade possível, estavam longe do Vale do Café, e não precisavam se preocupar com complicações, podiam apenas aproveitar cada dia em seu próprio tempo.


—Posso saber o motivo desse teu sorriso tão largo?-Otávio pergunta, passando os olhos pelo rosto do seu amado.


—Eu acredito que você já saiba bem.-Luccino se aproxima um pouco mais, ainda mantendo o sorriso estampado em seu rosto.

Longe do ValeDonde viven las historias. Descúbrelo ahora