A aurora

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Era uma tarde de sexta-feira, e Daniel, aluno do terceiro ano do ensino médio, estava no ponto de ônibus a alguns metros de seu colégio, há quase uma hora, esperando o seu coletivo de volta para casa. Daniel era um adolescente que não possuía beleza excepcional, não tinha inteligência acima da média, não era popular ou tinha qualquer habilidade especial era simplesmente um adolescente, um simples ser humano em tenra idade como qualquer outro, buscando compreender seu lugar nesse mundo. Daniel era também um rapaz de poucas palavras, poucos amigos e poucas experiências, sua vida até aquele momento não havia sido nada emocionante, parecia tê-la presa a um cinto de segurança de concreto: nem mesmo o mais brutal choque a faria mudar, por isso, ele desejava que sua vida a partir daquele instante mudasse, pois sentia que estava atrasado de alguma maneira em relação ao mundo; ele queria, portanto, viajar, inteirar – se com pessoas diferentes, conhecer outras culturas, explorar novos lugares, viver novos amores e respirar novos ares, pois ele sentia que em toda sua vida ainda não havia vivido de fato, mas apenas existido. O rapaz já estava em seu último ano de ensino, entretanto não sabia o que fazer da vida após concluir seus estudos, porém tinha uma certeza: deveria decidir, o mais rápido possível, o que queria fazer, uma vez que este seria seu último ano no colégio. Todavia, o garoto sentia que nada o apetecia como carreira, nada; absolutamente nada o agradava, desta forma, Daniel via-se sem saber que rumo dar à sua vida.
O sol já estava se pondo dando ao fim do dia um crepúsculo alaranjado ao céu. As luzes da cidade começavam a ser acendidas tomando aos poucos o lugar da luz do sol, que se tornava cada vez mais sutil, os trabalhadores encerravam seus expedientes deixando as ruas mais aglomeradas, o fluxo de carros nas rodovias rapidamente aumentava contribuindo para um incipiente congestionamento e os bares, restaurantes, lanchonetes e barracas de vendedores ambulantes enchiam-se de pessoas. Neste instante, Daniel que já estava prestes a explodir de impaciência pela demora de seu transporte deixa de lado seus pensamentos inquietantes e passa, por alguns instantes, a contemplar toda a dinâmica que aquele momento ganhava.
Depois de esperar mais de uma hora e trinta minutos, o ônibus do rapaz chega, excepcionalmente, com lugares para sentar. Daniel sentiu – se feliz por saber que viajaria até seu ponto de descida sentado especialmente porque o trajeto até o local era indescritivelmente longo. No entanto, mesmo a rota sendo enorme ele gostava de tomar o ônibus de volta para casa porque era neste momento que ele podia por seus fones de ouvido e imaginar que era bem sucedido, que viajava ao redor do mundo, experimentava novos sabores, sentia novos cheiros, que possuía a melhor vida que um ser humano poderia desejar, isto é, era ali no ônibus que Daniel se realizava. Ele entrou no veículo cumprimentou o motorista e o cobrador, pagou a passagem, passou pela catraca e sentou – se na última fileira de cadeiras do ônibus no canto direito, era onde habitualmente sentava, pois lá acreditava ser o local perfeito para confabular consigo suas fantasias. Já sentado, Daniel tirou seu fone de ouvido da mochila encaixou-o em seu celular e estava prestes a selecionar sua nada comum playlist de Bossa nova/MPB/Pop/Rock/Eletrônica quando percebeu, antes que o ônibus partisse, alguém batendo no fundo do carro pedindo que ele parasse. Era Laura, uma garota indubitavelmente linda pela qual Daniel mantinha um amor platônico e, eventualmente,  pegava o mesmo ônibus que ele; eles, porém, nunca haviam conversado.
Laura era uma menina que morava no mesmo bairro e estudava no mesmo colégio que Daniel, mas eles sequer haviam trocado mais de uma palavra, apesar de compartilharem rotinas semelhantes, pois mesmo que morassem no mesmo bairro, ainda que estudassem na mesma instituição não era comum eles se verem. Ela parecia não nota-lo, pois Daniel possuía a incrível e nada invejável capacidade de passar despercebido em qualquer lugar, todavia isso não o incomodava, porque ele não gostava de chamar atenção,  porém, desde que o rapaz  viu sua amada pela primeira vez, ele fazia de tudo para que ela reparasse em sua infinitesimal existência. Certa vez, o garoto inscreveu-se para participar do teste de uma peça teatral organizada pelo colégio, na qual Laura também participaria, acreditando que essa seria a oportunidade perfeita para tentar conversar com ela, mas no dia do teste Daniel acabou torcendo o tornozelo ao tropeçar na calçada mal pavimentada após correr, desesperadamente, atrás de seu ônibus. Não obstante, no ano anterior àquele, durante a confraternização que ocorria todo fim de ano letivo na instituição, Daniel tentou, em rara oportunidade, conversar com Laura, em um súbito lapso de coragem, mas não conseguiu passar de um simples oi que ela respondeu atenciosamente com um belo sorriso. Ele, entretanto, ficou estático sem dizer uma única palavra parecendo estar bestificado pela presença da garota e, em seguida, afastou-se lamentando terrivelmente por não ter aproveitado a oportunidade, no entanto nesse momento, Daniel pôde contemplar sua beleza, ver como era extremamente linda de perto, pôde olhar no fundo dos seus olhos e viajar naquele brilho estelar, vislumbrar seu maravilhoso sorriso que poderia alegrar qualquer um que tenha passado por um péssimo dia,  sentir seu inebriante e peculiar aroma de erva-cidreira que o fez sentir-se extasiado: como se tivesse visitado o paraíso. A partir daquele dia, Daniel percebeu que estava perdidamente apaixonado por Laura, então, prometeu para si mesmo que, quando a encontrasse novamente, teria mais coragem e conversaria com ela, pois acreditava ter encontrado naquele dia o grande amor da sua vida. Embora Daniel acreditasse que amava a garota, tudo aquilo que ele sabia sobre o amor estava restrito aos filmes que assistia e às músicas que escutava e, por isso, seu conceito sobre o amor era ideal. Por isso, não raro, Ainda que Daniel quase já fosse um adulto, ele ainda via o mundo com a ingenuidade de uma criança, malgrado soubesse que o mundo não era dessa forma, acreditava melhor enxerga-lo assim.

O motorista abre a porta dianteira do ônibus, e Laura entra, ofegante; grata por tê-lo alcançado, pois sabia que o próximo demoraria a passar. Após entrar, ela cumprimenta o motorista, o cobrador, paga sua passagem e passa pela catraca, enquanto isso, Daniel a observa discretamente e percebe que a garota carrega alguns classificadores e um livro –  o qual ele já lera: “Perfume: A história de um assassino”. Nisto, Daniel acreditou ter a oportunidade perfeita para conversar com Laura, uma vez que, nesta oportunidade, tinha um assunto, entretanto para surpresa do rapaz a garota percebendo sua presença no ônibus senta-se a seu lado. Ela, sem demora, cumprimenta – o e indaga:
- Oi, sou Laura. Tudo bem?
Daniel, com as mãos entrelaçadas, ficou em silêncio por alguns instantes enquanto olhava para Laura contemplando – a, parecia não acreditar na existência daquele momento, o qual tanto aspirava. Devo estar sonhando – pensou ele. O ônibus parte; o arranque do veículo o faz perceber que estava acordado.
Ele sorri timidamente e diz:
- Oi. Tudo sim, sou Daniel.

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⏰ Última atualização: Jan 05, 2019 ⏰

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