last times: capítulo único.

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Eu nunca tinha feito sexo antes — não com um garoto, ao menos. Estávamos nos anos setenta e, ao menos ali, garotos gostavam de garotas. Garotas gostavam de garotos. Deveriam gostar, por que, acaso nos descobrissem, o que diriam se fosse ao contrário? O que diriam ao me encontrarem nu, na sua cama, com seu corpo em cima do meu e com seus lábios avermelhados em mim?

Eu poderia ter usado a desculpa de ter vindo de uma família extremamente religiosa, o ortodoxo do catolicismo preso no vermelho sangue que rodava em nos minhas veias. Poderia dizer que, biologicamente, era inútil. Que meu corpo não deveria ser feito para ser usado como você imaginava que era, com suas mãos curtas tocando meus ombros, forçando-me para baixo do colchão fino da cama enquanto gritava com a voz rouca meu nome como uma oração — uma prece silenciosa aos anjos que, você dizia, nos apreciavam como arte lá de cima.

Eu teria um acervo estupidamente tão bom. Mas eu teria desistido se fosse forte e há uma diferença entre a inteligência e a força que, andando juntas, são incólumes como o Inferno. Mas se eu era um, e você era o outro, como faríamos dar certo se todos diziam que era errado?

Não perdi minha fé em Deus por boatos dizendo que talvez não devessémos ter dormido como um homem e mulher. Não perdi minha fé em você por não acreditar em nada do que eu defendia. Eu simplesmente caí, como quando Ícaro voou perto demais próximo ao sol e suas asas de cera derreteram com o calor sôfrego que o fez apagar.

Meus pais descobriram perto da última vez. E os seus pais não ligavam desde que ainda fosse ao exército ao completar a maioridade e prestasse seu corpo a serviço do nosso país, como tinham feito todos da sua família. Você poderia dormir comigo. Você poderia transar comigo até que meu corpo implodisse e pedisse para que parasse — e por Deus, você sabe que, por vontade própria, ele nunca pediria. Mas era limitado. Sempre era.

E na primeira vez, eu anseiava como um homem vindo da guerra, com saudades da família e de casa e do labrador carinhoso que lambia seu rosto ao bater na porta. Eu queria suas mãos em mim como se elas fossem partes do meu corpo e essenciais para que meus pulmões pudessem, enfim, buscar por ar em uma costa límpida.

Queria você me chupando, por cada haste da minha epiderme até lá. Com suas mãos macias arrastando-se por partes do meu corpo que nunca achei que alguém ousaria tocar. Com meus lábios no seu, com seus lábios no meu e então baixo, baixo, baixo. Tão sujo quanto poderia ser. Doloroso, desajeitado, esquivo, rápido. Doloroso outra vez. E mais outra. E mais outra. Até que você acertou e eu gritei e chamei seu nome quando você chamou pelo meu. E nunca achei que poderia me perder mais ao ouvir sua boca pronunciar cinco letras. Nunca achei que fosse gostar tanto do meu nome, que já fora de tantos algum tempo antes mas que parecia quase único saindo dos seus lábios. Você pedia, e ninguém nunca tinha me pedido daquele jeito.

Você beijava quando doía, você sorria sujo quando eu gemia e você vinha alguns segundos depois de mim.

E eu odeio, odeio, odeio tanto primeiras vezes. Porque depois dessa, eu iria querer as outras. E outras depois das outras e então mais, e mais, como um drogado ou um alcoólatra em abstinência. Você era a minha heroína. Meu maço de cigarros e a minha garrafa favorita de vinho que ficava, e aquela que ficaria por cima da cabeceira do lado da minha cama depois das sextas, sétimas e oitavas vezes, como um lembrete.

Odiava primeiras vezes porque me viciariam o suficiente para querer uma segunda. E a segunda para a terceira, para quarta, quinta, sexta, sétima e da sétima, para que eu achasse bom o suficiente e não quisesse que tivesse fim, mesmo que a última sempre fosse aquela com gosto de despedida.

Odiava guardá-lo como um segredo, mas pedia que o meu Deus protegesse você, mesmo assim. Era algo que eu mantinha com ele como um segredo e para quem eu contava aquelas juras de amor que você sempre jurou serem tão piegas. O que era um problema seu, eu não me importava. Jurava-as mesmo assim, todos os dias e achava que caso esquecesse delas em um deles, nós iríamos do pó ao pó.

last times | l. s. [one-shot]Onde histórias criam vida. Descubra agora