Gavir era do tipo truculento, alto e forte. Não tinha músculos aparentes, pois a grossa capa de gordura os escondia. Carregava uma lança, como todos os outros que entravam no lugar.
Escolhera uma pouco afiada, enferrujada e gasta, que possuía uma leve envergadura com a qual estava acostumado. Era sua preferida.
Segurava a arma com as duas mãos na altura dos quadris, com a ponta direcionada para a garota que, apesar de acuada, também segurava uma lança, provavelmente roubada de algum idiota.
A jovem tinha menos que a metade da altura de seu oponente e era tão leve quanto um de seus braços. Possuía manchas de sangue no dorso nu e nas mãos, mas nenhuma ferida grave aparente. A lança que carregava estava limpa e visivelmente bem mais nova que a de Gavir.
Hoje cedo alguém tentou apostar na fragilidade da inofensiva menina e não obteve muito sucesso. "Deviam proibir imbecis de pegar em armas", pensou o guerreiro.
Mas Gavir conhecia bem a raça. Não era a primeira vez que enfrentava uma daquelas e tinha a consciência que subestimá-la seria um erro. "Bicho traiçoeiro!", resmungou. Essa era a próxima de sua lista. Estava completamente encurralada na floresta, em uma clareira de pedras.
A garota berrou agressivamente, talvez com a intenção de afugentar o guerreiro. Mas aquilo obviamente não surtiu efeito. Seu carrasco apenas sorriu, como se aquele grunhido lhe convidasse à luta. Então intimidou a jovem, dando uma pisada forte em sua direção e estocando o ar entre os dois.
A pequena fitou um espaço entre a perna direita de Gavir e a barreira de rochas e limo. Iniciou uma carreira em direção à brecha, mas o guerreiro já havia antecipado seus pensamentos ao observar o olhar esperançoso da menina.
Com um movimento de alavanca, girou a parte de trás da lança com a mão direita, usando a esquerda como ponto de apoio, e acertou violentamente o cabo no delicado rosto, que imediatamente jorrou em sangue, arremessando o frágil corpo de volta ao beco sem saída.
O grandalhão ficou parado, admirando a vítima verificar o nariz quebrado e cuspir uma porção generosa de líquido vermelho. Então percebeu que seu tempo já estava esgotando e decidiu acabar logo com a brincadeira.
Com um golpe mirado no tronco da pequena, empregou toda a força dos braços, mas acertou a lança em uma das frestas nas rochas. A garota era ágil e desviou executando um rolamento para a esquerda. Gavir percebeu que a lâmina havia ficado presa, ao tentar puxar a arma para um novo ataque.
Vendo o algoz em situação desfavorável, a garota não perdeu tempo. Fincou sua lança na coxa do combatente, chegando a acertar-lhe o osso da perna, já que a ponta não transpassou.
Infelizmente não teve tempo de puxá-la para um novo ataque. Depois de um urro, Gavir desferiu um soco tão forte que a menina voou até bater na parede oposta.
Ainda se recuperando do choque, a jovem mal conseguiu abrir os olhos.
O guerreiro encaixou uma chave de braço no frágil pescoço e apertou. Apertou tão forte que chegou a ouvir um estalo. Os membros da delicada criatura perderam as forças e ela caiu desfalecida.
Mancando, o campeão colocou o pequeno corpo no ombro e o levou triunfante. Chegando à saída, cumprimentou o atendente e depositou a garota na balança, que marcou o equivalente a 32 quilos, então pagou.
O atendente olhou para sua perna, e disse:
— Você gosta das difíceis, hein, meu amigo.
— O sabor é melhor — respondeu orgulhoso.
— Bom churrasco pra você e sua família! E volte novamente!
Indo embora, Gavir contemplou a fachada que dizia "Cace e Pague: Traga sua família e venha saborear os deliciosos humanos".
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A Garota e o Guerreiro
Short StoryO que leva um indivíduo, em uma clara posição de vantagem física, intelectual e tecnológica, enfrentar uma criatura fraca, inocente e pacífica, num ato de covardia e nenhuma compaixão?